Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

J. Carlos de Assis

‘A revista Veja e O Estado de S. Paulo formam o núcleo duro da imprensa conservadora e pseudo-ortodoxa no Brasil. Como animais de uma mesma espécie, reagem por instinto, com idênticos movimentos, a qualquer sinal de ameaça a seus territórios. Foi assim que, com ataques verbais, de conteúdo idêntico, ao vice-presidente José Alencar e ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto, ambos reagiram ao manifesto do PL em favor de uma política econômica alternativa, capaz de promover o pleno emprego. Não se limitaram a atacar, sem qualquer fundamento, as propostas econômicas do manifesto. Atacaram pessoalmente o vice, por respaldá-las. E acusaram o manifesto de ‘delirante’.

Veja dedica uma página ao que chama de ‘terrorismo populista contra a política econômica’. O ‘terrorismo’ vem da advertência de que atravessamos a maior crise social de nossa história, determinada por taxas recordes de desemprego e subemprego, e que isso, se não for revertido, levará a crises políticas de desfecho desconhecido. Onde está o ‘terrorismo’? A história está repleta de crises provocadas pelo alto desemprego que levaram a crises políticas de proporções calamitosas. Basta recordar a Europa dos anos 20 e 30. Ou a América do Sul dos tempos contemporâneos. Aqui mesmo tivemos um terremoto político, a eleição de Lula, produto do desemprego.

Crises sociais provocadas pelo alto desemprego levaram a convulsões políticas também no Equador, no Peru, na Argentina e na Bolívia. Lá tiveram menos sorte. Presidentes foram derrubados. Mas é ainda a crise social de desemprego, acima de 14% da força de trabalho, que está por trás das recorrentes crises políticas na Venezuela – onde a democracia ainda sobrevive graças, principalmente, à posição legalista das Forças Armadas. A relação entre crise social e política econômica é óbvia. Todos esses países sul-americanos, sem exceção, estiveram ou continuam sob o receituário neoliberal de políticas fiscais e monetárias restritivas, ditadas pelo FMI.

Veja usa uma técnica curiosa para criticar as propostas de política econômica do PL: destaca trechos do documento, e em lugar de contestá-los de forma fundamentada, xinga-os de populistas ou de mágicos. O próprio texto em destaque num balão do meio da página – sobre uma fotografia editada do vice-presidente a fim de alterar-lhe a fisionomia de forma a ridicularizá-lo – é uma síntese involuntária do conteúdo do manifesto. Ei-la: ‘É necessário que se reduzam os juros e que o Estado aumente seu dispêndio a fim de estimular o investimento e o emprego. O dispêndio público é fundamental para a mobilização da capacidade produtiva e a geração de empregos, sem aumentar a carga tributária. Basta a redução do superávit primário.’

Cada um desses conceitos corresponde rigorosamente ao que defendemos. Só que Veja não entende como é possível fazer o governo ‘gastar mais, sem aumentar os impostos e ainda reduzindo os juros’. Que imenso besteirol! Os assessores econômicos de Veja não lhe explicaram que, reduzindo os juros, aumenta-se a margem de dispêndio público para uma mesma estrutura fiscal. Pode-se reduzir o superávit primário, aumentando-se o dispêndio público não inflacionário. O dispêndio público adicional, por sua vez, dará uma grande arrancada nos serviços públicos básicos, na infra-estrutura, na renda e no emprego. Crescem o produto e a receita tributária. Cai, num segundo momento, a relação dívida/PIB, algo a que não se deve dar muito valor, mas que deveria agradar a Veja.

O regime econômico defendido por Veja é o mesmo regime muito pouco ortodoxo que, nos anos de FHC, elevou a carga tributária bruta de 27% para 36%, a dívida pública de 30% do PIB para 57% e a carga de juros, só no último ano, para 9,5% do PIB. A isso o vice José Alencar chamou de ‘irresponsabilidade fiscal’. Esses ‘esqueletos’ oriundos da era FHC, considerando ainda os US$ 90 bilhões arrecadados com a venda do patrimônio estatal construído com o suor dos brasileiros, somam mais de R$ 800 bilhões. Em contrapartida, não foi construído um único viaduto. Foi tudo para pagar juros, e juros sobre juros, puxados por juros estratosféricos arbitrados pelo próprio governo, de forma a enriquecer os parasitas do sistema financeiro especulativo e seus sócios.

