Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha de S. Paulo


OPERAÇÃO SATIAGRAHA
Folha de S. Paulo


Relatório afirma, sem provas, que grupos ‘manipulam’ mídia


‘O relatório final da Operação Satiagraha, assinado pelo delegado da Polícia
Federal Protógenes Pinheiro de Queiroz, diz que os supostos grupos criminosos do
banqueiro Daniel Valente Dantas e do investidor Naji Robert Nahas ‘manipulam’ a
mídia. As supostas conversas, parte da atividade dos jornalistas, são o único
‘indício’ apontado por Queiroz.


O relatório diz também que Roberto D’Ávila, da ‘TVE Brasil’, recebeu R$ 50
mil em 2007 de Nahas. D’Ávila disse ontem à Folha que a remuneração se deve a
trabalho feito pela sua empresa, a CDN, uma pesquisa de opinião sobre a imagem
de Nahas na mídia.


‘Até que gostaria, mas nunca entrevistei Nahas ou Dantas no meu programa’,
disse D’Ávila, que não foi ouvido pelo delegado. Ao citar outros jornalistas,
Queiroz errou dois nomes. E não ouviu nenhum jornalista, antes ou depois do
relatório.


O documento se refere à jornalista da Folha Andréa Michael como ‘integrante
da organização criminosa’, ‘travestida de correspondente da [sic] jornal Folha
de São Paulo na cidade de Brasília’. Michael foi autora de reportagem, em abril,
que antecipou, com exclusividade, a operação da PF. O delegado ficou contrariado
com a revelação e registrou isso no relatório. Pediu também a prisão temporária
de Michael e busca e apreensão em sua casa, ambos negados pelo juiz.


Em nota, o jornal disse que ‘a Folha de S.Paulo repele insinuações de que o
comportamento da repórter Andréa Michael não tenha sido correto. A repórter
apurou fatos de notório interesse público relatados em texto publicado pela
Folha em abril’. A nota dizia ainda que ‘tentativas de envolver a profissional
da Folha no inquérito só podem ser entendidas como esforço inútil de intimidar a
equipe de reportagem do jornal e retaliar quem cumpriu com sua obrigação’.
Michael é repórter da Sucursal da Folha em Brasília há oito anos.


O delegado escreve ainda que as revistas ‘IstoÉ Dinheiro’ e ‘Veja’ estão ‘a
serviço do grupo de Dantas.’ Cita os colunistas Diogo Mainardi e Lauro Jardim.
Este teria feito uma reportagem -’Rumo à Supertele’- considerada ‘favorável’ a
investigados. Procurado pela Folha, Mainardi comentou: ‘É uma citação bisonha,
uma patetice que infelizmente pode colaborar para que quadrilheiros escapem’.
Jardim afirmou: ‘A reportagem citada é jornalisticamente impecável’.


O delegado citou ainda Leonardo Attuch, editor da ‘IstoÉ Dinheiro’ e
colunista da ‘IstoÉ’, que teria feito ‘artigos jornalísticos ‘encomendados’.
Attuch disse, por e-mail: ‘É mais uma tentativa de intimidação. Como jornalista,
tenho direito de entrevistar o presidente ou um presidiário, sem preconceito.
Sou alvo de leviandades da PF desde 2004’.


Queiroz diz que jornalistas falam ‘quase diariamente’ com Nahas com a
intenção de ‘reunir-se com o maior número de formadores de opinião para ‘dar a
sua versão da história’. O investidor teria ‘contatado’ Vera Brandimarte, do
‘Valor Econômico’, Paulo Andreoli, Thomas Traumann, da ‘Época’ -chamado pelo
delegado equivocadamente de ‘Talman’-, Elvira Lobato e Guilherme Barros (chamado
de ‘Bastos’), da Folha, e João Saad, da ‘TV Bandeirantes’.


Elvira viaja à China e não pôde ser ouvida. Barros disse estar surpreso com a
citação, pois só teve um encontro com Nahas em sua carreira, ‘para tratar de
assuntos estritamente jornalísticos e devidamente informados à Folha’.


Brandimarte disse que nunca falou ou esteve com Nahas. Disse ser ‘nada mais
do que natural’ que seu nome esteja na relação de profissionais de negócios,
pois dirige a redação de um dos principais jornais econômicos do país. Traumann
disse que ‘nunca’ falou com Nahas e que a menção a seu nome é
‘estúpida’.’


CÚPULA DO G8
Clóvis Rossi


G8 ou ‘talk show’?


‘PARIS – Na quarta-feira, no interminável plantão a que os jornalistas fomos
submetidos durante as cúpulas do G8 e do G5, à espera de fragmentos de
informação, eis que surge na tenda armada ao lado do Windsor Toya Hotel a leva
de fotógrafos franceses que haviam sido levados para a sua ‘photo opportunity’
(texto ‘opportunity’ é mais rara ainda).


Abrem seus computadores e exibem fotos de Nicolas Sarkozy de calção e
camiseta fazendo seu jogging na mata que circunda o hotel-bunker dos
presidentes. Estivesse menos bêbado de sono, teria até ficado indignado. Se a
noção de ‘photo opportunity’ do governo francês e dos organizadores é essa, os
brasileiros somos incrivelmente sérios e austeros.


Dois dias depois, vejo no ‘International Herald Tribune’, a muito bem feita
edição global do ‘New York Times’, que fazer jogging não foi nem mesmo
figuradamente a atividade principal a que se dedicaram os governantes.


Michael Schlesinger, climatologista da Universidade de Illinois, ao comentar
os resultados das cúpulas, disse que o que os governantes fizeram foi ‘talk the
talk’, não ‘walk the walk’. Em inglês fica melhor porque rima. Traduzido
literalmente daria ‘falaram a fala’, mas não ‘caminharam o caminho’ (menos
Sarkozy, claro). Em português: um colossal blablablá.


Nenhuma surpresa, aliás. Salvo nos anos 70, quando uma ou outra cúpula do G8
resultou em ações para reequilibrar o câmbio entre o dólar e as moedas de seus
sócios no clubão (então de apenas sete países), não há outro resultado palpável
do ‘talk show’.


Aliás, ‘talk shows’ são mais produtivos porque exibidos ao público. O dos
governantes fica em circuito fechado. No máximo, alguns deles contam a
jornalistas de seus países o que disseram. Mas não contam a reação dos outros.
Fica tudo muito pobre.’


TONY
SNOW
Folha de S. Paulo


Câncer mata ex-porta-voz da Casa Branca


‘Morreu na manhã de ontem de câncer, aos 53 anos, Tony Snow, ex-porta-voz da
Casa Branca e comentarista de televisão, conhecido por posições
conservadoras.


Snow, que em 2006 trabalhava na rede Fox News, tornou-se secretário de
imprensa de George W. Bush em maio daquele ano, substituindo Scott McClellan. Em
2007, ele se afastou para retirar um tumor da região abdominal, mas voltou ao
cargo em cinco semanas.


Seis meses depois, abandonou definitivamente a função. Ele trabalhava desde
abril na CNN.


Com agências internacionais’


ARTE
ROUBADA
Leneide Duarte-Plon


Exposição reúne quadros em busca de proprietários


‘A mostra de pintura que o Museu de Arte e História do Judaísmo inaugurou em
Paris é mais que uma exposição de arte. É de política e de história que falam os
quadros de pintores consagrados como Utrillo, Degas, Delacroix, Monet, Vlaminck,
Ingres, Fragonard, Cézanne, Courbet, Matisse, Marx Ernst e Seurat. Entre os 53
quadros da exposição, há ainda obras de grandes mestres da pintura holandesa,
além de algumas obras anônimas.


O nazismo e a espoliação de bens de colecionadores judeus, durante a ocupação
da França pelos alemães, são o centro de interesse da exposição, que tem como
título: ‘A quem pertenciam esses quadros?’. O subtítulo explica a pergunta:
‘Espoliações, restituições e pesquisa de origem: o destino das obras de arte
trazidas da Alemanha após a guerra’.


