Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha de S. Paulo

‘A proximidade das eleições municipais traz de volta à cena o espetáculo da política. É chegada a hora dos rostos sorridentes, das promessas, das meias-verdades e das tergiversações. É tempo de vender ilusões e receber votos.

No governo federal, reúnem-se os luminares do petismo para elaborar uma cartilha na qual se listam truques retóricos e estatísticos para mostrar ao eleitor a ‘mudança’ que sozinho ele ainda não conseguiu divisar. Com base no referido manual, os próprios candidatos petistas ou aliados do governo terão a chance de dirimir suas dúvidas e defender, supostamente de maneira mais eficaz, as realizações da atual gestão.

Não importa se a defesa baseia-se em artifícios de linguagem ou números parciais. O fundamental para o político é parecer convincente, mesmo que se equilibre em situações duvidosas, como são algumas alianças que vêm sendo costuradas para as eleições. Quanto a isso, em termos de ‘heterodoxia’ não se economiza, como demonstra bem o caso de São Paulo, onde o eleitor assiste a uma seqüência de entendimentos que fere qualquer princípio de coerência política e desvela o caráter oportunista e circunstancial das coligações.

Não há, de fato, como evitar o constrangimento provocado pela notícia de que a ex-prefeita Luiza Erundina (PSB-SP) e o deputado Michel Temer, do PMDB de Orestes Quércia, formaram uma única chapa para concorrer ao pleito. Quércia e Erundina têm diferenças substanciais. Quando o cacique peemedebista era governador do Estado de São Paulo e Erundina, então no PT, prefeita da capital, eram freqüentes as trocas de farpas entre os dois.

Igualmente embaraçosa é a coligação que reúne o petebista Roberto Jefferson e Levy Fidélix (PRTB-SP) em torno da atual prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. Jefferson e Fidélix foram aliados -em momentos distintos- do ex-presidente Fernando Collor de Mello, notório adversário político dos petistas.

Por fim, chama a atenção que o candidato a vice da chapa do tucano José Serra seja Gilberto Kassab, do PFL. O referido político fez parte da equipe do ex-prefeito Celso Pitta e integrou a base de sustentação de Paulo Maluf na Câmara Municipal -nomes que Serra sempre criticou.

É verdade que as situações regionais têm suas especificidades e nem sempre correspondem às nacionais. É certo também que em política não se vai longe sem aliados. É inegável, no entanto, que as alianças em curso na disputa paulistana reforçam a impressão corrente de que para alcançar seus objetivos a classe política sempre se dispõe a sacrificar a coerência e a rasgar compromissos.

Diante desse quadro, é inevitável que a credibilidade dos partidos políticos se desgaste ainda mais aos olhos do eleitor. A cada eleição, essas agremiações parecem empenhadas em dar novos passos para que se indiferenciem na ausência de princípios, no pragmatismo desenfreado e na busca do poder pelo poder.



O Estado de S. Paulo

‘Tudo pelo tempo de TV’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 5/07/04

‘Quando o eleitor acusa os políticos de serem ‘farinha do mesmo saco’, como a todo momento se ouve, ninguém em sã consciência pode acusá-lo, por sua vez, de ser mal informado ou injusto ou carente de sentimento cívico. De fato, é impossível culpar quem reaja com perplexidade e enfado a um espetáculo que se repete a cada temporada eleitoral – a promiscuidade política coreografada pelos candidatos e caciques partidários, cuja única finalidade é conquistar o poder ou nele se manter.

Estamos falando, naturalmente, das alianças esdrúxulas entre figuras que não apenas têm pouco ou nada em comum, como ainda já disseram umas das outras coisas de enrubescer uma estátua. Essas alianças se fazem e se desfazem ao sabor das circunstâncias: não conseguindo fechar negócio com um grupo, o político esperto tratará de acertar-se com outro, mais depressa do que se é capaz de pronunciar a palavra coerência, enquanto o homem comum a tudo assiste, bestificado.

