Wednesday, 23 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1310

Marcelo Coelho

‘A vida do consumidor era mais simples antigamente. Ninguém precisava saber qual a melhor ‘operadora’ de DDD, qual oferecia a melhor taxa, em que horário e para qual cidade. Ninguém tinha de mostrar o cartão de fidelidade quando precisava de remédio na farmácia. As fitas para máquina de escrever serviam em qualquer modelo; agora, tenho de levar anotado o nome da minha impressora quando vou comprar os cartuchos de tinta.

O pior é que o balconista da papelaria também tem de consultar uma tabela complicada se eu tiver ‘optado’ por um ‘similar nacional’. Compensa? Não compensa? Esse cartucho tem tantos mililitros a menos, mas custa metade do preço. De modo que, calculando a durabilidade média da tinta original… Mas quem é que leva calculadora no bolso? Pobre articulista! Não sabe que o celular já traz uma instalada dentro?

É claro que não tenho um celular desse tipo. Se tivesse, teria de contratar uma ‘operadora’ só para mim. Fico bastante nervoso quando vejo nos suplementos de informática aquelas fotos em que aparece uma japonesinha sorridente segurando encostado no rosto um microdispositivo qualquer de última geração. O máximo de tecnologia alia-se a uma técnica publicitária que remonta aos tempos do refrigerante 7-Up e do esmalte Colorama.

E os aparelhos de TV? Há uns dez anos, uma televisão era sempre uma televisão. Agora, tenho de decidir se quero um aparelho de tela horizontal, como as de cinema, ou com o habitual formato quadrado que sempre conheci. Wide screen, acho que é esse o nome.

Mas aqui paro de reclamar. Graças a isso me dei conta de que, no cinema, a largura da tela importa. Na TV, as coisas tendem a ser mostradas mais de perto, sem horizonte, sem paisagem, sem ar livre. Prevalece ali o retrato 3 x 4, o familiar, o claustrofóbico, o mexerico, enquanto a tela do cinema se abre mais ao largo, à aventura, ao desgarrado.

Qualquer especialista em linguagem audiovisual deve estar cansado de considerações como essas. A importância de uma tela ampla que privilegia os movimentos horizontais é, entretanto, uma das coisas que eu queria comentar a respeito do lindo filme ‘Passagem Azul’, do taiwanês Yee Chin-Yen, em cartaz no Cinesesc, em São Paulo.

Não é nenhum épico, nenhum ‘road movie’. Ao contrário, nada podia ser mais intimista do que a história de três adolescentes (duas meninas e um garoto) num colégio público chinês. No começo, parece a coisa mais água-com-açúcar do mundo: estamos às voltas com a paixonite de uma colegial pelo campeão de natação da escola num mundo que parece desconhecer a realidade das drogas, da violência urbana, da cultura de massa.

As relações entre as amigas, a expectativa de namoro que envolve os três personagens e a simpatia confusa e supostamente autoconfiante do rapaz aos poucos dão origem a uma pequena obra-prima de sutileza e compreensão psicológica -eu diria mesmo de otimismo no que diz respeito às relações humanas em geral e à adolescência em particular.

Não dá para contar muito mais do filme. O que tem isso a ver com a tela retangular? É que, enquanto as personagens tentam se entender umas às outras e, mais ainda, a si mesmas, num esforço ‘vertical’ de concentração, de interiorização, de aprofundamento pessoal (que cabe ao espectador intuir vagarosamente), nas imagens do filme predominam os movimentos horizontais, de vaivém: de noite, o garoto nada sem parar na piscina da escola, enquanto uma das meninas caminha pela borda da piscina, acompanhando-o sem descanso. Ou então os personagens andam de bicicleta lado a lado; as filmagens parecem se dar constantemente ao rés-do-chão, como que figurando as idas e vindas do relacionamento dos três.

Os ímpetos e os recuos da sexualidade, do orgulho e da amizade só podem despertar a simpatia da platéia de qualquer parte do mundo. Ao mesmo tempo, tudo se cerca de uma obsessão, de uma obstinação, de um laconismo que não hesitaríamos em classificar de orientais. Uma cena muito freqüente em ‘Passagem Azul’ (e este traço poderia aborrecer bastante o espectador, não fosse a graça da situação) é a de uma personagem que repete a pergunta várias vezes para outra (‘Por que você me procura?’ ‘Quer me beijar?’ ‘Onde você esteve?’) e só obtém o silêncio como resposta.