Abaixo do mercado


Nem todos os quadros enviados à Alemanha durante a guerra foram fruto de
pilhagem. E nem todos pertenciam a judeus. Os alemães compraram muito no mercado
francês, tirando proveito das leis raciais decretadas pelo governo fantoche do
marechal Pétain. Puderam se apropriar de obras pertencentes a judeus que fugiam,
mas também compraram obras de grande valor por preços muito abaixo do
mercado.


A exposição chegou a Paris, onde fica até 26 de outubro, depois de ter sido
mostrada no Museu de Israel, em Jerusalém. Ela é o resultado da Missão Mattéoli,
nomeada por Lionel Jospin em 1999 para estudar a espoliação dos judeus
franceses. Essa missão concluiu que 10% do fundo chamado Musées Nationaux
Récupération (MNR), que contém 2.000 obras, deve ser de pinturas espoliadas a
famílias judias.


A exposição mostra os diferentes processos de apropriação praticados pelos
nazistas durante a Segunda Guerra, desde as primeiras pilhagens feitas em julho
de 1940 até as conseqüências das leis raciais do governo de Vichy (dirigido por
Pétain). Através de textos didáticos, também mostra como foram feitas as
restituições no pós-guerra, seja aos grandes colecionadores, como a família
Rothschild, seja a outras famílias que puderam comprovar a origem das obras.


Mesmo após o trabalho de historiadores de arte dos dois países, ainda restam
as 2.000 obras classificadas MNR (Musées Nationaux Récupération). Elas estão sob
a guarda permanente de museus franceses.


Através de vídeos, de textos e de documentos, o visitante pode entender como
foram feitas as pesquisas para encontrar a origem dos quadros, possibilitando a
restituição aos proprietários ou a descendentes.


Oficial alemão


Cem mil obras de arte repertoriadas depois da guerra na Alemanha saíram da
França, de seis maneiras diferentes. Foram confiscadas pelos diversos serviços
nazistas, compradas ou trocadas.


Entre elas, algumas pertenceram a um oficial alemão. Essa história
rocambolesca de um tesouro perdido foi contada por um arcebispo que devolveu os
quadros aos museus estatais de Berlim. Eram 28 pinturas e desenhos de Delacroix,
Corot, Millet, Manet, Renoir e Seurat, adquiridos por um oficial alemão e
entregues a um soldado que voltou à Alemanha.


Como o oficial não apareceu depois da guerra para reclamar seu tesouro, o
soldado o confiou, sob o segredo da confissão, a monsenhor Heinrich Solbach,
arcebispo de Magdebourg. Este o entregou ao organismo central dos museus
alemães. Essas obras foram devolvidas a François Mitterrand, em 1994, e foram
expostas no Musée d’Orsay no mesmo ano.


Fazendo desapropriações de bens de judeus, os nazistas contavam com a
Einsatzstab Rechsleiter Rosenberg (ERR), criada por Hitler sob a autoridade de
Alfred Rosenberg, ideólogo do partido nazista e teórico do anti-semitismo. Entre
abril de 1941 e julho de 1944, esse serviço enviou para a Alemanha 138 vagões
contendo 4.174 caixas, correspondendo a 22 mil objetos ou lotes de objetos.
Segundo um relatório de julho de 1944, 38 mil apartamentos parisienses foram
pilhados e os objetos de valor encaminhados à ERR.


Picasso x holandeses


Hitler e Goering adquiriram obras de pintores flamengos através de operações
de trocas de obras de pintores modernos como Picasso e Matisse, confiscadas a
colecionadores como Paul Rosenberg, o marchand de Picasso. As obras desses
pintores, consideradas ‘arte degenerada’, serviam de moeda de troca para
aquisição de obras de pintores holandeses, que os dirigentes nazistas
admiravam.


Depois da guerra, autoridades aliadas estabeleceram comissões para resolver o
verdadeiro quebra-cabeças das obras de arte estocadas na Alemanha, provenientes
de diversos países europeus. Das 100 mil mil obras de arte que, calcula-se,
deixaram o território francês durante a guerra, 60 mil retornaram à França em
1945, das quais 45 mil foram restituídas aos proprietários até 1949. Entre as 15
mil restantes, 13 mil foram vendidas pela organização que administra os museus
franceses, entre 1950 e 1953.


As outras 2.000 estão espalhadas pelos museus nacionais com o selo MNR, de
onde saíram as 53 obras expostas atualmente no Museu de Arte e de História do
Judaísmo.


Nos dias 14 e 15 de setembro, haverá um colóquio internacional no próprio
museu, intitulado Espoliações, restituições, indenizações e pesquisa de origem:
o destino das obras de arte encontradas depois da Segunda Guerra
Mundial.’


MEMÓRIA CULTURAL
Hugh Eakin,
do New York Times


Biblioteca do Iraque acusa ONG binacional de saquear arquivo


‘Nos primeiros dias após a invasão do Iraque, em 2003, Kanan Makiya,
acadêmico e exilado iraquiano residente nos EUA, topou com um potencial tesouro
de documentos em Bagdá: arquivos do Partido Baath que registram o grau de
lealdade de cerca de 2 milhões de iraquianos comuns ao regime de Saddam Hussein
durante seus últimos anos no poder. Makiya, que escrevia há anos sobre os abusos
cometidos por Saddam, reconheceu imediatamente o valor do arquivo para a memória
cultural do Iraque -e também seu potencial para ser mal usado durante a volátil
transição política do país. ‘Era pura dinamite.’


Depois, a Fundação Memória do Iraque, organização privada financiada por
Makiya, com sede em Washington e Bagdá, assumiu a custódia do arquivo, e, em
janeiro, fechou acordo para que o Instituto Hoover, da Universidade Stanford, o
conservasse por cinco anos. Para algumas autoridades iraquianas e alguns
arquivistas americanos, porém, trata-se de um caso de saque flagrante. Saad
Eskander, diretor da Biblioteca e Arquivo Nacionais do Iraque, em Bagdá, e Akram
al Hakim, o ministro interino da Cultura do Iraque, afirmam que o arquivo foi
tomado ilegalmente e pedem devolução.


À primeira vista, a polêmica pode causar perplexidade. O Instituto Hoover é
conhecido por suas coleções sobre regimes totalitários. A Fundação Memória do
Iraque é reconhecida por seu trabalho de coleta de depoimentos de vítimas de
Saddam, que agora passam na TV iraquiana.


Mas Eskander sugere que a fundação fez uso de sua influência política para
ganhar controle do material. A Sociedade Americana de Arquivistas e a Associação
Canadense de Arquivistas concordam: em nota, condenam a coleta como ‘ato de
pilhagem proibido pela Convenção de Haia de 1907’.


As leis internacionais de guerra prevêem que uma potência de ocupação detenha
documentos ou arquivos necessários para a ocupação. Os EUA adquiriram e
conservam cerca de 100 milhões de páginas de outros materiais de arquivo do
Iraque. Mas, na condição de grupo privado, a Fundação Memória do Iraque não se
enquadra nessa norma, disse Mark A.


Greene, presidente da Sociedade Americana de Arquivistas. Funcionários do
Instituto Hoover e da fundação replicam que seus objetivos foram mal
interpretados: não reivindicam a propriedade dos documentos e ambos concordam
que eles devem ser devolvidos ao Iraque ‘no futuro não muito distante’, disse
Richard Sousa, do Instituto Hoover. ‘Não existe neste momento um bom repositório
para eles no Iraque.’


As autoridades iraquianas já endossaram as atividades da Fundação Memória em
várias ocasiões, segundo correspondências apresentadas pela fundação. De acordo
com elas, a idéia de guardar os documentos ‘por um período de tempo’ no
Instituto Hoover foi endossada pelo chefe do Estado-Maior do primeiro-ministro
iraquiano Nouri al Maliki.


No entanto, esses endossos são contraditos por uma carta de 23 de junho, do
ministro Hakim, expressando a ‘rejeição absoluta’ do Ministério da Cultura. Há
duas semanas, Makiya se reuniu com Al Hakim em Bagdá para apresentar seus
argumentos. Segundo Makiya, não houve resposta iraquiana.


Os críticos da fundação dizem que a Biblioteca e Arquivo Nacional do Iraque é
o local de direito para os documentos.


