Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Luis Fernando Verissimo


‘Sessões de CPIs e de comissões como a de Ética ouvindo o Roberto Jefferson são um pouco como óperas: períodos alternados de melodrama e tédio entrecortados por uma ou outra ária memorável. A ária do Roberto Jefferson na terça foi muito boa. Certamente animada pela possibilidade de realizar o sonho secreto de todo tenor, que é o de derrubar o teatro com sua voz.


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No onze de nove de 2001 nós estávamos em Nova York, e não tínhamos voltado aos Estados Unidos desde então. Este ano voltamos – e chegamos em Washington no dia em que aquele aviãozinho desgarrado provocou pânico na cidade e a evacuação às pressas do Congresso e da Casa Branca. ‘De novo, não!’, pensei. Era rebate falso, mas desconfio que, de agora em diante, toda vez que chegarmos nos Estados Unidos o país entrará em alerta amarelo.


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Confesso que nunca acreditei no ‘Garganta Profunda’. Basta folhear os livros do Bob Woodward para ver como ele gosta de usar recursos da ficção para animar suas reportagens. Descreve o pensamento de pessoas reais como se estivesse dentro dos seus cérebros e recorre a convenções literárias no seu relato de fatos, como um romancista. Um mau romancista. O informante não identificado que ajudou Woodward e Bernstein a desvendar o caso Watergate e provocar a renúncia de Nixon parecia ser um desses recursos, usado para explicar a origem de dados que os repórteres preferiam não revelar ou para dar um toque de mistério à narrativa. Mas não era literatura dos autores, o homem existia mesmo. Curiosidade: a frase ‘Sigam o dinheiro’ nunca foi dita pelo ‘Deep Throat’. Está no filme de ‘Todos os homens do presidente’ mas não está no livro de Woodward e Bernstein. Como o ‘Toque outra vez, Sam’ que ninguém diz em ‘Casablanca’ e acabou sendo a frase mais lembrada do filme, ‘Sigam o dinheiro’ ficou como a frase mais famosa de todo o episódio Watergate.


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Já contei que, na Feira do Livro de Montpellier, na França, tive que fazer um discurso de improviso que acabou sendo um sucesso de público porque o francês que me traduzia ouviu ‘abaixo a polícia’ quando eu disse ‘abaixo a burrice’. Foi adequado que a inauguração de um evento literário como aquele incluísse um erro de tradução: as más traduções são sempre um problema nas edições internacionais. Mas acho que, neste caso, não fui prejudicado. Deve ter provocado algum interesse em potenciais leitores franceses dos meus livros traduzidos saber que eu sou um perigoso anarquista.’



Demétrio Magnoli


‘Muito além da corrupção ‘, copyright Folha de S. Paulo, 16/06/05


‘Desde a queda de Fernando Collor, a política nacional organiza-se em torno da dupla hegemonia do PSDB e do PT, ou seja, dos partidos que expressam os projetos paulistas para a economia e a sociedade brasileiras. Nos oito anos do consulado de FHC, o PSDB conservou um tenso equilíbrio assimétrico entre o núcleo de interesses financeiros, encastelado no Ministério da Fazenda, e o núcleo de interesses da Fiesp, ancorado na corrente dos ‘desenvolvimentistas’. A aliança com o PFL e os pactos de conveniência com setores de outros partidos conferiam abrangência nacional ao esquema de poder vigente.


O PT nasceu como expressão do sindicalismo paulista, que se articulava com os movimentos sociais de todo o país. Mas, sob os impactos combinados da falência do ‘socialismo real’ e da integração do Brasil à globalização, o Campo Majoritário petista reciclou-se e reinventou o partido. A ‘refundação’ foi concluída na campanha presidencial de 2002, quando o PT se definiu como um ‘partido da ordem’.


O novo PT replica, até certo ponto, as linhas de força e as tensões internas do PSDB. No governo Lula, o capital financeiro controla o Ministério da Fazenda de Palocci e o Banco Central de Meirelles enquanto o empresariado paulista veicula seus interesses por meio da poderosa Casa Civil de José Dirceu. O tráfico de influência com os fragmentos de partidos da ‘base aliada’ fornece tentáculos nacionais ao esquema de poder.


Nem tudo é réplica. O PT é uma máquina partidária orgânica, o que o PSDB nunca foi. Essa máquina está sob estreito controle de José Dirceu, o chefe aparatchik que ungiu, direta ou indiretamente, a quase totalidade dos burocratas cinzentos dos escalões federal, estadual e municipal do partido. O aparelho partidário, voraz e expansionista, colonizou as estatais e os milhares de cargos públicos de confiança. O escândalo do ‘mensalão’ ameaça o seu poder e o seu modo de vida.


