Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Lula no Fantástico e revelação
sobre a Globo fecham o ano

No último dia útil de 2005, os jornais destacam a entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao programa Fantástico, da Rede Globo. Folha, Globo e Estado reproduzem basicamente as mesmas informações, obtidas pelos repórteres que assistiram a apenas 5 dos cerca de 40 minutos da entrevista que será exibida no domingo. Tal fato explica porque todos destacaram a mesma frase do presidente sobre o mensalão, no qual ele afirma que o esquema foi uma ‘facada nas costas’. A Folha aproveitou a deixa para publicar um box reiterando que o presidente só concedeu uma entrevista coletiva em três anos de mandato, o que, a rigor, é uma inverdade, uma vez que Lula têm concedido entrevistas a diversos grupos de jornalistas, como ocorreu no programa Roda Viva, da TV Cultura, e na seqüência com os veículos de rádio de todo o Brasil. A Folha não explica por que não considera essas entrevistas e acaba parecendo que está de má vontade com a equipe de comunicação de Lula.


Além do presidente, vale a pena destacar, no Estadão, a reprodução das declarações dadas por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, no programa de televisão Conexão Roberto D’Ávila, no qual o ex-todo-poderoso executivo da TV Globo reconhece que a emissora foi pressionada pelos militares a não divulgar fatos relacionados à campanha das Diretas-Já, em 1984, já no ocaso do regime ditadorial.


Leia abaixo os textos desta sexta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Sexta-feira, 30 de dezembro de 2005


LULA NO FANTÁSTICO
Eduardo Scolese


Denúncias são ‘facada nas costas’, diz Lula


‘Em entrevista gravada ontem para o programa ‘Fantástico’, da Rede Globo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que recebeu como uma ‘facada nas costas’ as denúncias sobre o esquema montado pelo PT com o empresário Marcos Valério.


A afirmação do presidente ocorreu no momento em que mais uma vez ele se recusou a citar nominalmente seus alegados traidores. Logo após a atual crise ter vindo à tona, em maio deste ano, Lula fez um pronunciamento a ministros no qual se disse ‘traído’ por práticas que afirma não ter tido conhecimento prévio.


‘Não interessa se [o presidente] foi [traído] por A, B ou C. Todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas’, declarou Lula ontem, em um trecho da entrevista de 37 minutos gravada no Planalto e que irá ao ar no domingo.


A expressão ‘facada nas costas’ já havia sido atribuída a Lula pelo deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que revelou o esquema do ‘mensalão’. Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o petebista disse que, ao ser informado por ele sobre o esquema, no início de 2005, Lula reagiu como se tivesse levado uma facada nas costas.


Ontem, de um caminhão de transmissão da TV Globo estacionado ao lado de uma das entradas do palácio, a reportagem conseguiu acompanhar ao vivo cerca de 3 dos 37 minutos da entrevista, até que um produtor percebeu a presença dos jornalistas e, com um anúncio de ‘acabou a festa’, trancou as portas do veículo.


No trecho da entrevista que a Folha conseguiu acompanhar, Lula adotou um tom menos enfático ao defender o deputado cassado José Dirceu (PT-SP). Ontem, o presidente demonstrou irritação quando o jornalista Pedro Bial pediu a ele que comentasse a declaração de que levaria Dirceu ao seu palanque em 2006. ‘Eu não disse. Eu fui perguntado se o levaria para o palanque’, afirmou. Em entrevista a rádios no início deste mês, Lula disse que ‘levaria o José Dirceu para o palanque, até porque ele foi cassado e não foi provado nada contra ele’.


Na entrevista, o presidente também voltou a criticar a imprensa: ‘As coisas boas realizadas pelo governo não aparecem’.


Velório


Lula e a primeira-dama, Marisa Letícia, foram ontem ao velório do ex-motorista do PT Antonio Jorge Ferreira da Costa, 54, que morreu em Brasília, vítima de câncer. Costa trabalhou para o presidente quando ele foi deputado federal constituinte (1987-1991). Depois, o motorista convidou Lula para ser padrinho de seu filho Nicolas, 14. Ontem, no cemitério Campo da Esperança, Lula e Marisa se emocionaram.’