Fiquei pensando se muito da irritante teimosia dos adolescentes, quando se trancam no quarto e não querem conversar com ninguém, por exemplo, não se deve mais à necessidade que eles têm de viver a dor, a paixão e a dúvida por conta própria, e não tanto ao instinto de rebeldia e de agressividade que costumamos identificar nessa atitude.

A escola taiwanesa ostenta padrões militares de rigidez, mas não desempenha papel de relevo na história; tampouco a autoridade dos pais intervém sobre os personagens. É como se uma organização externa e impessoal, visível, mas pouco invasiva, abrisse espaço para uma situação psicológica em que cada personagem só pode esperar, sem saber de nada, as próximas ordens do coração.

Diante da decepção amorosa, uma personagem conversa com a mãe: ‘Como foi quando papai abandonou você? Como você conseguiu resistir?’. A mãe, estendida na cama, a princípio não responde. Depois, diz apenas: ‘Resisti, nada mais’. O filme transmite uma bela confiança na passagem do tempo. A sensação de que nem tudo pode obter resposta imediata, apesar das urgências que sentimos, é talvez crucial para a adolescência, mas vale também para qualquer outro momento da vida.

‘Passagem Azul’ nada tem de antiquado. Mas, num mundo de consumo acelerado e obsessão computadorizada, faz bem importar de Taiwan coisas bem simples, essenciais e despojadas, em vez da tralha tecnológica de sempre; esse filme faz com que os olhos descansem e o espírito se alargue bastante.’



Fernando Paiv e Fernanda Pressinott

‘A publicidade vai conquistar a telinha’, copyright Teletime, 30/9/04

‘Depois dos jornais, das rádios, das TVs, da internet e dos outdoors, a publicidade prepara-se para invadir a telinha dos telefones celulares brasileiros. A possibilidade de utilizar os terminais móveis como ferramenta de marketing faz brilhar os olhos dos publicitários. Experiências de sucesso no exterior são muitas, mas, por aqui, ainda é preciso convencer as operadoras, os anunciantes e, principalmente, os próprios usuários.

O celular tem características que o tornam extremamente atraente para o marketing. A principal é estar permanentemente ligado e junto do consumidor. Outra qualidade é permitir a interatividade com o cliente, o que abre um leque enorme de possibilidades para as mentes criativas dos publicitários. Vale destacar que o tempo médio de resposta a uma mensagem de texto (SMS) é de apenas 2,5 minutos, enquanto um e-mail leva em média 3,5 dias, segundo o sócio-diretor da Ad Mobile, empresa especializada em marketing em telefonia celular, João Pedro Serra.

A quantidade de consumidores que respondem a uma campanha via SMS pode chegar a até 25%. Esse percentual é altíssimo, pois no marketing direto uma taxa de resposta de 3% já é considerada um enorme sucesso. Para completar, soma-se a tudo isso a previsão do IDC de que em 2004 o número de usuários de telefonia celular no Brasil que sabem ler e enviar um SMS (23 milhões) ultrapassará o de usuários de internet domiciliar (19 milhões).

Todas essas vantagens podem não significar nada se o marketing via celular começar a incomodar os consumidores. Por isso, existe uma grande preocupação para que não ocorra com o SMS o que aconteceu com os e-mails. Ou seja, é preciso evitar o spam no celular. ‘Ninguém quer receber uma mensagem que não seja de seu interesse’, resume a diretora geral da Tiaxa, Ann Williams. ‘O celular não dever ser usado para o marketing de massa, mas sim para o marketing direto, personalizado’, explica o sócio-diretor da m-Direct, empresa de mobile marketing, Paco Torras.