Visto como uma das poucas instituições culturais de Bagdá em funcionamento, a
biblioteca tem apoio internacional, incluindo o da Biblioteca do Congresso
americana, e guarda outros registros do antigo regime.


Makiya argumenta que, devido à menção dos papéis às relações de cidadãos com
o governo de Saddam, é arriscado demais guardá-los num arquivo geral.


Ele cita casos de países, incluindo Alemanha, Polônia e Camboja, que criaram
novas instituições regidas por leis especiais para o tipo de documento. E
observa que, em janeiro, o Parlamento iraquiano aprovou lei pedindo a criação de
um arquivo nacional especial para esse tipo de material.


Tradução de CLARA ALLAIN’


CIÊNCIA
Marcelo Leite


Imprensa que ladra


‘‘Ciência que ladra’ é o nome sensacional de uma série de divulgação
científica dirigida para a Siglo XXI Editores da Argentina por Diego Golombek.


Único detentor sul-americano de um prêmio IgNobel (por ter curado jet-lag com
Viagra em… hamsters), Golombek é um pesquisador sério de ritmos circadianos e
grande comunicador. Dá tempo integral para mostrar que a ciência, apesar das
aparências, não morde.


Golombek foi a Cambridge (EUA) receber em pessoa e com galhardia seu IgNobel.
O prêmio satírico faz a festa dos jornalistas de ciência, que se lançam sobre
ele como uma matilha. Mas o biólogo portenho não tem medo de repórter.


Golombek faz parte de uma estirpe de cientistas que, de Carl Sagan a Richard
Dawkins, abraça a publicidade com entusiasmo -mesmo que isso implique encarar
jornalistas. Aos poucos, seu exemplo se espalha entre pesquisadores. Se não
ainda (ou não tanto) no Brasil e na Argentina, ao menos nos cinco países que
lideram a produção científica mundial: Alemanha, EUA, França, Japão e Reino
Unido.


A prova está na edição de anteontem do periódico americano ‘Science’. Um
grupo coordenado por Hans Peter Peters, do Centro de Pesquisa de Jülich
(Alemanha), fez o primeiro estudo multinacional sistemático do proverbial mau
relacionamento entre pesquisadores e jornalistas. Para surpresa da equipe,
descobriu que eles nunca se deram tão bem.


Responderam ao questionário de Peters 1.354 cientistas com artigos publicados
em periódicos de renome, durante os três anos anteriores (2002-2004), nas áreas
de epidemiologia (648) e células-tronco (706). Dois terços foram entrevistados
por jornalistas pelo menos uma vez.


Pasme: 57% dos respondentes se disseram ‘predominantemente satisfeitos’ com o
resultado de seu último contato com a imprensa, e só 6% ‘predominantemente
insatisfeitos’. Considerando o impacto de toda a relação sobre suas carreiras,
46% declararam ter sido ‘mais para positivo’ e apenas 3% ‘mais para negativo’.


Há pequenas variações entre os países. No Japão, o casamento vai menos bem
que nos outros países, mas nada que ponha pesquisadores e jornalistas à beira do
divórcio. O que não deixa de surpreender, porque a tônica dos estudos sobre
divulgação científica tem recaído sobre as dificuldades no relacionamento
-sensacionalismo da imprensa, pedantismo e distanciamento dos cientistas, e por
aí vai.


Peters e seus colaboradores sondaram os pesquisadores sobre essas relações
com a ajuda de 16 frases, positivas e negativas -de ‘os jornalistas fizeram as
perguntas certas’ a ‘fui tratado com pouco respeito’. De ponta a ponta,
obtiveram avaliação preponderantemente positiva.


Baseando-se em outras respostas, os autores concluem que os cientistas cada
vez mais reconhecem os benefícios de relacionar-se com a imprensa. A razão mais
citada (93%) é genérica: induzir ‘uma atitude mais positiva do público diante da
ciência’. Mas parece pesar muito, também, a chance de obter mais visibilidade
para o próprio trabalho -tanto entre pares quanto entre financiadores.


Dominique Brossard, co-autora do estudo e professora de jornalismo da
Universidade de Wisconsin em Madison (EUA), conclui: ‘A pesquisa mostra que os
cientistas encaram interações com jornalistas como necessárias. Não precisamos
mais conquistar os cientistas. Passamos desse ponto’. O Brasil não tem Nobel nem
IgNobel, mas ainda chega lá.


MARCELO LEITE é autor de ‘Promessas do Genoma’ (Editora Unesp, 2007) e de
‘Brasil, Paisagens Naturais – Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes
Biomas Brasileiros’ (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia. E-mail:
cienciaemdia.folha@uol.com.br’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Computador da Globo faz voz de atriz ficar igual à de cantora


A Globo deverá usar na minissérie ‘Maysa’ um software que deixará a voz da
atriz Larissa Maciel parecida com a da cantora (1936-1977), musa da música de
fossa. A gaúcha Larissa interpretará a cantora no programa de nove capítulos que
a Globo começa a gravar em agosto e exibe em janeiro.


Segundo Jayme Monjardim, filho de Maysa e diretor da minissérie, Larissa
dublará todas as músicas. Ou seja, a voz da ‘Maysa que canta’ será a original. O
software evitaria que a voz da ‘Maysa que fala’ fosse muito diferente da
cantada.


Monjardim diz que ainda fará um teste para decidir se usará mesmo o programa
de computador. ‘Se não der certo, vou usar a voz da Larissa mesmo. O que não
pode é ter uma diferença muito grande entre a voz cantada e a voz falada’,
afirma.


Nos últimos meses, Larissa foi assistida por fonoaudiólogos e fez tratamento
nas cordas vocais. ‘Ela já ficou com a voz mais grave e rouca’, conta.


Perfeccionista, Monjardim pretende usar um tipo de voz para cada uma das
fases da minissérie, registrando, assim, as marcas do envelhecimento vocal da
personagem. Mas nega que queira fazer uma cópia fiel da mãe. ‘Quero trazer o
clima, o tom, a temperatura mais próxima de Maysa’, argumenta.


A minissérie não será linear. ‘Ela vai e volta no tempo’, explica o diretor.
Serão três fases, cada uma com um tom de cor e angulação diferentes.


O PIANISTA


Para realizar o sonho de interpretar Tom Jobim no teatro, o ator Marcelo
Serrado, 41, teve que bater de frente com a Record, da qual é contratado, e
rejeitar duas novelas. No final de agosto, ele estréia em São Paulo como
protagonista de ‘Tom & Vinicius – Chega de Saudade’. ‘O musical é uma
história de amizade com a bossa nova como pano de fundo’, diz. Serrado teve que
estudar música para atuar na superprodução, em que canta e toca piano. O ator se
acha parecido com Jobim. ‘Mas ele era muito mais bonito’, admite.


ALICE AGORA É MORENA


Longe da TV desde ‘Paraíso Tropical’, na qual interpretou a loiríssima Alice,
Guilhermina Guinle (foto) voltará à Globo assim, morena, no próximo episódio de
‘Casos e Acasos’, nesta quinta-feira. Ela interpretará Regina, uma mulher
separada com dois filhos pequenos. Regina quer encontrar um cara bacana para um
relacionamento sério, mas acha que os filhos afugentam bons pretendentes. Por
isso, tenta esconder esse detalhe do partido da vez, Hugo (Luigi Baricelli). O
que ela não imagina é que Hugo também é pai de quatro filhos e adora
criança.


VAI COMEÇAR O ‘BBB 9’


Quer participar de ‘Big Brother Brasil 9’? Então, corra. A Globo abre as
inscrições em seu site já no próximo dia 28. Neste ano, a emissora fará uma
caravana por dez capitais, de agosto a outubro, mobilizando 40 profissionais. Em
cada cidade, entrevistará de 1.500 a 3.000 pessoas pré-inscritas. O processo
poderá não selecionar todos os próximos brothers, mas dele sairá o ‘BBB
Entrevista’, a ser veiculado pelo canal Multishow e na internet.


NOVA HELENA


Manoel Carlos ainda não começou a escrever a sinopse de sua próxima novela na
Globo, prevista para 2009, mas já tomou uma decisão. Helena, sua eterna
protagonista, desta vez será mais jovem do que as anteriores.