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Presidente só deu uma entrevista coletiva no país


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva critica freqüentemente os meios de comunicação do Brasil, aos quais aceitou conceder uma única entrevista coletiva em três anos de mandato. Fernando Henrique Cardoso concedeu cinco em sua primeira gestão, entre 1995 e 1998.


Lula só concordou em falar com os jornalistas em 29 de abril deste ano com a condição de que eles não tivessem o direito de réplica.


Em vez de manter encontros abertos com os principais veículos de comunicação, Lula prefere conceder entrevistas no exterior. Foi numa delas, em Paris, que abordou pela primeira vez o escândalo do ‘mensalão’: disse que o caixa dois é uma prática sistemática no país.


No Brasil, preferiu até agora manifestar suas opiniões a colunistas de jornais, emissoras de rádio e veículos de sua escolha. Desde o início do governo a Folha protocolou um pedido de entrevista exclusiva com o presidente, até hoje sem resposta.


Esse comportamento refratário à imprensa se acentuou em maio de 2004, quando o governo tentou expulsar o jornalista Larry Rohter, do ‘New York Times’ (a Justiça barrou a medida, e o governo recuou). Em agosto, o presidente encaminhou ao Congresso projeto que criava o Conselho Federal de Jornalismo, com a finalidade de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da profissão e com o poder de punir jornalistas. A Câmara rejeitou o projeto.’


ALCKMIN SOB SUSPEITA
Lilian Christofoletti


Nossa Caixa omitiu R$ 17,8 mi da Assembléia


‘A Nossa Caixa omitiu da Assembléia Legislativa de São Paulo ter gastado R$ 17,8 milhões com duas agências de publicidade que operaram com o banco estatal durante um ano e nove meses sem contrato formal.


Os acordos publicitários do banco paulista estão sendo investigados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que apura um suposto favorecimento, por meio de veiculação de anúncios da Nossa Caixa, a deputados estaduais da base de apoio do governador Geraldo Alckmin (PSDB).


Em maio deste ano, ao ser questionado pelo deputado estadual Cândido Vaccarezza (PT) sobre os gastos publicitários em 2003 e em 2004, o então gerente de marketing da Nossa Caixa, Jaime de Castro Jr., disse que o banco pagou quase R$ 26 milhões às agências Colucci & Associados Propaganda e Full Jazz Comunicação e Propaganda -R$ 2 milhões abaixo do fixado em contrato.


Anteontem, o presidente da Nossa Caixa, Carlos Eduardo Monteiro, disse que, na verdade, o banco pagou R$ 43,8 milhões às agências -R$ 17,8 milhões de diferença. O montante, incluindo os valores pagos em 2005, ultrapassou 96,15% do estabelecido em contrato -a lei limita em 25%.


‘Os valores corretos foram apresentados à reportagem’, disse Monteiro. Segundo ele, não existiu a intenção deliberada de omitir dados da Assembléia. O banco informou que, com a saída do funcionário, não é possível saber o motivo de ele ter apresentado números tão diferentes.


No ofício à Assembléia, o ex-gerente também não disse que os contratos estavam vencidos desde setembro de 2003.


Segundo a Constituição do Estado, deputados têm o poder de requisitar dados de órgão público, importando crime de responsabilidade o fornecimento de informação falsa. O artigo 299 do Código Penal define como crime de falsidade ideológica a alteração de dados públicos relevantes -a pena máxima é de 5 anos de prisão.


Para configurar crime, no entanto, é necessário comprovar que o erro foi intencional.


Denúncia


O fato de a Nossa Caixa ter operado sem amparo legal durante um ano e nove meses só veio a público após uma denúncia anônima encaminhada ao Ministério Público e à imprensa.


O denunciante disse que deputados da base governista, ligados a revistas e a emissoras de rádio e de TV, teriam sido beneficiados na distribuição de recursos publicitários. A Promotoria foi alertada para a circunstância de que Monteiro poderia estar agindo como investigador e investigado na sindicância aberta pelo banco, pois, antes de assumir a presidência, foi diretor-jurídico em 2004.


A carta anônima relata ainda que o ex-gerente, afastado do cargo por Monteiro, teria avisado várias vezes o presidente sobre o vencimento dos contratos, circunstância que teria sido ignorada. A denúncia sugere que o Castro Jr. poderá ser apontado como único responsável.


