Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Frank Ahrens

‘A Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC) considerou indecente a breve aparição do seio da cantora Janet Jackson durante a transmissão do show do Super Bowl, em fevereiro. Esta semana, a comissão propôs multar em US$ 550 mil as 20 estações da CBS pelo incidente.

Se aprovada, será a maior multa por indecência já aplicada a uma rede de TV.

O show também apresentou um rapper que levava a mão à virilha e dançarinos com roupas de sadomasoquismo, atrás de Janet e do cantor Justin Timberlake.

Perto do fim do show, Timberlake rasgou parte do corpete de couro de Janet, expondo seu seio por alguns segundos. ‘Foi um defeito do figurino’, disse ele mais tarde.

O presidente da FCC, Michael Powell, abriu investigação por indecência na segunda-feira após o Super Bowl, que foi visto por 90 milhões de pessoas. A investigação, feita em menos tempo do que o usual por seu grupo de aplicação de leis, concluiu que o show violou os padrões de decência da FCC, segundo os quais material sexual ou escatológico não deve ir ao ar das 6 às 22 horas. A CBS informou anteontem que não havia recebido notificação oficial e, portanto, não comentaria o assunto.’



CELEBRIDADE
Ignácio de Loyola Brandão

‘Cláudia Abreu, luz que nos acompanhará’, copyright O Estado de S. Paulo, 2/07/04

‘Comentou-se que Gilberto Braga involuiu porque em lugar de premiar os vilões, como fez em novelas anteriores, castigou-os segundo a moral tradicional. Os maus punidos e os bons recompensados. Ele durante anos seguiu o clássico de Akira Kurosawa em Homem Mau Dorme Bem. Agora, mudou e parece-me que a maioria não entendeu. Sempre se costuma dizer, quando se percebe que a trama está ‘exagerada’, que a vida real é uma coisa e novela é outra. Braga deu o nó nas cabeças ao confirmar que a tese é verdadeira. Ele quis dizer simplesmente que Celebridade é apenas novela, nada mais do que novela. Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência. Porque, aqui é que vem o sarcasmo, na vida real tudo acontece diferente…

Sabemos que na vida real os Lalaus têm os crimes prescritos, dos donos da Encol não se sabe o que foi feito, o Maluf garante que não tem conta na Suíça, não escreveu a carta, falsificaram a sua assinatura, Luís Estevão continua por aí lampeiro, o Sérgio Naya ainda não pagou um tostão às vitimas de seus descalabros, açudes romperam no Nordeste, mataram pessoas e os responsáveis ninguém sabe quem são, o bando do Rio que lesava o fisco comandado pelo Silveirinha está em liberdade. A crônica poderia listar um catálogo telefônico mais do que conhecido e seria apenas repetitiva. Seria vida real, não dramaturgia. Na vida real, por exemplo, o presidente não sabe pontos de geografia do curso primário.

Portanto, novela continua sendo novela. Mundo que existe dentro dos estúdios, com vidas falsas, cenários de plástico, soluções inexistentes, personagens mirabolantes, fábulas. Ou serão metáforas? Quem disse que a televisão precisa espelhar a vida real? Ela está ali para nos fazer esquecer e assim, construindo um mundo de mentira em cima de uma situação verdadeira, nos faz crer que na vida teremos também um final feliz, os maus serão punidos, os demônios exorcizados. No entanto, será que os limites novela-vida real não se tornaram melífluos, inconsistentes e confusos?

Portanto, esta é a novela mais novela que já vimos, uma arte em que Gilberto Braga é senhor absoluto. Só que também tinha vida real. Celebridade foi um dos mais altos momentos desse gênero que todos assistimos (uns assumidamente, outros sigilosamente), discutimos, nos envolvemos, tomamos partido.

Na semana passada não havia uma só pessoa, uma só publicação que não estivesse fazendo apostas: quem matou Lineu? Todos foram suspeitos, menos Laura. Aqui se vê de novo que foi novela e não vida real. Laura matou por acaso. Não foi um ato deliberado, programado. Um tiro acidental. Pode-se dizer que Lineu morreu de bala perdida e aí seria vida real no Rio de Janeiro. Mas, na vida real, Lineu teria tido um assassinato planejado.

Laura, ah, Laura! Com Laura, personagem escrita à perfeição, o Brasil caiu aos pés de Cláudia Abreu. Completa, admirável, atriz que tem talento, tem recursos, voz, sabe onde colocar as mãos, conhece o tom exato de um diálogo, tem uma raiva interior que assoma aos olhos, transpira em cada poro. Sua interpretação é contida, tem ritmo, acelera, desacelera, ela sabe o momento exato de puxar o freio, transforma o ódio em doçura em dois segundos.