NOVA ALICE


A HBO marcou para 21 de setembro a estréia em toda a América Latina de
‘Alice’, sua mais nova produção brasileira. A série, dirigida pelo cineasta
Karim Aïnouz e co-produzida pela Gullane Filmes, terá 13 episódios.


PERGUNTA INDISCRETA


FOLHA – O ator Caio Blat disse que o sr. perdeu uma bela oportunidade de
ficar calado quando escreveu crônica em que sugeria que os atores deveriam parar
de falar bobagens e ler um livro. O sr. está pensando em convidá-lo para fazer o
papel de um mudo em sua próxima novela?


MANOEL CARLOS (autor da Globo) – Esse assunto, para mim, já está
encerrado.’



Mônica Bergamo
Corra,
Glória, corra


‘De férias há sete meses, Glória Maria adota rotina intensa de exercícios,
quer lançar livros e CDs e diz não sentir falta do ‘Fantástico’, pois não
gostava mais de ‘fazer aquilo’


De férias da TV Globo há sete meses, Glória Maria está escrevendo dois
livros, planeja um terceiro e quer gravar um CD.


Dedica também seu tempo aos exercícios, às festas e a encontrar amigos pelo
mundo. No mês passado, participou da festa da demolição do hotel Royal Monceau,
em Londres, foi a um casamento no Marrocos e tomou sol em St. Tropez. Volta ao
balneário francês nesta semana, depois de passar pela Inglaterra para ‘dar um
beijo’ na sobrinha Julia, 12. Em agosto, a garota se encontra com ela na França
e as duas embarcam para Síria, Jordânia, Líbano e Marrocos.


Uma vez por semana, Glória, que já rodou o mundo, faz aulas de inglês para se
manter afiada na língua. Jogada no sofá da sala de seu apartamento, no Leblon,
ela pergunta à professora:


‘Como se diz ‘muito mais bonito que …’?’. Glória quer contar à ‘teacher’
detalhes sobre o ator americano Todd Rotondi, com quem teve um rápido affair em
junho. ‘É ‘better good-looking guy’, responde a professora.


Depois que deixou a televisão, Glória encheu seu dia de exercícios físicos.
Todas as manhãs, ela caminha na orla. Três vezes por semana, tem aula de ioga.
Nas outras duas, faz pilates. Todas as tardes -inclusive aos sábados -, recebe a
visita de um personal trainer. ‘Quando você tem 24 horas à disposição, acaba
achando que tem 72’, diz ela no café da manhã de uma sexta-feira, devorando
omelete de clara de ovos com tomate, salsinha e peito de peru – sem sal, porque
‘infiltra líquido nas células’.


Toma ‘mais de cem pílulas por dia’ e faz até sopa com ninho de passarinho
trazido da Tailândia para rejuvenescer.


Consome só 80 gramas de carboidratos por dia -liberados pelo professor de
ginástica. No almoço, ela comeu alface, inhame cozido, tiras de frango, brócolis
e espinafre.


No percurso até Ipanema, onde visitará a sobrinha, Glória tenta resumir os
últimos 30 anos de Rede Globo em um título de reportagem. Silêncio.


Cinco longos minutos depois, com lágrimas nos olhos ela declara: ‘O caminho
da glória’. E a nova fase? ‘Brincando de viver. Mesmo. Estou, tipo, na hora do
recreio. E pedindo a Deus para que a sineta que chama de volta à sala de aula
demore muito para soar. Levei um susto enorme quando vi que já se passaram mais
de seis meses [desde o início dos dois anos sabáticos que acertou com a
emissora]. Estou até pensando em pedir mais férias.’


Glória interrompe a conversa para telefonar para Julia. ‘A madrinha tá
chegando’. ‘Não tive filhos pra me dedicar à carreira. Sem reclamações.


Não mudaria uma vírgula na minha história. Imagina, minha perspectiva era ser
professora primária. E olha aonde cheguei.’


A sobrinha, para ela, acabou se transformando ‘na minha filha de verdade. O
sentimento que existe entre nós não tem igual’. Ela visita Julia todas as tardes
para dar a ela aulas de francês.


A garota abre a porta de pés descalços e com a língua azul por causa do
chiclete. ‘Ela quer herdar tudo o que é meu’, diz Glória, abraçando a
menina.


‘Não. Só quero os óculos, os sapatos Prada e os vestidos’, diz Julia. Glória
Maria ajudou a escolher o colégio em que a menina foi matriculada, é consultada
pela família na hora de aprovar viagens e chega a mandar vigiá-la no shopping
quando sai com as amigas. Tenta se meter também com o visual da afilhada. ‘Você
viu? Ela está com as unhas dos pés pintadas de vermelho. Quase enfartei!’


Julia afirma que não sente falta da madrinha no ‘Fantástico’. ‘Eu nem via. É
chato.’ Glória também não tem passado por perto do aparelho. ‘Imagina que eu vou
sentar no domingo para ver ‘Fantástico’! Espero que a Patrícia [Poeta] faça bem
[o programa] a vida toda. Ela é competente. Eu é que não gostava mais de fazer
aquilo. Minha vida estava triste. E uma coisa é deixar, outra é ser deixada.
Fizeram de tudo pra eu não sair. Por eles, voltava amanhã.’


A própria Glória admite que ‘é difícil acreditar’ nos fatos que ela narra.
‘Mas é verdade.


É que as pessoas falam o que querem. É como no caso do Ronaldo ou da Isabella
[Nardoni].’ E finaliza: ‘O problema de a audiência estar baixa, eles lá sabem o
que é. Não era eu. Tanto que está baixa até hoje’.


‘Não tenho idéia do que quero fazer quando voltar a trabalhar. Vou partir do
zero. Não quero recomeçar nada que já tenha feito. Eu não ando para trás. Vamos
ver o que a vida vai trazer pra mim.’


Até o fim do dia, Glória ainda tem um encontro com a cônsul da França, em
Ipanema, outro com representantes de uma editora que quer publicar seus livros e
uma conversa com uma estudante de jornalismo de Florianópolis que a escolheu
como tema central de sua monografia.


A apresentadora conta que começava a trabalhar como telefonista na Embratel
quando conseguiu um estágio na TV Globo. Ainda estava no ginásio.


Já jornalista consagrada, sofreu com o racismo. ‘O presidente [João]
Figueiredo só me chamava de ‘aquela neguinha’.’ E ‘como é que a Glória Maria
Matta da Silva virou a Glória Maria?’, pergunta a estudante. ‘Eu tive que me
inventar.’


Reportagem JULIANA BIANCHI’


Bia
Abramo
Heroísmo é aposta de ‘Chamas da Vida’


‘AO CONTRÁRIO da Globo, a Record não tem lá muita pretensão de ‘interpretar’
o Brasil em suas novelas, o que deve ser uma das razões pelas quais suas
produções dramatúrgicas vêm ganhando fatias de público e granjeando simpatia
entre os noveleiros.


Por isso que, mesmo em patamar de produção ligeiramente inferior, as novelas
da Record têm algo de frescor inequívoco. ‘Chamas da Vida’, que estreou semana
passada, é uma novela convencionalíssima, mas, ao mesmo tempo, exibe essa
despretensão de forma triunfante.


Suburbanos de Nova Iguaçu e novos ricos que moram na Urca compõem o fundo
social da novela. O bombeiro-herói Pedro conhece a videomaker Carolina e, zás,
eles se apaixonam quando o herói salva a mocinha de um incêndio criminoso em uma
fábrica -de sorvetes, numa ironia talvez involuntária. A fábrica que pega fogo é
objeto de disputa entre duas famílias de emergentes, uma boa e bem-humorada, a
outra pretensiosa e de más intenções.


Há muitos jovens, entre delinqüentes que disputam rachas e bonzinhos que
procuram seu caminho profissional e amoroso com correção. Aliás, de alguma
maneira, a insistência em núcleos jovens numerosos e bastante variados parece
marcar outra diferença entre Globo e Record. Enquanto a primeira tem de dar
lugar a um cast de estrelas em sua maioria acima dos 40, a segunda tornou-se
abrigo de vários jovens atores e atrizes.