Outro lado


O governador paulista disse que a suspeita de favorecimento a parlamentares não tem procedência.


A Nossa Caixa informou não existir interferência política. A situação, disse Monteiro, é fruto de uma ‘falha administrativa’, cujos responsáveis serão apontados em sindicância mantida sob sigilo.


A Folha procurou Castro Jr., mas ele não foi localizado.’


POLÍTICA CULTURAL
Silvana Arantes


Ministério da Cultura leva artistas brasileiros para os Estados Unidos


‘O MinC (Ministério da Cultura) vai usar a Lei Rouanet (que autoriza empresas a destinar parte de seu IR a projetos culturais) para levar artistas brasileiros aos EUA.


O Brasil arcará com os custos de cachê e passagens, segundo o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Sérgio Xavier. O programa Brasil’n’America será lançado no dia 16/1, em Nova York.


Os gastos com a produção dos espetáculos e a estada dos artistas nos EUA ficarão com a instituição cultural Broward Center for The Performing Arts, parceira do MinC no projeto.


Xavier diz que, da parte dos EUA, o programa não deve receber verbas de incentivo do governo. ‘Lá, há o inverso do que acontece no Brasil. O mercado banca a maioria dos investimentos em cultura, e o Estado financia a minoria’, afirma o secretário.


Aqui, o dinheiro será reunido num fundo pelo MinC, com um pool de empresas convidadas a investir no programa. O ministério abrirá concurso para seleção dos artistas participantes.


Xavier diz que um decreto do governo sobre o uso da Lei Rouanet ‘prevê que o MinC pode fazer editais, ao detectar carências específicas na área da cultura, e convidar empresas para participar com recursos [via lei]’.


O governo brasileiro receberá do Performing Arts e dos centros culturais a ele associados ‘o perfil dos artistas e espetáculos adequados a cada centro’, diz Xavier.


‘Vamos selecionar artistas nesse perfil e também de outros perfis que entendemos que devam ter mais divulgação’, afirma.


O produtor André Midani, que organizou o Ano do Brasil na França, foi convidado para a equipe do Brasil’n’America.


Segundo o MinC, 2005 terminará com R$ 550 milhões captados por projetos culturais por meio da Lei Rouanet. O ministério comemora o aumento do número de projetos inscritos e o de Estados participantes da divisão do bolo.


A concentração de investimentos beneficiados com dinheiro público no eixo Rio-São Paulo era uma das principais críticas do programa cultural do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu reformar a Lei Rouanet -o que ainda não foi feito.


Xavier diz que ‘não houve desistência [do governo de reformular a lei], o que houve foi um replanejamento’. Segundo o secretário, a reforma da lei ‘interromperia o processo [de uso do mecanismo]’. Por isso, o governo decidiu fazer ‘uma mudança mais madura e mais democrática.’’


TELEVISÃO
Marcelo Bartolomei


Música preenche programação de fim de ano


‘Se você vai passar o Réveillon com a TV ligada, saiba que a música brasileira -de boa ou duvidosa qualidade- irá invadir a programação a partir de hoje. Shows previamente gravados surgem como opções na TV aberta.


A Band transmitirá a festa da Bahia pela quinta vez, a partir das 23h30. No ‘cardápio’, o som popularesco da Banda Calypso e do grupo Afrodisíaco.


Um estúdio, 11 câmeras e três gruas de 15 m cada uma foram montadas no Farol da Barra, em Salvador, para a transmissão, que também terá flashes ao vivo de São Paulo e Rio a partir das 16h30.’


Gabriela Longman


Chico fala de cinema nas ruas de Parati


‘Depois de passear pelo calçadão do Rio de Janeiro, pelas alamedas de Roma e pelos cantinhos de Paris, Chico Buarque caminha agora pelas calçadas de pedra da Parati colonial. É a cidadezinha à beira do mar, com suas casas, igrejas e barqueiros o cenário escolhido para o décimo episódio da série dirigida por Roberto de Oliveira.


O capítulo tem ‘cinema’ como eixo temático e vai ao ar hoje pela DirecTV em sete horários. A exemplo dos anteriores, o episódio alterna relatos, imagens de época e canções do vasto repertório do compositor. Sentado na Casa de Cultura de Parati, Chico fala sobre as idas ao cinema em sua infância e sobre como a sétima arte -épicos, chanchadas, musicais- marcou fortemente sua formação.