Reconheça-se desde logo que política eleitoral e coerência são termos por definição incompatíveis – e ninguém será ingênuo a ponto de pretender o contrário. Reconheça-se também que a era dos partidos e dos políticos ideologicamente puros e duros somente sobrevive nos livros de história – ainda bem, porque deles nunca se beneficiou a democracia. Reconheça-se ainda que as coligações são inerentes a todo sistema político multipartidário.

Nada disso, porém, justifica o oportunismo desregrado dos arranjos sazonais que amesquinham a vida política.

Com o objetivo declarado de promover a igualdade de oportunidades eleitorais, instituiu-se no Brasil o período de propaganda gratuita no rádio e na televisão, que as emissoras são obrigadas a transmitir e cujo tempo é distribuído conforme o tamanho das bancadas federais dos partidos: quanto maior for a representação de cada qual na Câmara dos Deputados, maior será o seu tempo de TV.

Por isso, a primeira prioridade de todas as agremiações é se aliar àquelas que agregarem mais minutos aos seus candidatos. Mas também os segundos valem ouro – o que estimula o florescimento dos partidos nanicos, conhecidos como legendas de aluguel, cujos controladores cedem o pouco de que dispõem no relógio em troca da melhor oferta, em espécie e/ou em vagas na chapa para a câmara legislativa a ser eleita naquele ano.

(Quantos eleitores saberão dizer que partido é o PHS, ou o PAN, ou o PSDC, ou o PRTB etc., etc. e tal?) O caso da disputa para a Prefeitura paulistana, um entre muitos pelo País afora, deixa clara a lógica desse movimentado show de conveniências, que ostenta entre os seus principais protagonistas, para variar, o maior partido-ônibus do Brasil, o PMDB. A história é exemplar. A aspiração peemedebista na capital era emplacar o presidente nacional da sigla, deputado Michel Temer, como vice da prefeita petista candidata à reeleição, Marta Suplicy.

Contrariando a própria cúpula do PT, favorável a esse esquema, porque ajudaria a amarrar o apoio peemedebista ao governo Lula e acrescentaria mais de 6 minutos ao tempo de TV da prefeita, ela insistiu em formar uma chapa ‘puro-sangue’, com um vice petista que a substituiria caso – reeleita – ela disputasse e conquistasse o governo estadual em 2006. Diante disso e para não perder o prazo da legislação eleitoral, o PMDB lançou Temer a prefeito.

Mas o presidente do partido em São Paulo, Orestes Quércia, continuou a negociar em várias frentes. Na segunda-feira, quando a prefeita disse na televisão que não confiava no PMDB, Temer quis declarar o seu apoio ao tucano José Serra (como fez na semana passada o PPS, abrindo mão da candidatura própria, o que era esperado). Mas isso seria anátema para Quércia, cujos métodos provocaram a dissidência que deu origem ao PSDB.

De conversa em conversa, Temer (1% nas pesquisas) acabou sendo vice de Luiza Erundina, do PSB (9%). Com isso, o tempo total de TV da ex-prefeita saltou de cerca de 2 minutos para 9min 03s, o que fará dela a terceira maior presença no horário eleitoral, depois dos 14min37s de Serra e dos 14min 08s de Marta, à frente de Maluf, com seus 5min15s.