É simples e, por isso mesmo, pode vir a ser eficaz. A Record já se provou
competente para levar tramas mais recheadas de ação e com sabor de aventura, e
parece ser essa a aposta de ‘Chamas da Vida’.


Além do heroísmo dos bombeiros -categoria quase que acima de qualquer
suspeita, menos marcada pela truculência, como os policiais, mas suficientemente
disciplinada para evocar a coragem física, como os militares-, há, claro, o
amor, físico e romântico, o que é bem favorecido pela juventude do elenco.


Agora, há um dado que não parece ser exatamente proposital, mas nem por isso
deixa de ser relevante. O Rio da Record é sempre menos bonito e glamouroso -do
que o da Globo, bem entendido-, mas interessantemente mais agudo, áspero. Não se
trata de mais ou menos realismo, mas, talvez, de uma vivência outra, menos
conciliatória e mitificadora; mais moderna, em suma.


Em ‘Chamas da Vida’ aparece essa maneira de ver a cidade, ao lado de uma
certa brejeirice suburbana que pode levar facilmente à cafonice. Se conseguir
escapar, talvez aí se comece a delinear um diferencial de peso.’


ELEIÇÕES NOS EUA
Sérgio Dávila


Barack desafinando


‘Em entrevista exclusiva à Folha, a jornalista americana Judith Miller diz
que o candidato democrata começa a se complicar em suas declarações e avalia que
a eleição está em aberto; para ela, jornalistas devem ter direito a manter suas
fontes no anonimato.


Barack Obama realiza a primeira campanha presidencial temática desde a do
democrata Jimmy Carter, em 1976. Toda vez que foge do tema vago -’mudança’- e é
mais específico, mete-se em confusão. Foi o caso quando resolveu ‘afinar’ sua
posição em relação à Guerra do Iraque, ao dizer que ouviria os comandantes
militares antes de tomar decisões.


Quem afirma é a jornalista Judith Miller, autora de ‘Germes – Armas
Biológicas e a Guerra Secreta da América’ (com William Broad e Stephen
Engelberg, 2001, lançado no Brasil pela Ediouro), ‘One, by One, by One – Facing
the Holocaust’ (Um, por Um, por Um -Encarando o Holocausto, Simon &
Schuster, 1990), ‘Saddam Hussein & the Crisis in the Gulf’ (Saddam Hussein e
a Crise no Golfo, com Laurie Mylroie, Random House, 1990) e ‘God Has Ninety Nine
Names – Reporting from a Militant Middle East’ (Deus Tem 99 Nomes – Relatando de
um Oriente Médio Militante, Simon & Schuster, 1997).


Para o bem e para o mal, a jornalista norte-americana de 60 anos, que fez
fama nas quase três décadas em que trabalhou no ‘New York Times’, esteve
diretamente envolvida nas principais questões políticas de seu país na última
década, mais de uma vez como personagem. No caso mais polêmico, ajudou a vender
a tese do presidente George W. Bush da necessidade da invasão do Iraque, em 2002
e 2003, ao fazer uma série de reportagens sobre as supostas armas de destruição
em massa de Saddam Hussein.


No mais recente, em 2005, passou quase três meses na prisão por se recusar a
nomear uma fonte que revelou a identidade de uma agente da CIA, um crime federal
nos EUA.


Ao sair, passou a militar por uma lei que proteja a confidencialidade das
fontes jornalísticas. Leia abaixo os principais trechos de sua conversa por
telefone com a Folha, de sua casa de veraneio nos Hamptons, no litoral de Nova
York.


FOLHA – O que a sra. acha que acontecerá em novembro [quando ocorrerão as
eleições presidenciais nos EUA]?


JUDITH MILLER – Na verdade, não gosto de corridas de cavalos (risos). Mas o
dinheiro está claramente em Barack Obama.


Não só porque ele é um verdadeiro fenômeno em visibilidade, em comunicação.
Ele tem uma mensagem de esperança muito vaga, mas que inspira muitos pessoas e
passa muita credibilidade. O público está exausto dos republicanos.


A campanha de John McCain (republicano) é uma confusão.


Ele é um indivíduo admirável, mas não muito bom de campanha. Além disso, há
oito anos vem fazendo isso, disputando como independente. E existe o fato de ele
ser o candidato da situação, com a economia desse jeito. Como é possível um
candidato democrata não vencer?


Por outro lado, se aprendi algo sobre campanhas, é que tudo pode acontecer.
Uma nova polêmica pode aparecer, preocupações sobre Obama que não sabemos ainda
ou só sabemos na superfície… Isso pode mudar completamente o cenário.


Eleições num país democrático são o fenômeno mais imprevisível do mundo.


FOLHA – A sra. falou que as propostas de Obama são vagas. Isso não levará
necessariamente à frustração de fatia dos eleitores, caso eleito?


MILLER – É uma campanha temática, como foi a de Jimmy Carter [1977-81]. Na
época, o tema era ‘levar a honestidade de volta à Casa Branca’.


Agora, é ‘mudança’. Toda vez que Obama é mais específico, ele se mete em
problemas com uma ou outra facção do Partido Democrata. As declarações recentes
dele em relação à Guerra do Iraque, por exemplo.


É óbvio que ele está vendo uma virada da situação no Iraque. Não vitória,
pois não sei o que será definido como vitória lá, mas a violência está caindo, a
escalada está funcionando. O que Obama sugeriu é que ouviria os comandantes
militares para então tomar sua decisão sobre quando retirar as tropas -o que faz
sentido, já que ele não visita o país há dois anos.


Quando sugere isso, começa a ser comparado a George W. Bush, o que incendeia
o debate, e ele tem de recuar. Ou seja, cada vez que é mais específico em suas
ações, ele arrisca alienar parte de seu eleitorado.


Assim, acho que o que veremos é McCain forçá-lo cada vez mais a ser
específico, assim que o republicano colocar sua casa em ordem, claro. Isso
resultará numa maior definição de sua candidatura ou em ajudar o candidato
republicano.


FOLHA – A sra. já decidiu em quem votará?


MILLER – Barack Obama escreveu um livro muito bom, que é sua primeira
biografia, ‘Origem dos Meus Sonhos’ [ed. Gente]. Não a segunda, ‘Audácia da
Esperança’ [ed. Larousse], já política demais.


É verdadeiro, não sei se outro político teria coragem de escrevê-lo. Mas não
decidi, ainda. A essa altura posso dizer que estou assistindo e esperando.


FOLHA – Alguns analistas vêem, em caso de eleição de Obama, o início de uma
nova era política nos EUA, como foi a eleição de John Kennedy, em 1960, ou de
Ronald Reagan, em 1980…


MILLER – Se for eleito, é bem provável que tenha maioria folgada nas duas
casas do Congresso. Isso lhe dará muito poder. Por outro lado, pelos
pronunciamentos recentes e por suas votações mais recentes, ele não parece ser
do tipo revolucionário…


FOLHA – Hillary Clinton reclamou de que sofreu sexismo durante a campanha, e
Bill Clinton reclamou da parcialidade da imprensa. A sra. concorda com o
casal?


MILLER – Totalmente, e acho uma desgraça. Ela era uma das candidatas mais
fortes e com mais chances de vencer as eleições. Ela limparia a Casa Branca. De
início, eu não a apoiava, mas mudei de opinião ao ver que ela queria poder
político e sair das asas de Bill Clinton.


E já tinha conseguido isso, pois não apenas se tornou senadora por Nova York
como é uma das mais populares em um Estado com eleitores tradicionalmente
difíceis.


Mas Hillary foi vítima de preconceito sexual. O que foi dito sobre ela nunca
seria dito sobre um candidato homem e certamente não sobre um candidato negro. E
como a imprensa manipulou o ‘fator Bill’?


Ela não podia vencer, porque ele faria sombra, era um dos argumentos. Ou
então, caso ele sumisse, ‘onde está Bill, porque ele foi colocado de lado?’.


Era impossível. Mas uma verdade deve ser dita: ela estava lutando contra um
dos mais carismáticos oradores que esse país já viu desde John Kennedy. E ela
não é uma grande oradora.