A partir daí, começam a figurar na tela filmes e mais filmes. Em alguns deles, Chico aparece em carne e osso, atuando. Em outros, encarrega-se apenas de uma música ou outra para a trilha sonora.


Está lá, por exemplo, ‘Garota de Ipanema’, de 1967, com o Chico – o rapaz em 1967- a cantarolar ‘Um Chorinho’ no seu violão.


Dois filmes marcam a presença do compositor na produção cinematográfica de Cacá Diegues. Se ‘Bye Bye Brasil’ (1979) gerou um dos mais apurados retratos musicais da nação, ‘Joanna Francesa’ (1973) mostra a interação possível entre dois léxicos, entre dois idiomas (como esquecer que a repetição consecutiva de ‘Acorda’ se transforma em ‘D’accord’?).


Da produção recente, entram cenas de ‘Ed Mort’ (1996) e ‘A Ostra e o Vento’, filme de Walter Lima Jr. de 1997.


Mas talvez os melhores trechos do episódio sejam mesmo os comentários sobre as três versões de ‘O Que Será’ (‘Abertura’, ‘À Flor da Pele’ e ‘À Flor da Terra’), música feita para ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’ (1976). Melhor do que a delicadeza das letras, só mesmo a cor esverdeada do mar de Parati.


Chico Buarque Especial – Cinema


Quando: hoje, a partir das 12h, no canal 605 da DirecTV’


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O Globo


Sexta-feira, 30 de dezembro de 2005


LULA NO FANTÁSTICO
Luiza Damé e Rodrigo Hirose


Uma facada sem autor conhecido


‘Mais uma vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva evitou dar o nome de quem o traiu no escândalo de corrupção envolvendo o PT e integrantes do governo mas disse que todo o episódio foi como uma facada nas suas costas. Em entrevista ao ‘Fantástico’, da Rede Globo, que será exibida neste domingo, o presidente admitiu que há indícios de responsabilidade do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.


– Não interessa se foi A, B ou C. Todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas – disse Lula, ao responder à pergunta do jornalista Pedro Bial sobre quem o traiu.


No mesmo dia, em Goiânia, o juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública em Goiás, Ari Ferreira de Queiroz, determinou a indisponibilidade de um carro de propriedade de Delúbio. O veículo (um Chevrolet Ômega CD), ano 2004, é avaliado em R$ 54 mil e será usado como parte do pagamento de R$ 164.695,51 que o ex-tesoureiro teria recebido irregularmente da Secretaria de Educação de Goiás. Segundo ação por apropriação indébita movida pelo Ministério Público, Delúbio teria recebido sem trabalhar por nove anos.


Este período corresponde ao tempo em que o ex-tesoureiro, que era professor de matemática no Colégio Estadual Lyceu de Goiânia, esteve à disposição da CUT. Na decisão, o juiz argumentou que Delúbio ‘mora há 16 anos em São Paulo’ e, portanto, não poderia estar prestando serviços ao estado que justificassem que ele continuasse recebendo da Secretaria estadual de Educação.


A Justiça também tornou indisponíveis bens de duas outras pessoas que tinham relações com Delúbio: a deputada Neyde Aparecida (PT-GO) – um Fiat Palio Weekend – e Noeme Diná, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás (Sintego) – um Renault Clio e um Palio EX. As duas, segundo denúncia do Ministério Público, teriam confirmado, quando estiveram na diretoria do Sintego, que Delúbio aparecia para trabalhar no sindicato, o que não ocorreu.


Um dos advogados de Delúbio e da deputada Neyde Aparecida, Sebastião Ferreira Leite, disse que vai recorrer da decisão. ‘Os dois não foram ouvidos e não tiveram direito de defesa’, alegou o advogado.


Na entrevista ao ‘Fantástico’, Lula repetiu a mesma expressão usada pelo deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ), durante seu primeiro depoimento no Conselho de Ética da Câmara, ao relatar a reação do presidente quando ficou sabendo da existência do mensalão. Segundo o ex-deputado, a reação do presidente foi como a de alguém ‘que recebeu uma facada nas costas’.