Cláudia Abreu como Laura deve ser lição nas escolas de arte dramática do Brasil, os capítulos precisam ser exibidos, comentados, analisados como se fossem manuais. A bela fera Cláudia Abreu nos lembrou os melhores momentos daquela que foi nas telas uma vilã sempre em estado de vulcão em erupção:

Bette Davis. A Bette que atingiu o cume com Baby Jane. Ou Anne Baxter em A Malvada. E se igualou a Faye Dunaway em Mamãezinha Querida. Ruim que se preza é ruim mesmo, não tem amenidades.

Não há concessões na personagem Laura: ela é má, porque as pessoas más são más, e ela tinha um objetivo deliberado, destruir. A mentira constante, exacerbada. Conhecemos um personagem semelhante na vida real. Laura era forte, poucas vezes uma personagem foi tão obstinada. Fraqueja, vacila e retoma o controle em seguida. Como imaginamos que os maus vencem ? Pela determinação, ausência de escrúpulos, de moral, de ética e pelo racionalismo. No final, ela se depara com o seu espelho, Renato Mendes, e percebe que o outro vai perder, porque mergulhou no irracional. E em seus olhos há o ódio pela fraqueza. O desespero de Renato Mendes era perigoso e ao mesmo tempo espantoso. Laura, por um segundo, hesita, enquanto raciocina de que maneira poderá tirar partido da situação. Laura-Renato. O duplo, o outro borgiano. Naquele instante, ambos penetravam em um labirinto. A verdade é que o mal nos fascina, atrai.

Cláudia Abreu manteve o tom de interpretação sempre alto, no timing preciso, valorizando os olhares, a explosão, a contenção. O riso que pode ser raivoso ou terno. Seu personagem foi construído interiormente e cresceu. É doce somente um momento: quando ela se deita junto ao peito do michê para morrer.

Único instante de humanidade que ela transmite e emociona. Se existisse um pódium na televisão brasileira, Cláudia estaria agora no alto, em primeiro lugar, como a melhor atriz da telinha.

Mulher rara, atriz excepcional, beleza deslumbrante, sensualidade exasperante. Nós, telespectadores que nos apaixonamos por ela, quisemos que Celebridade se eternizasse, porque cada fotograma de Cláudia nos galvanizava, agradecíamos ao inventor da televisão por ter criado tal meio que possibilitou tal arte. Momento de grandeza dessa arte chamada novela, gênero literário, sim senhor. Momento de fulgor dessa arte chamada interpretação que redime a tevê de todos os arrivistas, masculinos ou femininos, que chegam com belos rostos, belos torsos, belos físicos, presenças agradáveis até o momento que começam a representar, porque nunca começam. Gilberto Braga sabe o que faz e permite, inclusive, alfinetadas que definem a atuação dos arrivistas despreparados: papéis de mudos. Acrescento, papéis de estátuas, imobilizados em cena. Sim, Celebridade terminou, mas durante muito tempo vai brilhar ainda essa luz de Laura/Cláudia Abreu, porque ela será como a luz de estrelas mortas que, quando chegam a nós, atravessaram milhões de anos no espaço.’



Contardo Calligaris

‘Acabou ‘Celebridade’’, copyright Folha de S. Paulo, 1/07/04

‘Na sexta-feira passada, na hora do último capítulo de ‘Celebridade’, estava festejando o casamento de Alexandre e Sílvia, amigos queridos. Depois da cerimônia e das valsas, nas conversas de mesa, já era conhecido o desfecho: Laura matou Lineu, Laura e Marcos morreram, Renato foi para a cadeia. Surgiram tantas perguntas que foi preciso entrevistar por celular alguém que assistira ao episódio: o que aconteceu com Ana Paula? A Darlene, a Jacqueline? E o Cristiano, a Beatriz?

Mais tarde, na frente da casa do Pacaembu onde acontecia a festa, a novela foi o tema de minha conversa com os seguranças e os motoristas do ‘valet parking’.

No sábado, novos comentários no café onde almoçamos, no táxi que me levava até uma livraria e com o vendedor que lá me atendeu. À noite, com um casal de amigos, o programa foi risoto e reprise do último capítulo. Deu um bom papo. Isso sem contar as mensagens sobre o fim da novela que os internautas iam postando nos blogs abertos para a ocasião.

Não assisto às novelas com regularidade. Com a exceção de ‘Terra Nostra’ (que curti integralmente nas fitas que são distribuídas pelas lojas brasileiras dos EUA), vejo, em média, três capítulos por mês de cada novela das oito. É suficiente para ter uma idéia da evolução da trama e para não ficar a ver navios quando alguém evoca uma personagem ou um tema da novela em curso.