José Dirceu bombardeou sem cessar a casamata do Ministério da Fazenda, orientando a artilharia da esquerda do PT e do MST. Hoje, Palocci reage com uma contra-ofensiva arrasadora. O ministro da Fazenda é, nesse momento, o principal beneficiário do escândalo que abala a República. A meta da operação é cortar a ponte entre Lula e Dirceu, removendo o núcleo de interesses da Fiesp do governo. As bombas detonadas por Gushiken e por outros aliados de Palocci contra Genoino, que personifica a máquina petista, e Delúbio, o homem de Dirceu, evidenciam o furor da batalha.


Na hora da verdade, as estratégias do PSDB e do PFL divergem. O primeiro manobra com esmero na preservação de Lula e de Palocci, apostando no lento desgaste do governo ou, ainda melhor, numa hipotética fusão com o pólo lulista, expurgado da máquina do PT. O segundo joga na implosão do governo, temendo ser deslocado para a periferia da política nacional. Dentro do PT, a guerra total seca a retórica das alas de esquerda, que se alinham instintivamente atrás de Dirceu. No cenário hipotético do racha, elas ofereceriam a mão-de-obra para a reconstrução do partido, sob o programa do empresariado paulista e a ornamentação discursiva do castrismo e do terceiro-mundismo.


Nada está escrito. A crise pode conduzir apenas à melancólica extinção da experiência lulista em 2006. Mas pode parir um novo sistema partidário no país.


Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras nesta coluna.



Carlos Heitor Cony


‘Gostei e desgostei ‘, copyright Folha de S. Paulo, 16/06/05


‘Sem entrar no mérito das respectivas causas, acredito que, desde os tempos de Carlos Lacerda, não tivemos uma performance igual à do deputado Roberto Jefferson em seu depoimento à Comissão de Ética. Tinha dele uma imagem nebulosa, seu passado não me parecia recomendável -e seu presente é de tal forma polêmico que não se pode fazer um juízo de valor a seu respeito como político e como homem.


Mas sua atuação na última terça-feira, antes de ser arrastado ao bate-boca com aqueles a quem acusara frontalmente, foi um espetáculo em si mesmo, descontando-se, é lógico, o conteúdo que pode ser contestado -e em muitos pontos o será.


Deixo claro, redundantemente, que não entro no mérito das acusações e das defesas do caso em si. Limito-me à apresentação de Roberto Jefferson, que coloco em pé de igualdade com a de Lacerda quando defendeu seu mandato de deputado, então ameaçado pelo governo de JK por ter revelado segredos do Estado.


Pena que Roberto Jefferson não tenha a biografia e a atuação de seu xará, o senador Jefferson Péres, que me parece a voz mais sensata e superior do atual Congresso, ao lado de outros poucos, como Pedro Simon, este possuidor de uma oratória especial, que, por diversas vezes, já louvei em crônicas anteriores.


Quanto ao caso em si, os escândalos dos Correios e do ‘mensalão’, de duas, uma: se surgirem provas (e não discursos, ainda que espetaculares), a crise atual deverá descambar para um terremoto que deverá tragar todo o governo, com a provável exceção do presidente Lula, que, mesmo assim, sairá tão chamuscado que melhor seria licenciar-se até o fim do atual mandato.


Caso contrário, em que pese a brilhante oratória de Jefferson, acho que será motivo para a cassação do mandato e a suspensão dos direitos políticos -de Roberto Jefferson e dos demais envolvidos.’



Thiago Guimarães


‘Ex-secretária recua e diz não ter visto malas de dinheiro ‘, copyright Folha de S. Paulo, 16/06/05


‘A secretária Fernanda Karina Ramos Somaggio, 32, recuou ontem, em depoimento à Polícia Federal em Belo Horizonte, de suas declarações à revista ‘IstoÉ Dinheiro’ em que cita saídas de ‘malas de dinheiro’ da SMP&B Comunicação, agência publicitária de Belo Horizonte, e a relação do seu ex-chefe, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, com a cúpula petista e com congressistas.


Entre maio de 2003 e janeiro de 2004, Somaggio foi secretária de Valério, sócio das agências de publicidade mineiras SMP&B Comunicação e DNA Propaganda -que detêm cinco contas do governo federal- e um dos supostos operadores do esquema do ‘mensalão’. Segundo o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), Valério foi o responsável pelo transporte, em 2004, de R$ 4 milhões ao PTB, referentes a um acordo fechado entre o partido e o PT.


A imprensa não teve acesso ao depoimento, que foi espontâneo -os advogados de Somaggio procuraram a PF- e durou cerca de três horas. Segundo o assessor de imprensa da PF em Minas, delegado Ricardo Amaro, a secretária não citou contatos de Valério com a cúpula do PT.