Após falar da traição, na entrevista de ontem, Lula voltou a defender o ex-deputado José Dirceu (PT-SP):


– Ele não foi julgado. A CPI vai dizer se ele errou ou não – disse.


Em mais um crítica indireta à imprensa, afirmou que as ‘coisas boas’ do seu governo não aparecem. Ressaltando que falaria somente de 2005, o presidente citou o crescimento econômico, a geração de empregos e os acordos salariais assinados este ano.


– Os acordos permitiram que 85% das categorias conseguissem aumentos salariais acima da inflação – disse.


Um pequeno trecho da entrevista de Lula ao ‘Fantástico’, que vai ao ar em dois blocos, foi assistido por jornalistas no caminhão de transmissão da Rede Globo que estava no pátio do Palácio do Planalto. A produção do programa, ao perceber que a entrevista estava sendo acompanhada, fechou a porta do veículo. Serão entre 37 minutos e 40 minutos de entrevista no domingo. Segundo Bial, o presidente foi afirmativo nas respostas e não parecia desanimado.’


CRISE POLÍTICA
Arthur Dapieve


Buraco negro


‘Se a crise política garantiu o ano dos colunistas de primeiro caderno, amargurou o 2005 dos colegas de segundo caderno. Em tese, o nosso papel é buscar o aspecto ameno do cotidiano, seja contando um causo saboroso, seja sugerindo a fruição de uma obra de arte. Coisas que afastem da mente do leitor a idéia de dar um tiro nos cornos, próprios ou alheios.


Para isso, toda semana é preciso o esforço de pigarrear, trocar de assunto e tentar tocar a vida. Este ano, porém, foi impossível escapar da atração perversa do elenco liderado por caras-de-pau da cepa de Roberto Jefferson, Marcos Valério, Delúbio Soares, José Dirceu e, last but not least , Luiz Inácio Lula da Silva e os 300 picaretas da sua base aliada.


Amalgamados, indistintos em seu desprezo pela coisa pública, eles se tornaram um buraco negro e, como a prostituta do filme ‘Desconstruindo Harry’, passamos a viver dele. A corrupção mascarada de caixa dois atingiu uma densidade tal que criou em torno de si um campo gravitacional do qual nada pôde escapar, nem a luz, muito menos a esperança.


Calar significaria aderir ao silêncio dos intelectuais, que, depois de oito anos gritando ‘Fora FHC’, ficaram roucos e perderam a voz. Insistir perigava, por um lado, exaurir o leitor recém-chegado do primeiro caderno e, por outro, ser apontado como prova viva de uma risível conspiração da imprensa conservadora contra o governo popular.


A imprensa errou feio em 2005, mas não por denuncismo. Pelo contrário: muito do que os envolvidos negam de pés juntos nas CPIs havia sido arrotado em off a jornalistas. Crédulos na pureza do PT, creditamos à bazófia do novo-governismo e não fomos atrás das histórias. Foi preciso Jefferson dar o seu célebre Dó de peito para de fato escutarmos.


Em público, o Planalto ainda repete que o mensalão nunca existiu baseado em duas tecnicalidades, para usarmos a linguagem do Congresso: não haveria recibos da corrupção – a despeito de 400 páginas do relator Osmar Serraglio, da CPI dos Correios – e não haveria repasses regulares mensais – um preciosismo vernacular vindo logo de quem.


Foi um ano de enojar. O monumento a ele, no entanto, não foi erigido em Brasília, e sim escavado na BR-101, altura de Itaboraí: um buraco no asfalto. Quando, na quinta-feira retrasada, a Polícia Rodoviária, obedecendo ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre, federal, interrompeu a operação tapa-buraco do Departamento de Estradas de Rodagem, estadual, 2005 afinal ganhou o seu mais que perfeito símbolo.


Na edição do dia seguinte, o jornal deu, numa página interna, um título tristemente feliz (‘Não tapa nem deixa tapar’), baseado num bordão do todo-poderoso José Dirceu: ‘Este é um governo que não rouba nem deixa roubar.’ Poderíamos, quem sabe, sintetizar a nossa tradição política fundindo o ex-governador paulista Adhemar de Barros (‘Rouba, mas faz’) e o ex-ministro de Lula: o Estado brasileiro rouba, não faz e nem deixa fazer.