O que mais me interessa (e admiro) nas novelas é sua função nas conversas cotidianas. Acho extraordinário que, durante meses, uma mesma história esteja ativamente presente no imaginário da maioria.

Há os que não perdem um capítulo e mal se lembram de que se trata de uma ficção; e há, no outro extremo do leque, os que não conseguem mencionar a novela sem manifestar desprezo ou condescendência. Mas, salvo considerar que a própria existência do Brasil como nação seja um infortúnio, todos (ou quase) reconhecem que as novelas tiveram e têm um papel crucial na unificação do país, fornecendo narrativas comuns do Oiapoque ao Chuí e das favelas às mansões.

Claro, elas propõem os ideais urbanos de consumo às massas rurais ou desfavorecidas, assim como, às vezes, idealizam o campo e as vilas para as massas citadinas. Mas, com isso, elas nos levam a incluir vidas diferentes no nosso repertório de histórias possíveis.

Voltemos às conversas que escutei ou das quais participei nesses dias. Eis uma pequena amostra das questões levantadas.

Marcos: merecia a mesma punição que Laura? Como medir os graus de maldade: pela (relativa) moderação nos atos (nesse caso, Marcos é menos culpado)? Ou pelo cinismo das motivações (nesse caso, Laura, pelo ódio que a anima, é menos culpada)?

Beatriz: era do mal ou do bem? Ou seja, o amor (por um parceiro ou por um filho) pode ser uma ‘desculpa’?

Daniel: estragou ou não estragou o filho, Paulo César? Será que, quando tentamos compensar um abandono passado, estamos sobretudo comprando a absolvição de nossa culpa?

Maria Clara: tinha direito de se aproveitar do amor de Hugo? Ainda bem que Hugo ganhou uma viagem a Florianópolis com Ana Paula Arósio.

Cristiano: se ficasse sozinho, seria bem feito. Quem não tem a coragem de enxergar o amor dos outros e de declarar o seu, que se dane.

Vladimir: será que é verdade que todo brasileiro quer ser anônimo? E será que ser anônimo é condição de ser feliz? Não é uma história que contam os famosos para nos consolar?

Darlene: qual das duas é verdadeira, a que se alegrava com o incêndio que quase matou suas crianças, dando-lhe um momento de primeira página? Ou a que renuncia ao papel numa novela de Sílvio de Abreu para cuidar dos seus bebês? Será que há mesmo uma alternativa entre sucesso e amor materno? Será, em suma, que o mundo comandado pela revista ‘Fama’ é um clube de celibatários?

Inácio e os filhos de Ana Paula: o que é amor de mãe e de pai? Coisa de sangue ou coisa de coração?

Explosão de papo noveleiro? Certo, mas o fato é que, em matéria de moral, as grandes fórmulas fracassam sempre. Na complexidade do dia-a-dia, a sabedoria moral é feita de parábolas, de exemplos e contra-exemplos. A capacidade de decidir o que é justo depende da variedade de nosso repertório de experiências e de histórias. Ou seja, depende da riqueza de nossa cultura.

Alguns se indignaram com a presença de Gilberto Gil na festa conclusiva do último capítulo. Não entendo. Acaba uma vasta ficção que leva o povo inteiro (ou quase) a discutir sobre os casos da vida e sobre as incertezas morais que os acompanham: se o ministro da Cultura não deve cantar e tocar nessa ocasião (sendo que ele faz isso muito bem), não sei quando deveria.

Enfim, a quem objetasse que as novelas vão e vêm sem constituir nenhum repertório de narrativas que nos sirvam para a vida, respondo com o comentário de um internauta quando, antes de sexta, choviam palpites sobre quem seria o assassino de Lineu. Ele escreveu: ‘Eu sei, foi Odete Roitman’.’



DA COR DO PECADO
Leila Reis

‘‘A TV é regeneradora, pode ajudar muita gente’’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/07/04

‘O currículo de Rosi Campos não poderia ser mais eclético. São cerca de 15 filmes e 30 espetáculos teatrais (ela não sabe direito), dez anos de Telecurso, outros tantos de Castelo Rá-Tim-Bum, dez novelas e duas minisséries (Hilda Furacão e A Casa das Sete Mulheres). Mas só agora, aos 50 anos, experimenta a chamada popularidade como Edilásia Sardinha, a mamusca da bem sucedida Da Cor do Pecado. Nesta entrevista, Rosi lembra do tempo em que torcia o nariz para a TV e defende o veículo como instrumento de salvação do país.

Estado – Chegou a sua vez na televisão?

Rosi Campos – Nos 10 anos em que faço TV, é o papel que mais me deixa à vontade. É uma personagem pela qual o autor tem grande carinho. Já avisei os meninos que fazem os meus filhos: ‘não vão pensando que é assim sempre.’