Existe um consenso entre os atores envolvidos – operadoras, agências de publicidade, anunciantes etc. – de que o marketing via celular requer a autorização do usuário. Essa permissão é conhecida como ‘opt in’ e pode ser obtida de diversas formas: através de cadastros em lojas; por meio de formulários em páginas da internet; ou até via SMS, a partir de um convite feito em outras mídias, como outdoors, comerciais de TV e de rádio. Quanto mais objetiva a autorização, melhor. É importante deixar claro qual será o tema das mensagens, por quanto tempo o usuário as receberá e com que freqüência elas serão enviadas. Além disto, é preciso que em todo SMS de propaganda exista a opção de cancelar a autorização, o chamado ‘opt-out’.

Conquistar autorizações para mobile marketing normalmente requer a oferta de vantagens para o usuário. ‘É preciso recompensá-lo pelo opt-in’, recomenda o diretor de marketing da nTime, Rafael Duton. É por isso que uma das formas mais comuns de marketing via celular consiste no envio de m-coupons, ou ‘cupons móveis’ (mensagens de texto que oferecem prêmios e descontos).

Outra maneira é patrocinar serviços. A TIM, por exemplo, oferece serviços gratuitos de notícias em SMS, na Itália – as mensagens trazem pequenos anúncios no início do texto. A Claro experimentou esse modelo em 2000, quando ofereceu informativo em SMS sobre as Olimpíadas de Sidney, patrocinado pelo McDonald´s. Os clientes ficaram satisfeitos, mas o anunciante não. Isto porque os consumidores associaram o serviço mais à marca da operadora do que à da cadeia de fast food.

Quanto ao marketing de relacionamento, o celular é considerado uma ferramenta de extrema utilidade, pois serve como ponte rápida, barata e confiável para uma empresa se comunicar com seus clientes.

Contudo, a maior aposta dos especialistas está em conciliar as tradicionais e potentes mídias de massa com a interatividade do celular. Um exemplo: é solicitado aos consumidores que participem via SMS de uma promoção na TV. Para tanto, deve-se utilizar um número único e nacional, que sirva para todas as operadoras brasileiras, fornecido geralmente por empresas integradoras, ou brokers. ‘Assim, a interatividade por SMS serve também para mensurar a eficácia de se anunciar nas outras mídias’, destaca Torras, da m-Direct.

Outra opção que envolve interatividade com o usuário é a criação de jogos promocionais via SMS. Esse modelo obteve bastante sucesso na Nova Zelândia, quando relacionado a eventos esportivos. ‘Ficamos surpresos com o entusiasmo do público. Tenho certeza que algo similar poderia dar certo no Brasil’, aposta o gerente de patrocínios da Telecom New Zealand, principal operadora móvel daquele país, Scott Sargentina.

Duton, da nTime, aponta outro exemplo: ‘Na Europa, uma empresa de cosméticos anunciou em outdoor um teste com perguntas de múltipla escolha via SMS para descobrir qual é o tipo de cabelo do cliente. Ao fim de dez perguntas, a resposta vinha acompanhada de uma sugestão de shampoo fabricado pela companhia especialmente para aquele tipo de cabelo. Aproximadamente 90% dos usuários responderam todas as dez perguntas’, relatou. Neste caso, o usuário aceitou a propaganda porque se interessou em saber mais sobre seu próprio cabelo. A Time, por ter experiência com jogos em SMS, como o Quiz e o ‘Vivo em Ação’, estuda a possibilidade de atuar nesse campo.

O marketing em telefonia celular não se limita ao SMS. Os publicitários podem utilizar também mensagens multimídia (MMS). Um exemplo em funcionamento no País é o download de trailers de filmes que estão em cartaz nos cinemas. O dono da produtora SK8, que faz a adaptação dos trailers para serem vendidos aos clientes da Oi, Nilo Peçanha, explica que as distribuidoras cedem o conteúdo de graça, pois encaram o MMS como uma forma de promoção de seus filmes. Para pagar os custos de uso da rede da Oi e os gastos da SK8 com a adaptação do vídeo é cobrada do usuário uma taxa de R$ 1,99 por download. Deste total, 40% ficam com a produtora. ‘Quando nossa audiência for realmente grande, poderemos cobrar das distribuidoras pelo espaço publicitário’, acredita Peçanha.

E não se pode esquecer que outras tecnologias estão surgindo, como o streaming de vídeo.