Esta é uma tecla em que, entra ano, sai ano, não deixarei de bater: o Estado brasileiro existe para sustentar o Estado brasileiro. Há muito ele deixou de prover o mínimo de educação, saúde, habitação, transporte e segurança aos cidadãos. Quem pode pagar por isso dá uma banana para os que não podem. Contudo, mansamente, paga quase 40% do que produz em impostos que vão se perder em más políticas e boas maracutaias.


As ilhas de excelência pública servem, como sói acontecer, para confirmar a regra. Talvez nenhum exemplo seja melhor do que o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Não só pela qualidade dos serviços como também porque, no início do Governo Lula, algum inepto nomeou outro inepto para dar expediente na Praça da Cruz Vermelha e o Inca parou. O Estado brasileiro tem sido este ‘Rei Midas ao contrário’, para usar Graham Nash.


Há dias, estive conversando com uma estudante alemã, Lia Jaspers, que, dentro de um projeto da Escola de Cinema e TV de Munique, está no Brasil filmando um curta sobre a vitória do Não no referendo do desarmamento. Depois de entrevistas no Rio e em Florianópolis, ela se dizia surpresa com a passividade dos brasileiros. Tem razão. Nosso hábito é ladrar, ladrar e não morder, numa denegação de responsabilidade.


Ao olhar para o passado recente, fica fácil imaginar como será o futuro próximo.


Haverá uma série de crimes pavorosos, que deixarão trinta chacinados numa única noite da Baixada Fluminense, cinco corpos carbonizados num ônibus em Brás de Pina, cinco crianças fuziladas em Niterói, oito jovens esquartejados em Vigário Geral, então descobriremos que estes crimes ou foram praticados diretamente por policiais ou com a cumplicidade de policiais, mas fingiremos não ter nada a ver com isso, fingiremos que não aparelhamos a polícia para nos proteger dos pretos e dos pobres, fingiremos que não a corrompemos para nos livrar de flagrantes por bandalha de trânsito ou por posse de drogas que insistiremos em dissociar do tráfico armado, contra o qual vestiremos branco e faremos passeata na Zona Sul pedindo paz e, assim, apaziguados, pagaremos os impostos e nos indignaremos porque as providências nunca virão, até porque, chegado o dia da eleição, nós votaremos nestes mesmos que estão aí ou, se não nestes mesmos, em outros mesmos.


Enfim, teremos o 2006 que nós merecemos.’


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O Estado de S. Paulo


Sexta-feira, 30 de dezembro de 2005


LULA NO FANTÁSTICO
Leonencio Nossa


Escândalo que atingiu governo e PT é ‘facada nas costas’, diz Lula


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu como ‘facada nas costas’ o escândalo de corrupção no PT e no governo. Em entrevista gravada ontem no Palácio do Planalto ao programa Fantástico, da Rede Globo, Lula novamente evitou citar nome dos aliados ‘traidores’ que promoveram o mensalão. ‘Não interessa se foi A, B ou C’, afirmou, com certa irritação. ‘Todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas.’


Desde que o escândalo foi divulgado, há seis meses, o governo nunca admitiu a existência do esquema de pagamentos a parlamentares em troca de favores. Mas ontem pela primeira vez Lula usou as mesmas palavras do principal algoz dos petistas e personagem que detonou a crise, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), cassado há um mês.


Em depoimento no dia 14 de junho no Conselho de Ética da Câmara, Jefferson relatou que ao contar a Lula sobre o mensalão ‘a reação do presidente foi a de uma facada nas costas’. ‘As lágrimas (de Lula) desceram dos olhos, ele levantou, me deu um abraço, me mandou embora’, disse o petebista. ‘E eu sei que de lá para cá (a fonte) secou porque os passarinhos estão todos de biquinho aberto.’


Ao Fantástico, Lula evitou apontar o ex-ministro José Dirceu como a pessoa a quem acusou de traição em reunião ministerial na Granja do Torto, em agosto. ‘O José Dirceu, a CPI vai mostrar se errou’, ponderou. O presidente acrescentou que é preciso esperar a conclusão da CPI dos Correios para levantar nomes de culpados.