Veja e Estadão não se importam com o fato de que crises sociais geradas por políticas econômicas, sobretudo em países pobres sem um Estado do bem-estar social, acabam gerando crises políticas. Defendem o status quo. Querem o Estado mínimo, mesmo que isso represente a falência de políticas públicas e a cabal degradação da infra-estrutura. Por isso, não gostaram do manifesto do PL. E como não têm argumentos para contestá-lo, recorreram aos insultos ao vice e ao presidente do partido, Costa Neto – mesmo que, para insultar o atual vice, tenha tido de insultar, por antinomia, os seus antecessores Marco Maciel e Itamar. Este, segundo Veja, ‘não tinha nada na cabeça, mas só recitava as platitudes exigidas pelo cargo decorativo’. Já Marco Maciel só falava em público ‘platitudes’, isto é, ‘mediocridades’. É disso que Veja gosta em vice-presidentes. É isso que faz em matéria de jornalismo econômico. J. Carlos de Assis é consultor econômico do PL’



José Paulo Kupfer

‘Fatos (ir)relevantes’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 24/06/04

‘É infinita a capacidade brasileira de desperdiçar energia com assuntos sem importância. Se fosse apenas isso, esse esporte preferido de deitar falação sobre qualquer coisa supérflua faria mal algum e, no fim das contas, ajudaria a preencher o espaço entre o chope e o bolinho de bacalhau nos botequins da vida. Não confundir, por favor, com ranzinzice, mau humor ou coisas do gênero. Mas também não precisava deixar passar ou esquecer tão depressa questões mais sérias.

Um marciano que tivesse o azar de despencar por aqui neste junho friorento, lendo o noticiário e acompanhando a falação dos muitos e doutos opinadores que ocupam as páginas, sairia convencido de que os brasileiros nada mais tinham a tratar no mundo além da festa junina que mobilizou o governo da República e na qual o assessor presidencial Frei Betto celebrou o casamento caipira do presidente Lula e da primeira dama Marisa Letícia. Não houve quem, dispondo de um espaço na mídia, resistisse à tentação de dar um palpite. Sobraram preconceitos, arrotos antropológicos, arengas culturais e… provincianismos dos mais variados calibres.

Pensando bem, diante da qualidade dos debates em torno de temas mais relevantes, como o do salário mínimo, pode ser até bom perder tempo e tutano com irrelevâncias. O mínimo minimorum a esta altura já entrou para a história, mas os argumentos ‘técnicos’ usados para defendê-lo, faça o favor. Um deles: se aumentar mais, a Previdência e as prefeituras estouram… sei, sei, e que tal cortar em outras despesas correntes e melhorar a eficiência da máquina administrativa? Outro: não sobrariam recursos para investimento… puxa vida, que dureza, mas para onde é que estão indo os recordes na arrecadação de impostos e contribuições? Mais um: são pouquíssimos os que recebem o mínimo… é mesmo? Então por que tanta resistência? E outro: é preferível aumentar os programas de proteção social, como o Bolsa-família, do que ficar insistindo no salário mínimo… Mas como são bonzinhos!

Tudo bem. Volta tudo no ano que vem e já com uma bobagem incorporada ao debate: a vinculação do reajuste anual do mínimo à evolução do PIB, como se anuncia já estar definido no Orçamento para 2005 que o governo enviará ao Congresso no início do segundo semestre. Deve ter sido conversa para parlamentar petista rebelde dormir, mas, mesmo assim, pede-se a gentileza de se explicar o que uma coisa tem a ver com a outra. Se a idéia esdrúxula do reajuste cíclico do mínimo vingar, teremos que, nos anos de vacas gordas, quando a absorção de mão-de-obra for mais generosa e os salários, naturalmente, maiores, o mínimo aumentará mais, enquanto, nos anos de recuo econômico, quando mais gente dependeria de um mínimo melhor para sobreviver, vai é afundar ainda mais.

A ocupar as mentes bem-pensantes, entre o arraial de Lula e o triste episódio do salário mínimo, houve ainda espaço, nos últimos tempos, para mais uma emocionante rodada de fuxicos e futricas palacianas, envolvendo até espiões a preço de liquidação. Mas e o jantar de Lula no Palácio do Alvorada, há 15 dias, com um seleto e poderoso grupo de grandes empresários, boa parte empreiteiros, no qual ficou acertado que eles se encarregariam de reformar a residência presidencial, a um custo estimado de R$ 16 milhões? A imensa maioria dos que sempre acham alguma coisa sobre qualquer coisa, no caso, não achou nada.