Tempo de TV pode não ser tudo, mas os políticos devem saber o que fazem quando aceitam o que for preciso para tê-lo, certos de que não lhes faltarão palavras contra o desencanto do eleitor. Erundina, por exemplo, esqueceu rapidamente o passado e proclamou que a sua aliança com o partido de Quércia representava a criação de ‘novos valores na política, revolucionando a cultura política a partir de São Paulo’. Sem comentários…’



FURO DE ANCELMO
Carlos Heitor Cony

‘Mestre Ancelmo’, copyright Folha de S. Paulo, 4/07/04

‘Mestre Ancelmo Gois não cansa de dar aulas do bom jornalismo informativo, em sua seção de ‘O Globo’, sempre com aquele estilo saboroso de um tempo em que a imprensa não tinha cores, era em preto-e-branco ou em marrom. Os manuais da redação vigentes nos jornais exigem que a informação seja completa, bem apurada e de interesse para o leitor, mas o mestre está acima da plebe rude e, nesta semana, saiu-se com uma obra-prima de redação informativa:

‘Nada lhe faltará…’ (reparem a fina ironia da reticência no título de sua esclarecedora nota). E vamos ao texto, que é um primor a ser ensinado nas faculdades de comunicação: ‘Sabe aquele deputado evangélico de São Paulo, casado, pais de três filhos, que cedeu à tentação da carne e, saliência vai, saliência vem, engravidou a secretária? Pois o irmão em Cristo tirou da carteira um cala-boca gordo e a funcionária desistiu de pedir investigações de paternidade. Na base do ‘deputado é meu pastor, nada me faltará’.’

Os leitores do Ancelmo devem estar carecas de saber quem é o deputado evangélico (desinformado, como sempre, fiquei boiando, mas sou caso perdido, todo mundo sabe, menos eu, que o deputado fez saliências e engravidou a secretária).

Ético, acima de tudo, Ancelmo guardou o sigilo da fonte. Não creio que ele, pessoalmente, tenha interesse na saliência do deputado paulista. Sua consciência profissional preservou a fonte, mas denunciou a saliência. É evidente que seu notável faro investigativo apurou isentamente a saliência do deputado e, comprometido com a verdade e a honestidade da informação, transmitiu a seus leitores uma informação importante, que certamente execrará ‘o irmão em Cristo’ que cedeu ‘à tentação da carne’, cometendo saliências com a secretária.

E tudo de graça, sem cobrar comissão de ninguém pelo serviço prestado à ética e aos bons costumes.’



PRÓ-MÍDIA À VISTA
Rosa Costa

‘Senado quer mais recursos para a mídia’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/07/04

‘A Comissão de Educação do Senado decidiu ontem apresentar sugestões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no programa de apoio ao setor de comunicações. Uma das sugestões pode ser o aumento do volume de recursos do programa, segundo o senador Hélio Costa (PMDB-MG). O BNDES quer liberar R$ 2 bilhões em empréstimos para empresas de mídia.

As sugestões deverão ser apresentadas até o dia 20 de agosto, por um grupo de seis senadores que serão designados pelo presidente da Comissão, senador Osmar Dias (PDT-PR). Segundo Hélio Costa, o grande número de empregos mantido pelas empresas precisa ser levado em conta no momento em que o banco disponibilizar os recursos. ‘Estamos vendo ao longo dos anos a deterioração das empresa de mídia no Brasil e, se alguma coisa não for feita, vamos ter alguns dos nossos principais órgãos nas mãos do capital estrangeiro’, alertou Hélio Costa.

O senador mineiro disse a comissão não pode dizer ao BNDES o que fazer, ‘mas pode sugerir um conjunto de medidas para melhor a proposta atual’. A proposta elaborada pelo banco prevê prazo de 60 meses para pagamento, cobrança atualizada pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) mais 5% de juros e limite de R$ 2 bilhões para todo o setor. Ele lembrou que a dívida atual das empresas de comunicação atinge R$ 10 bilhões. Para Costa, é viável um valor maior para o programa.

‘O modelo proposto é semelhante ao adotado atualmente pelos demais bancos, não apresentando vantagens’, justificou Costa. O senador disse que sentiu da parte do presidente do BNDES, Carlos Lessa, na exposição que ele fez na comissão, ‘boa vontade em dividir com os senadores a responsabilidade de ajudar a indústria de comunicação para sair da crise’. Para o senador, o empréstimo funcionará como investimento no setor.’