O jornalista Pedro Bial, que fez a entrevista, questionou Lula sobre uma afirmação que fez no dia 7, de que levaria Dirceu para o palanque de campanha. ‘Eu não disse. Eu fui perguntado se o levaria para o palanque’, respondeu o presidente. Na ocasião, numa entrevista para emissoras de rádio, porém, ele foi um pouco além de uma simples confirmação de uma pergunta. ‘Eu levaria Dirceu para o palanque, até porque não se provou nada contra ele’, declarou para as rádios.


Ontem, o presidente voltou a criticar a imprensa. ‘As coisas boas realizadas pelo governo não aparecem. Eu não digo nem nos anos anteriores, digo só em 2005’, afirmou, citando como exemplo o aumento na criação de empregos, a retomada do crescimento econômico e o fato de que 85% dos sindicatos e categorias de trabalhadores conseguiram acordos de reajuste salarial acima da inflação.


CAMINHÕES


As frases do presidente foram ouvidas num período de cinco minutos pelos setoristas dos jornais no Planalto, quando a equipe do Fantástico ainda entrevistava o presidente. Dois caminhões de transmissão da TV Globo estavam com as portas abertas do lado de fora do palácio. Assim que perceberam a presença dos repórteres, os produtores decidiram fechar as portas. ‘Acabou a festa’, disse um técnico da Globo, fechando a porta de um dos caminhões.


Ao deixar o Planalto, Pedro Bial disse em entrevista que a Globo deve levar de 37 a 40 minutos da conversa com o presidente ao ar no domingo, em dois blocos. Bial avaliou que até a fisionomia de Lula estava diferente, numa comparação com a primeira vez que o entrevistou, no Palácio do Alvorada. ‘Mas ele estava muito afirmativo’, disse. ‘Não pareceu desanimado.’


Uma pessoa que acompanhou a entrevista a Pedro Bial relatou que Lula ainda defendeu as investigações sobre as denúncias de corrupção e se recusou a contar se lançará sua candidatura à reeleição. ‘Só estou preocupado em governar. Não é hora de decidir sobre isso’, teria dito o presidente.’


CENSURA NAS DIRETAS
Cristina Padiglione


Caso Diretas-Já foi ‘censura dupla’, diz Boni


‘Deu-se no Conexão Roberto D’Ávila, via TV Cultura, quase na surdina, um depoimento precioso de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – Boni para a massa. Dividida em duas partes, a segunda exibida anteontem, a entrevista com o ex-chefão da Globo expôs detalhes de bastidores sobre um daqueles episódios fadados ao debate inesgotável: a postura da Globo na campanha das Diretas-Já.


Boni cita a então pressão da censura sobre a principal emissora do País, fato evidenciado pela versão oficial da Globo no livro Jornal Nacional – A Notícia faz História (lançado em 2004), mas reforça, além do que o livro tenta nos fazer crer, a responsabilidade de Roberto Marinho na (filtrada) transmissão do primeiro comício das Diretas-Já, na Sé, em São Paulo, dia 25 de janeiro de 1984, exibido pelo JN daquele dia, mas anunciado como uma festa ao aniversário de São Paulo’. Só no meio da reportagem, depois de falar dos 430 anos da cidade, do feriado e do aniversário da USP, é que Ernesto Paglia dizia: ‘milhões de pessoas vieram ao Centro de São Paulo para, na praça da Sé, se reunir num comício em que pediam eleições diretas para presidente’.


Eis o que disse Boni a Roberto D’Ávila:


‘A campanha das Diretas foi uma censura dupla: primeiro a censura da censura, depois a censura do doutor Roberto. Como a televisão é uma concessão do serviço público, eles (militares) sempre mantinham uma pressão muito grande dentro da televisão. No momento das Diretas-Já eles ameaçaram claramente a Globo de perder a concessão ou de interferir mais duramente no entretenimento. Então, o doutor Roberto não queria que se falasse em Diretas-Já. Eu fui o emissário final do pessoal do jornalismo na conversa com doutor Roberto e ele permitiu que a gente transmitisse aquilo ali dizendo que havia um show pró-Diretas-Já, mas sem a participação de nenhum dos discursantes, quer dizer, a palavra e o que se dizia, estava censurado.