Por fim, comandava uma equipe completamente desajustada…


FOLHA – Desde que saiu da prisão, em 2005, a sra. milita por uma lei federal
que dê ao repórter o direito de proteger a identidade de suas fontes. Como vai
essa batalha?


MILLER – O número de intimações judiciais expedidas a jornalistas para que
revelem suas fontes tem crescido exponencialmente nos EUA. Os promotores
perceberam que é muito mais fácil intimidar os repórteres do que fazerem eles
próprias suas investigações.


Isso tem de parar. A discussão sobre se o jornalista tem ou não direito ao
mesmo privilégio de outros profissionais é velha, eu sei.


Mas, se esse país afirma que advogados não devem testemunhar contra seus
clientes, médicos não devem testemunhar contra seus pacientes e que, agora,
trabalhadores sociais não são obrigados a testemunhar contra seus clientes, sem
contar maridos contra mulheres e vice-versa, isso certamente nos dá o direito
[de fazê-lo].


Há uma legislação em andamento no Congresso, mas ela protege mais a fonte do
que o jornalista. Ainda assim, tenho trabalhado em tempo integral para que essa
lei seja aprovada.


A Câmara dos Representantes [deputados federais] aprovou a lei por uma margem
à prova de veto presidencial, e o Senado passou sua versão pela Comissão de
Justiça. Agora esperamos que o Senado a vote.


FOLHA – A série de reportagens que a sra. fez sobre o suposto programa de
armas de destruição em massa de Saddam Hussein ajudou o governo Bush a vender ao
público a necessidade da invasão ao Iraque. O ‘New York Times’ publicou
posteriormente longa matéria em que se desculpava publicamente pela qualidade
dessas reportagens…


MILLER – Qual é a pergunta?


FOLHA – A imprensa norte-americana se portou muito mal ao ser acrítica no
período pré e imediatamente pós-guerra, não é?


MILLER – Discordo fortemente da tese de que os repórteres aceitaram
acriticamente as informações que o governo lhes fornecia. Isso não
aconteceu.


Há hoje três investigações independentes que dizem que a inteligência de que
o governo dispunha na época era falha.


O que nós podíamos fazer então? Pegar as informações dadas pelo governo e
dizer: ‘Discordo totalmente’? Havia uma discussão legítima sobre se Saddam tinha
ou não armas de destruição em massa ou se estava atrás de tê-las. Havia uma
discussão legítima sobre se o Iraque estava ou não ligado ao ataque do 11 de
Setembro.


Culpar o mensageiro nesse caso é buscar um bode expiatório. O país, como um
todo, estava aterrorizado. Isso elevou a números recordes os índices de
aprovação do presidente e os de apoio à guerra mesmo antes da invasão. Foi isso
que levou o Congresso a votar em imensa maioria a autorização do presidente para
a guerra.


FOLHA – Mas, ao divulgar inteligência falha, os jornais contribuíram para o
estado geral.


MILLER – Mas havia muito poucas pessoas contestando essa inteligência. Dizer
que fomos ingênuos é descaracterizar o que aconteceu. Ainda há muito
ressentimento em relação à guerra e a esse governo para termos uma discussão
isenta.


Mas não vale reescrever a história e dizer que deveríamos ter sido mais
céticos. Fui tão cética quanto os fatos e minhas fontes permitiam. Já disse e
repito: nós, jornalistas, somos tão bons quanto nossas fontes.’


***


De vilã a mártir, jornalista americana fala em São Paulo depois de
amanhã


‘Judith Miller teve atuação polêmica no jornalismo em pelo menos dois
episódios. Em 2005, ficou 85 dias presa após recusar-se a revelar o nome de uma
fonte -Lewis Libby, então chefe-de-gabinete do vice-presidente dos EUA, Dick
Cheney. Mais tarde, Libby seria condenado por revelar a identidade de uma agente
secreta americana.


Miller já havia chamado a atenção por matérias no ‘New York Times’ em que
afirmava que o Iraque possuía armas de destruição em massa -em sintonia com a
versão de políticos republicanos que justificou a Guerra do Iraque e depois
seria desmentida.


Repórter do ‘Times’ de 1977 a 2005, ela hoje é associada ao Instituto
Manhattan e colabora para o ‘City Journal’, periódico da instituição. Na terça,
ela fala sobre liberdade de imprensa no 4º Congresso Brasileiro de Publicidade,
em SP. Mais informações no site
www.congressodepublicidade.com.br’


TRADUÇÃO
Peter Burke


Palavras ao vento


‘Os problemas e perigos da tradução já foram discutidos muitas vezes, e não
foi preciso esperar pelo encantador filme de Sofia Coppola de 2003 para nos
darmos conta do que é ‘perdido na tradução’ [Lost in Translation, lançado no
Brasil como ‘Encontros e Desencontros’].


O filósofo espanhol José Ortega y Gasset [1883-1955] certa vez descreveu o
projeto da tradução como sendo ‘utópico’, e, na Alemanha, Johann Gottfried
Herder já tratava do assunto no final do século 18.


Herder imaginou alguém tentando traduzir a obra do poeta francês setecentista
Prosper de Crébillon para a língua dos lapões, e esse experimento mental o levou
a indagar se algumas idéias ou mesmo textos não seriam ‘unübersetzbar’
-’intraduzíveis’.


Neste artigo -traduzido de minha versão inglesa original- eu gostaria de
examinar esses problemas a partir de um ângulo particular: o das palavras
intraduzíveis.


Muitas pessoas gostam de dizer que certas palavras de suas línguas maternas
são intraduzíveis. Os franceses às vezes afirmam que ‘esprit’ [espírito],
‘galanterie’ [galanteria] e até mesmo ‘politesse’ [polidez] não têm equivalente
reais em outros idiomas.


Os ingleses não sabem ao certo se estrangeiros compreendem o que eles querem
dizer quando falam num ‘sportsman’ [esportista, pessoa com espírito esportivo]
ou ‘gentleman’ [gentil-homem, cavalheiro]. No caso do alemão, vêm à mente termos
como ‘geist’, suspenso no espaço lingüístico em algum lugar entre ‘espírito’,
‘mente’ e ‘cultura’.


Em português, palavras como ‘saudade’, ‘jeitinho’, ‘malandro’, ‘sacanagem’ e
‘safadeza’ criam problemas especiais para aqueles que gostariam de traduzi-las.


Saudade


Afirmações desse tipo não devem ser aceitas incondicionalmente. Em russo e em
turco, assim como no português, um dos termos dos quais mais comumente se alega
que é intraduzível -’saudade’, ‘toska’ ou ‘hüzun’ (uma das palavras favoritas do
escritor turco Orhan Pamuk)- significa algo como ‘nostalgia’, ‘anseio’ ou
‘melancolia’.


Talvez seja mais exato dizer que determinadas palavras são especialmente
difíceis traduzir para outras línguas.


Mestiço


A palavra ‘mestiço’, por exemplo, não é fácil de traduzir ao inglês, pois
aparentes equivalentes como ‘half-breed’ ou ‘half-caste’ soam pejorativos
-resíduos lingüísticos de preconceitos antigos. Mesmo assim, essas afirmações
sobre intraduzibilidade têm, sim, algo de importante a nos revelar sobre os
valores das diferentes culturas em que são feitas.


Foi por essa razão que a escritora russa expatriada Svetlana Boym pediu
recentemente um ‘Dicionário de Intraduzíveis’, enquanto o narrador de ‘Shame’
[Vergonha, 1983], romance do anglo-indiano Salman Rushdie, que passou sua vida
na fronteira entre culturas e línguas, observa que, ‘para decifrar uma
sociedade, observe suas palavras intraduzíveis’.


Entre essas palavras, aprende o leitor, está ‘sharam’, um termo em urdu que,
segundo nos é dito, não é adequadamente traduzido por ‘vergonha’.


Para serem compreendidas por estrangeiros, palavras desse tipo requerem uma
tradução não apenas lingüística, mas também aquilo que hoje é conhecido como
‘tradução cultural’.


O sociólogo húngaro Karl Mannheim [1893-1947], que, como Rushdie, viveu na
fronteira entre culturas e línguas -depois de refugiar-se na Grã-Bretanha na
década de 1930 e tornar-se professor na London School of Economics-, queixou-se
certa vez da ‘urgente necessidade e grande dificuldade de traduzir uma cultura
em termos de outra’.