À ‘IstoÉ Dinheiro’, ela menciona relações de Valério com o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, o ministro José Dirceu (Casa Civil), o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, entre outros. ‘Ela não confirmou o envolvimento de ninguém’, disse.


A revista ‘IstoÉ Dinheiro’ afirmou ontem que a ‘entrevista de Fernanda está gravada e que será colocada à disposição das autoridades se for solicitada’.


A secretária chegou e saiu da sede da PF sem falar com os jornalistas. Seu advogado, Leonardo Poli, afirmou que ela ‘não confirmou tudo que disse’ à revista. ‘Algumas coisas realmente são realidade, outras não’, disse, sem detalhar. Somaggio disse ainda, segundo Poli, que não viu ‘malas de dinheiro’ saindo da SMP&B. ‘Isso ela disse que não viu.’


Anteontem, dia da divulgação da entrevista à revista, jornalistas esperaram por Somaggio à noite na porta de sua casa, em um bairro de classe média baixa em Belo Horizonte. A secretária -que hoje trabalha na Geosol Geologia e Sondagens- foi embora quando viu os repórteres e só voltou depois das 23h.


Contradições da PF


O relato do delegado Amaro sobre o depoimento teve ao menos três contradições. Sobre as supostas malas de dinheiro, disse: ‘Ela [Somaggio] não tocou nesse assunto durante o depoimento’. Confrontado com a declaração que o advogado havia dado momentos antes, Amaro mudou sua versão. ‘Ela confirmou as informações que a imprensa toda já divulgou, porém ela nega ter visto qualquer tipo de mala.’ Em outro momento, disse: ‘Ela não confirmou nenhuma das informações veiculadas pela imprensa’.


Outra contradição envolve a agenda de Somaggio, entregue anteontem à PF por seu advogado e que, segundo a ‘IstoÉ Dinheiro’, conteria anotações de encontros de Valério e dirigentes petistas. ‘Ela confirmou algumas anotações que estavam na agenda envolvendo o nome de alguns políticos, mas desconhece o conteúdo’, afirmou Amaro. Mais à frente, disse: ‘Da agenda só constam datas e horários de reuniões. Ela nega ter dito qualquer nome’.


Amaro afirmou ainda que ‘o conteúdo da agenda não revela, até o presente momento, nenhum indício de ilícito criminal’. O delegado disse que a PF só apurará o caso após a instauração de um procedimento investigatório.


Somaggio foi ouvida pelo chefe da Delegacia de Combate ao Crime Organizado da PF mineira, Hélbio Leite. Durante a entrevista de Amaro, Leite evitou responder aos repórteres.’



Paulo Peixoto


‘Advogado de Marcos Valério afirma que ele e Delúbio Soares são amigos ‘, copyright Folha de S. Paulo, 16/06/05


‘Paulo Sérgio de Abreu e Silva, advogado do publicitário Marcos Valério, afirmou ontem que seu cliente mantém relação de amizade com o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, mas negou existirem negócios entre eles. Silva, que representa Valério no processo contra a secretária Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-funcionária da agência SMP&B Comunicação, considerou ‘uma brincadeira’ a suspeita sobre seu cliente.


‘Pelo que eu sei, eles [Valério e Delúbio] são amigos. Eles freqüentam a casa um do outro. Tive a informação de que as famílias, mulheres e filhos, têm amizade’, disse o advogado, autor de interpelação judicial no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), que apontou Marcos Valério como um suposto ‘operador’ de Delúbio.


‘Mas isso não significa que eles têm negócios. O que foi dito aí é brincadeira. Não vai se provar nada porque não aconteceu’, disse o advogado, que não sabe se será ele o escolhido por Valério para cuidar do caso.


A assessoria da SMP&B, apontada pela secretária Somaggio, em entrevista à ‘IstoÉ Dinheiro’ como a origem do dinheiro das mesadas, considerou ‘absurdas’ as declarações.


Francisco Castilho, sócio e presidente da DNA Propaganda, disse ontem que sabia apenas por ‘ouvir falar’ das relações entre Delúbio e Marcos Valério, seu sócio na agência.


Castilho e Margareth Queiroz Freitas, vice-presidente e também sócia da agência, concederam uma entrevista ontem para afirmar que, embora Valério tivesse cargo de vice-presidente administrativo-financeiro na DNA, ele ‘nunca’ assinou pela empresa.


Os executivos informaram que tanto a empresa quanto eles mantêm conta no Banco Rural desde 1982. Segundo Roberto Jefferson, pode ter saído desse banco parte de um repasse de R$ 4 milhões que o PTB recebeu do PT, por meio de Valério, em 2004.’