O Roberto Irineu combinou com o doutor Roberto que deixasse transmitir os comícios das Diretas-Já e que ele (Roberto Irineu) ficaria na sala dele, com o controle na mão, pra impedir qualquer coisa que fosse mais grave. Era um artifício para convencer o doutor Roberto que aquilo podia ir, tanto que ele foi pra sala dele e jamais cortou alguma coisa. Mas a Globo entrou atrasada na campanha das Diretas-Já por conta da pressão em cima da principal emissora e por conta do doutor Roberto Marinho ter algum temor de perder a concessão.’’


CRISE & PUBLICIDADE
Eugênia Lopes


TCU detecta fraudes em contratos de publicidade


‘Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) detectou irregularidades em contratos de publicidade firmados pelo Ministério do Turismo com as agências Perfil e Agnelo Pacheco, no período de 2003 a 2005. O relatório preliminar do TCU, que foi enviado para a CPI dos Correios, aponta fraudes na execução dos contratos e indícios de ilícitos feitos pelas agências de publicidade, como o pagamento de comissão por trabalhos não previstos nos contratos. No documento, o tribunal propõe que a auditoria seja encaminhada ao Ministério Público Federal ‘para medidas de sua alçada’ em relação aos responsáveis pelas duas agências de publicidade.


O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), confirmou as irregularidades ‘de ordem técnica’ em licitações e renovações de contratos, mas se negou a mencionar valores. Serraglio disse que ‘a CPI está investigando o maior número possível de contratos de publicidade dos órgãos do governo’ e, por isso, o relatório do TCU foi enviado à comissão.


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O relatório ainda não foi votado pelos ministros do TCU. O valor do contrato com a Perfil foi de R$ 16 milhões e com a Agnelo Pacheco foi de R$ 8 milhões. Realizada entre agosto e setembro deste ano, as investigações do TCU examinaram um montante de recursos no valor de R$ 30 milhões, que foram gastos em publicidade e propaganda pelo Ministério do Turismo entre 2003 e 2005. Entre as irregularidades detectadas pelos auditores do TCU na execução dos contratos de publicidade do Ministério do Turismo encontram-se a apresentação de notas fiscais genéricas, sem o detalhamento do tipo de serviço que foi feito.


Os técnicos do tribunal também apontaram que o edital de licitação, apesar de ter passado pelo crivo da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), não definiu a atribuição de cada uma das agências de publicidade no compartilhamento dos serviços para o ministério. Ou seja: a Secom não observou o cumprimento de uma norma que foi estabelecida por ela própria. O TCU detectou ainda que as agências subcontrataram empresas tinham irregularidades junto a Receita Federal. A legislação proíbe que empresas com pendências junto ao fisco façam serviços para o governo federal.


O relatório elaborado pelo tribunal ainda é parcial, precisa ser votado pelos ministros, e está sendo analisado pelos técnicos da CPI dos Correios.


Irregularidades nos contratos firmados com Rede Postal Aérea Noturna (RPN) acarretaram um prejuízo potencial de R$ 86 milhões para a Empresa Brasileira de Correios de Telégrafos, de acordo com auditoria concluída ontem pela Controladoria-Geral da União (CGU). Por esta avaliação, tais contratos foram os mais danosos para os Correios, mas não foram os únicos com irregularidades.


Os auditores apontaram superfaturamento também nos pagamentos feitos à Skymaster, referentes às linhas A e C, entre 2001 e 2005, num total de R$ 58,8 milhões. Para a CGU, a variação de preços cobrado por quilo de carga transportada foi injustificada.


A auditoria ainda pôs sob suspeição o Pregão 037/2001, que licitou as linhas BA-02, T e S, para o qual se apresentaram três empresas do Grupo Abaeté, de nomes diferentes, mas pertencentes aos mesmos proprietários: Abaeté Linhas Aéreas, Atlanta Táxi Aéreo e Aerotáxi Abaeté.


Além de problemas em contratos a CGU encontrou falhas na execução de obras. Uma delas teria sido a do Centro de Tratamento de Cartas e Encomendas (CTCE) de Aparecida de Goiânia, em Goiás.


Os resultados da auditoria foram encaminhados ao Ministério das Comunicações, à Polícia Federal, à CPI dos Correios e outras instituições.’


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