Está certo. Uma tremenda e constrangedora mistureba do público com o privado como essa, tendo como palco e cenário um símbolo do Brasil moderno que este país sonha ser um dia, não é, absolutamente, tema tão ‘candente’ quanto a festa junina de Lula, não é mesmo? E olha que o episódio rendia: um encontro para discutir investimentos em infra-estrutura e parcerias público-privadas que, ironicamente, descambou para uma espécie de acerto entre compadres, bem à moda, aliás, da caricatura habitual das tradições caipiras. Isso sem lembrar que, dias depois, saiu um livro, com fotos oficiais do presidente, patrocinado, não se sabe por meio de que licitação, por quatro empresas privadas. É um mau, péssimo sinal, para as verdadeiras parcerias público-privadas que Lula está vendendo esta semana nos Estados Unidos e cujo projeto de lei se arrasta no Senado, depois de aprovado na Câmara dos Deputados.’



Sergio Torres

‘Alencar e Ciro dizem sofrer censura por crítica aos juros’, copyright Folha de S. Paulo, 29/06/04

‘O vice-presidente da República, José Alencar (PL), afirmou ontem no Rio que está sendo censurado por defender a queda das taxas de juros no país. Ele teve o apoio do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS), que disse também já ter sido censurado.

José Alencar não disse de onde teria partido a censura. O vice falou apenas que ela ‘vem, obviamente, de tudo aquilo que é contra a queda de juros’. Questionado se a censura estaria vindo de integrantes do governo federal, o vice disse, entrando no elevador e já longe dos repórteres: ‘Não’.

O ministro foi mais incisivo ao falar da origem da censura: disse que ela parte de ‘articulistas alugados, gente paga para isso’. A estratégia deles, segundo o ministro, é ‘debochar, desmoralizar’ a ‘pessoa que queira pensar sobre alternativas que não sejam essa ortodoxia que nos é imposta por esse modelo econômico’.

Alencar e Ciro Gomes participaram do seminário ‘Trabalho, Desenvolvimento Social e Crescimento Econômico’, em comemoração ao 184º aniversário da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Eles não chegaram a se encontrar. O vice-presidente esteve na abertura do evento, de manhã. Ciro Gomes participou de um painel de discussões, à tarde.

Alencar surpreendeu a platéia ao falar da censura, em um improviso após discurso em que enalteceu a entidade aniversariante. Na ocasião, o vice-presidente voltou a defender a queda das taxas de juros. Ao final, foi aplaudido de pé pelos cerca de cem empresários presentes.

Censura

‘A Constituição de 1988 acabou com a censura. Exceto a censura de bater na taxa de juros existente. Essa censura existe. Eu tenho sofrido e sido vítima dessa censura. Até distorcendo o que falo’, declarou o vice-presidente.

À tarde, questionado sobre a declaração de Alencar, Ciro Gomes também afirmou que existe uma censura. ‘Eu acho também. Isso é antigo no Brasil. Disso eu não tenho a menor dúvida. Eu, por exemplo, já experimentei isso gravemente, em várias ocasiões’, afirmou o ministro.

O vice-presidente, pouco antes de reclamar da suposta censura, traçara uma espécie de histórico das condições que levaram o Brasil a ter uma taxa de juros tão alta.

Após a explanação, Alencar concluiu: ‘Nunca houve na história do Brasil maior transferência de renda oriunda da produção -o que, vale dizer, do trabalho- em benefício do sistema financeiro nacional e internacional’.

Alencar afirmou que, embora ‘não tenha grande autoridade para falar sobre isso’, por não ser economista, considera estar respaldado pela ‘experiência de meio século de vida empresarial’.

‘Todos sabem da minha origem modesta, humilde, criado no interior, na roça, de família pobre. Nem estudar direito pude. Mas sei que, enquanto as atividades produtivas não puderem remunerar com vantagem os custos de capital, não deverá haver investimento à medida que o Brasil precisa e pode em relação ao seu potencial’, disse. Alencar é dono da Coteminas, empresa do setor têxtil.

O vice-presidente foi novamente aplaudido quando narrou o que costuma acontecer a um empresário que recorre a um banco na tentativa de antecipar uma receita de venda a prazo.

‘É um despropósito um cidadão que produz levar sua duplicata a um banco estatal ou privado e pagar, na melhor das hipóteses, 35% ao ano de juros. Porque a sua atividade não vai lhe render, obviamente, um terço disso. Então, ele transfere toda a sua renda para o setor financeiro’, afirmou.’