Todos os núcleos são bons, o ibope é de novela das oito. João Emanuel fez uma história que agrada porque é simples, fala de pai e filho, avô e neto. A família brasileira quer se ver e dar risada. Isso mostra que não é preciso enlouquecer, inventar coisas para dar certo. Trabalha-se muito porque são só 28 personagens, mas o legal é dar vez para todo mundo aparecer, mostrar o trabalho.

Estado – Você fez parte do grupo de teatro Ornitorrinco e era da turma que odiava televisão. Quando isso mudou?

Rosi – A nossa opção era outra e nem tínhamos noção de que poderíamos investir na TV. Éramos idealistas e criticávamos todos os meios de comunicação. A gente não saía de São Paulo, Ubu e Teledeum ficaram anos em cartaz e nem pensamos em levá-las para o Rio. A televisão é outro mundo, é referência neste país. A novela substitui o romance que o cara não lê, o filme que não vê e muitas vezes a única opção de lazer. A TV é regeneradora, pode salvar muita gente.

Estado – Salvar como?

Rosi – Sempre quis fazer um programa de saúde porque acho que iria ajudar as pessoas. O Telecurso, que fiz durante 10 anos, e o Castelo Rá-Tim-Bum me deram essa dimensão do poder da TV. Outro dia fui à formatura de crianças no primeiro e segundo grau em Imperatriz, no Maranhão e não acreditei quando vi 40 mil alunos formados pelo Telecurso. Este país é muito grande e precisa de muita coisa.

Estado – Seu colegas de teatro ainda cobram a ‘traição’?

Rosi – Tem gente que cobra sim, mas está louca para vir para a TV. Ela é uma indústria em que tudo funciona, é bem estruturada. Há ator que resiste e quando vem se surpreende. Eles me dizem: ‘É legal aqui, a gente é muito bem tratado.’ Tive sorte de sempre trabalhar com atores antigos, que sabem de tudo: Regina Duarte, Marília Pêra, Christiane Torloni, Arlete Sales, Aracy Balabanian. Sempre aprendi muito.

Estado – Edilásia, é toda preocupada com a boa forma. Você também é?

Rosi – Aos 19 anos, eu namorava um fundista e corria com ele. Era viciada em corrida. Fazia jazz, balé clássico. Depois de velha, parei, fiquei meio enferrujada. Agora gravando é que não dá tempo para nada. O ideal é não parar, porque quem pára, morre. Como atriz o ideal é ser alta, magra, linda, sedutora. Mas eu sou fora de padrão, sou a mais alta do elenco.

Estado – E qual é o padrão?

Rosi – As mulheres que fotografam melhor são as pequenas, delicadas, minúsculas, têm 1,50m e 1,60m. Outro dia encontrei a cabocla (Vanessa Giácomo, da novela das 6) e vi que é superbaixinha. A proporção da mulher pequena é melhor, além disso, a TV triplica o tamanho.

Estado – A TV trata bem as mulheres mais velhas ou fora de padrão?

Rosi – As pessoas mitificam as mulheres da televisão. Tem as lindas, mas também tem as normais. No teatro não importa ser gorda, velha, ter banha e celulite. No elenco de novela cabe de tudo: as lindas e as foras de padrão.

Mesmo porque dos 50 anos em diante a gente vira meio dinossauro.

Estado – É bom ser mãe de tantos gatos?

Rosi – Eles são uns amores: Caio Blat, Pedro Neschiling, Cauã Reymond e o Reinaldo Gianechini. Estamos muitos juntos: fazemos aulas de lutas marciais juntos, gravamos muito e ainda vemos TV um na casa do outro. O bom é que estou sempre rodeada de homens lindos, com dentes maravilhosos.

Estado – Quais seus planos para depois da novela?

Rosi – Vou estrear no Centro Cultural Banco do Brasil o espetáculo Alô Alô Terezinha, sobre TV, com o meu grupo, o Teatro Grafite. Continuo viajando o Brasil há seis anos com a peça As Sereias da Zona Zul, do Miguel Falabella.

A jornalista Márcia Almeida está escrevendo um texto para mim.

Estado – Será um monólogo?

Rosi – Ninguém agüenta, odeio monólogo, credo! É um texto de humor.

Estado – Você já quis fazer humor na TV?

Rosi – Já fiz milhões de pilotos, mas nenhum emplacou. Fiz participações em Zorra Total e em A Grande Família.

Estado – Você se considera uma humorista?

Rosi – Humorista é o Chico Anysio, o Agildo Ribeiro, o Ari Toledo. Eu sou comediante.

Estado – O seu objeto do desejo é ter um programa de humor?

Rosi – Não, eu gosto de fazer minisséries.’