Domesticação


Essa metáfora foi adotada por antropólogos e outros acadêmicos interessados
no estudo dos encontros culturais. Hoje, ‘tradução’ exprime o que os escritores
oitocentistas queriam dizer quando escreviam sobre ‘ocidentalizar’ ou
‘anglicizar’ ou Gilberto Freyre, quando falava em ‘abrasileirar’ ou
‘tropicalizar’.


Poderíamos falar igualmente bem em ‘domesticar’, mas a metáfora da tradução
possui a vantagem de nos lembrar da importância da língua nos encontros e nos
intercâmbios culturais. Tome-se o caso, bastante comum nos últimos dois séculos
da história mundial, de uma cultura em que alguns indivíduos que exercem
liderança desejam seguir modelos estrangeiros.


Foi o caso, por exemplo, no Japão após 1868, quando a restauração do poder do
imperador, que durante muito tempo fora mera figura representativa, estava
vinculada ao desejo da elite política de modernizar o país, adotando modelos
estrangeiros.


Uma parte da elite esperava por uma monarquia constitucional ao estilo
britânico, enquanto outras desejavam um sistema mais autoritário.


Foi nessa época, em 1871, que o ensaio do filósofo inglês John Stuart Mill
‘Sobre a Liberdade’ (1859) foi traduzido ao japonês.


A tradução foi feita por Nakamura Keiu, um estudioso confuciano empregado
pelo governo que se convertera ao cristianismo e era um intelectual japonês
destacado da época.


Nakamura visitara a Inglaterra em 1866 e ficara impressionado pelo fato de
que, em suas palavras, uma nação pequena governada por uma mulher tinha sido
capaz de derrotar o antes poderoso império chinês. Ele endereçou um memorial ao
imperador, ‘Sobre a Imitação dos Ocidentais’, e traduziu ‘Self-Help’
(Auto-Ajuda), um manual para o sucesso escrito por outro inglês vitoriano,
Samuel Smiles.


As conseqüências que se seguiram à publicação da tradução de Nakamura
ilustram com clareza especial o problema do que Roberto Schwarz, famosamente, já
descreveu como ‘idéias fora do lugar’. Um dos problemas mais sérios para o
tradutor do ensaio de Mills era a ausência, no japonês, de um termo equivalente
ao inglês ‘liberty’ (liberdade).


Algumas pessoas usavam a palavra inglesa, pronunciando-a ‘riberuchi’, ou
optavam por ‘freedom’, que pronunciavam ‘furidomi’.


Mas o tradutor optou pelo termo japonês tradicional ‘jiyu’. A decisão de
Nakamura teve a vantagem de fazer o conceito inglês parecer menos exótico, mais
fácil de assimilar. Seu livro popularizou-se rapidamente, vendendo milhares de
cópias.


Formação de elite


O preço da decisão tomada por Nakamura Keiu foi que os leitores de sua
tradução provavelmente entenderam ‘jiyu’ em termos de suas associações
tradicionais negativas, por exemplo com voluntariosidade e também com
egoísmo.


O resultado lingüístico do debate em torno da tradução da palavra ‘liberty’
pode ter afetado o resultado político do debate sobre a nova Constituição
japonesa, algo que encorajou a elite em sua opção coletiva por uma forma de
monarquia menos autoritária.


Uma moral dessa história é que os tradutores carregam uma responsabilidade
pesada, pois suas escolhas em termos de palavras podem ter conseqüências
sérias.


Mesmo assim, o ônus não cabe unicamente a eles. O estudo dos intercâmbios
culturais e da tradução cultural sugere que, quanto maior a distância entre duas
culturas e, especialmente, entre seus valores fundamentais, mais difícil se
torna a tarefa do tradutor.


Além de certo ponto, traduzir se converte em ‘Missão Impossível’.


PETER BURKE é historiador inglês, autor de ‘O Que É História Cultural?’ (ed.
Zahar). Escreve na seção ‘Autores’, do Mais!.


Tradução de Clara Allain.’


APAGÃO NA
REDE
Ernane Guimarães Neto


Web 0.0


‘Uma pane no sistema da empresa responsável por 68% das conexões paulistas à
internet -provocando, no último dia 3, prejuízos, longas esperas em órgãos
públicos e lamento entre usuários de todo o Estado- pode ser um lembrete de que
o indivíduo está demasiadamente dependente da rede.


A Folha ouviu o psicólogo Jean-Charles Nayebi, ex-pesquisador da Universidade
de Paris 13, para comentar o caso a partir de sua especialidade: a
‘ciberdependência’ ou vício em internet.


Segundo Nayebi, autor de ‘La Cyberdépendance en 60 Questions’ (A
Ciberdependência em 60 Questões, ed. Retz), pelo menos 8% dos mais de 1 bilhão
de internautas sofrem do transtorno.


Quanto à sociedade, ele diz que não a considera doente, mas compara a
dependência sistêmica da internet -que faz com que serviços básicos deixem de
funcionar sem ela- à incapacidade, devido ao advento da calculadora, de fazer
uma simples conta de adição.


Leia abaixo trechos da entrevista, concedida por e-mail.


FOLHA – Podemos falar em ‘sociedades dependentes’?


JEAN-CHARLES NAYEBI – Sou contra a generalização do termo ‘dependência’, que
tem um sentido psicopatológico para um cientista como eu. Prefiro ‘sociedades do
excesso’, pois o consumo abusivo ou excessivo é certamente problemático, mas
diferente da dependência. O futuro do homem na sociedade industrial parece, no
entanto, ser um futuro dependente da tecnologia em particular.


FOLHA – Um Estado que quase pára quando 68% das conexões à internet param de
funcionar é um Estado com problemas mentais?


NAYEBI – É uma questão de ponto de vista. Se considerarmos que a alienação é
um problema mental, deveremos responder afirmativamente.


Mas, se considerarmos que a escolha por ‘tudo informatizado’ é simplesmente a
única via de atingir a modernidade, a resposta será mais branda.


Tome-se como exemplo a calculadora. A geração jovem atual nos países que
generalizaram o uso da calculadora na escola é certamente muito menos forte em
cálculo mental do que a geração precedente.


Hoje, os contadores deixam de trabalhar se há uma pane informática, a
administração fica paralisada se há uma perda de conexão, mesmo que seja para
entregar um certificado banal!


A perda de uma capacidade corresponde mais a uma ‘deficiência’ que a um
‘problema mental’.


FOLHA – Para evitar que a internet ‘coma seus filhos’, como o sr. diz, é o
caso de restringir a liberdade de uso? Como resolver esse paradoxo?


NAYEBI – Não se pode fazer um uso qualquer da liberdade. Ter uma boa
‘higiene’ no consumo da internet não está absolutamente em contradição com sua
liberdade de uso.


FOLHA – Quantos ciberdependentes existem hoje no mundo?


NAYEBI – Em 2006, estimávamos o número de internautas em 1,1 bilhão. As
previsões para 2011 são de 1,5 bilhão de internautas. Os estudos ocidentais mais
concordantes estimam a quantidade de ciberdependentes em 8% dos internautas.
Essas estimativas são amplamente revisadas pela alta na Ásia, onde as
autoridades evocam cifras que podem atingir até 20%.


FOLHA – A internet criou mais doenças do que outras inovações
revolucionárias, como o rádio e a televisão? Por quê?


NAYEBI – Os casos de dependência da televisão ou do rádio são excessivamente
raros. Os ‘teléfagos’ são apenas consumidores excessivos, e não dependentes no
sentido psicopatológico do termo.


Ouvir rádio ou assistir à TV são atos passivos em que o papel do utilizador
se resume a escolher um canal.


As atividades no computador e na rede são muito mais numerosas e demandam uma
vigilância e uma interatividade maior da parte do usuário. O que eleva
consideravelmente o potencial vicioso da internet é a interatividade.


FOLHA – O sr. classifica a ciberdependência em quatro tipos -ciberdependência
de jogos, relacional, sexual e ciberacumulação, o vício por colecionar dados- e
acrescenta que os primeiros três são objetos de consulta. Mas não seria o último
o mais freqüente?


NAYEBI – A ciberacumulação transparece nas consultas de todos os
pacientes.


Os compradores patológicos, os tecnófilos apaixonados (‘geeks’), os cinéfilos
renitentes, os musicófilos loucos pela tecnologia (o ‘peer-to-peer’) passam seu
tempo acumulando objetos comprados na net, informações técnicas e tecnológicas
sobre o último aparelho da moda, centenas de filmes e músicas pirateadas em
transmissões ilegais.


A indústria da estocagem de dados tem bons dias pela frente. O mais
estarrecedor é que o ciberacumulador não encontra tempo nem para ver metade do
que baixou!


FOLHA – Em suas manifestações mais amenas e no contexto da ‘sociedade da
informação’, a ciberacumulação é um novo etos cultural?


NAYEBI – A mutação que nossa sociedade está em via de viver, graças às novas
tecnologias da comunicação, é imensamente mais profunda do que parecemos
mensurar no momento. A ‘sociedade da informação’, em termos psicossociais, é a
árvore que esconde a floresta da ‘sociedade de consumo’.


A angústia do homem moderno está em encontrar os meios de consumir e
possuir.


Pouco importa se o filme que se baixa é a versão italiana de um filme japonês
que o francês nada compreenderá. Baixamos arquivos porque estão disponíveis e
gratuitos, além de ser agradável o fato de constituir uma desobediência à lei
que proíbe o download ilegal.


FOLHA – Os celulares têm mensagens e acesso a internet e são utilizados por
cada vez mais crianças. Já representam uma ameaça de ciberdependência
relacional?


NAYEBI – Eles aumentam o acesso ao objeto de dependência. Hoje tratamos, na
Espanha, duas crianças com dependência grave de telefone celular.


Outros problemas como ansiedade e falta de concentração são encontrados mais
comumente em pessoas que fazem uso excessivo do celular.


FOLHA – Uma das questões de ‘Ciberdependência em 60 Questões’ é sobre os
tamagotchis (bichos de estimação virtuais). Preocupa que mais pessoas tenham
sociabilidade com robôs, ao invés de humanos?


NAYEBI – Acho o caso dos tamagotchis bastante preocupante.


O ser humano é capaz de ter afeição por uma máquina que não corresponde. O
investimento afetivo torna-se, portanto, pura perda. No caso de crianças
pequenas, pudemos notar verdadeira escravidão afetiva, com baixa de rendimento
escolar e ansiedade.


Aconselho sempre aos pais recusarem quando a criança pedir um tamagotchi e
proporem um animal de verdade no lugar, pois um cão ou um gato correspondem ao
afeto da criança e evitam que a criança seja uma ‘devedora
afetiva’.’


FOTOGRAFIA
Kathy Marks


Abuso ou mistificação?


‘A imagem em si é simples. Mostra uma menina de seis anos em pose recatada,
sentada sobre uma pedra diante de um fundo de penhascos brancos.


O impacto deriva do fato de que a menina está nua e de a foto ter sido usada
como capa de uma das mais importantes revistas australianas de arte.


Segundo o editor da ‘Art Monthly’, a capa deste mês é um esforço de
‘restaurar a dignidade’ do discurso quanto aos retratos artísticos de
crianças.


Para seus críticos, entre os quais o primeiro-ministro australiano Kevin Rudd
[trabalhista], é ‘repulsiva’.


O que a revista conseguiu foi colocar para ferver a controvérsia mais ou
menos controlada que sempre existiu sobre a diferença entre arte e pornografia,
em um país com uma longa tradição de censura.


O debate estava perto de explodir desde que a polícia realizou uma busca em
uma galeria de arte em Sydney, em maio, e apreendeu fotos de garotas
adolescentes nuas, trabalho do renomado artista Bill Henson.


A polícia desistiu discretamente do inquérito sobre o caso duas semanas mais
tarde, por não ter encontrado nada que justifique acusações contra Henson ou a
galeria -que reabriu a exposição [sem as fotos controversas]. A capa da ‘Art
Monthly’, trazendo mais duas fotos da menina nas páginas internas, tinha a clara
intenção de provocar. E conseguiu, gerando apelos pelo cancelamento das verbas
públicas que a revista recebe e por novos protocolos para a representação
artística de crianças.


Embora os defensores da liberdade artística tenham expressado apoio ao
direito da ‘Art Monthly’ de publicar o que quiser, organizações de defesa das
crianças se sentiram agredidas.


Mas a controvérsia se complicou devido à intervenção de dois participantes
inesperados.


A primeira foi Olympia Nelson, a menina da foto, feita cinco anos atrás por
sua mãe, Polixeni Papapetrou. A segunda foi Henson -ou, pelo menos, uma ‘fonte
próxima a ele’.


Tiroteio


Olympia, que hoje tem 11 anos, disse: ‘Fiquei muito ofendida com o que Kevin
Rudd disse sobre a foto. É uma das minhas favoritas entre as fotos que minha mãe
tirou de mim’.


Mas a pessoa próxima a Henson afirmou que o artista acreditava que a escolha
da imagem da capa demonstrava ‘um lapso de julgamento que só serve para promover
um aprofundamento das divisões em nossa comunidade’.


O comentário talvez revele mais sobre o medo de Henson de ser acusado de
pornografia infantil do que sobre suas opiniões sinceras.


Mesmo assim, serve para animar a campanha de Hetty Johnson, uma ativista da
proteção às crianças, para a qual ‘quando [arte e pornografia] colidem, temos de
errar em benefício das crianças. Precisamos traçar uma linha na areia -porque
fica evidente que algumas das pessoas no mundo das artes não desejam fazê-lo- e
dizer que daquele limite ninguém deve passar’.


Mas exatamente onde esse limite deve ser estabelecido continua tão obscuro
quanto sempre foi.


Os liberais argumentam que tudo depende de conteúdo e intenção -se a intenção
do artista não era excitar, a obra não é pornográfica. E existe uma diferença
entre postar imagens de crianças nuas na web e exibi-las em uma galeria.


Mas, para Johnson, todas as imagens de crianças nuas são sexuais e deveriam
ser proibidas. Para esses ativistas, o que Olympia tem a dizer sobre o caso é
irrelevante. Ela não poderia ter consentido em posar para a foto aos seis anos
e, aos 11, continua a não ser madura o suficiente para se pronunciar sobre os
prós e contras do caso.


Uma vez mais, é provável que o assunto vá parar nas mãos da polícia, graças a
Brendan Nelson, líder da oposição no Parlamento, que solicitou que as
autoridades investiguem o caso.


Tradição australiana


O debate é velhíssimo, sem dúvida, e não está confinado à Austrália. O país
tem uma longa história de censura, e aqueles que ainda se recordam dos livros
que eram proibidos nos anos 1940, 50 e 60 devem ser perdoados caso sintam a
desagradável sensação de que já viram esse filme.


Entre os trabalhos proibidos estavam ‘Ulisses’, de James Joyce, ‘Numa Terra
Estranha’, de James Baldwin, ‘Admirável Mundo Novo’, de Aldous Huxley, ‘Os Nus e
os Mortos’, de Norman Mailer, e, naturalmente, ‘O Amante de Lady Chatterley’, de
D.H. Lawrence.


As artes plásticas também sofreram repressão. Em 1982, a polícia invadiu a
galeria de Roslyn Oxley, em Sydney, onde a exposição de Henson seria realizada,
e removeu trabalhos do artista Juan Davila, australiano nascido no Chile. As
imagens sexuais explícitas de seu trabalho foram declaradas ofensivas à moral
pública.


O Australia Council, organização pública que subvenciona a revista, a
defendeu, afirmando que ‘por muitos anos nossa sociedade se provou capaz de
distinguir entre criatividade artística e a exploração sexual de crianças, o que
é completamente inaceitável’.


A íntegra deste texto saiu no ‘Independent’. Tradução de Paulo
Migliacci.’


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selecionados para a seção Entre Aspas.


Folha
de S. Paulo
– 1


Folha
de S. Paulo
– 2


O
Estado de S. Paulo
– 1


O
Estado de S. Paulo
– 2


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