Empresas como a Ad Mobile e a m-Direct têm como proposta trabalhar em parceria com agências de publicidade para elaborar o braço ‘móvel’ das campanhas. Elas estão entre as mais entusiasmadas com o potencial dessa mídia no Brasil, mas ainda enfrentam o preconceito de operadoras, anunciantes e das próprias agências de publicidade.

As teles já utilizam há muito tempo o celular como ferramenta de marketing, enviando mensagens sobre promoções e novos serviços. Apesar disto, as operadoras são cautelosas quando o assunto é abrir espaço para terceiros, com receio de que o mobile marketing seja comparado ao spam. ‘É preciso tomar cuidado para não saturar e desvalorizar esse canal’, explica o gerente de serviços e produtos da Claro, Marco Quatorze. A operadora toma suas precauções e limita em quatro por mês o número de mensagens com propaganda própria enviadas para sua base. A Vivo, por sua vez, sequer concedeu entrevista sobre o tema, informando apenas, por meio de sua assessoria de imprensa, que ‘em primeiro lugar está a privacidade de seus clientes.’

Do lado das agências de publicidade também há resistência. Algumas temem que campanhas veiculadas em celulares rendam menos dinheiro, pois as agências recebem um percentual sobre o custo do espaço publicitário contratado. ‘Eu me sinto evangelizando os publicitários, quando visito as empresas para divulgar as vantagens do mobile marketing’, compara Serra, da Ad Mobile. ‘Elas (agências) só se moverão quando os anunciantes pedirem’, prevê o diretor de negócios da Vola, uma integradora de SMS, Rodrigo Leal.

Infelizmente, os anunciantes também caminham a passos lentos. ‘Alguns clientes resistem à idéia, apesar de ser uma mídia barata’, comenta Simone Barreto, diretora de contas da agência Ação Propaganda, uma das poucas que já realizou campanha via celular no Brasil. Mesmo as multinacionais que utilizam mobile marketing na Ásia e Europa parecem ter um pé atrás no Brasil, relatam as fontes. ‘As empresas aqui ainda estão entendendo como isso funciona’, comenta Williams, da Tiaxa. Talvez a explicação esteja no fato de o SMS ser popular no Brasil apenas entre os jovens, enquanto na Europa e Ásia atinge uma faixa etária mais ampla da população. ‘O uso do mobile marketing não começará pelas empresas líderes. O caminho será aberto por aquelas menores que podem e precisam ser mais audazes’, prevê Serra, da Ad Mobile.

Além do preconceito, o marketing móvel no Brasil enfrenta alguns problemas técnicos. Torras, da m-Direct, reclama da demora em se conseguir um número único de SMS que funcione em todas operadoras, o chamado large account. ‘Na Europa, esses números estão disponíveis para serem comprados a qualquer momento. É como se estivessem na vitrine. No Brasil, pode demorar até seis meses para se conseguir um’, critica. A razão para a demora está em dificuldades técnicas, como a interconexão de sistemas de billing. Entretanto, com a consolidação do setor em grandes grupos e a integração de suas plataformas, a tendência é de que o problema desapareça.

Outra barreira a ser superada é a falta de um modelo comercial padronizado entre as operadoras. ‘Algumas não aceitam projetos pequenos, com um tráfego baixo de mensagens’, afirma Torras.’



INLCUSÃO DIGITAL
Carlos Eduardo Zanatta

‘O senhor dos excluídos’, copyright Teletime, 30/9/04

‘Paulistano de 43 anos, sociólogo com mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, onde apresentou a dissertação ‘O poder no ciberespaço: Estado-Nação, controle e regulamentação da internet’, Sérgio Amadeu coordenou a proposta de Governo Eletrônico da Prefeitura de São Paulo, responsável pela instalação dos telecentros na capital. É professor licenciado da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e atualmente preside o ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação), autarquia vinculada à Casa Civil e criada ainda no governo FHC para iniciar o processo de certificação digital. No atual governo, assumiu a missão de estimular a inclusão digital no País e a utilização dos softwares livres.

Na entrevista que concedeu a TELETIME, Amadeu diz que quer negociar com as operadoras para que participem do projeto social, mostrando-lhes que o equipamento público deve ter o acesso garantido, independentemente do que elas contribuem para o Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust). Este fundo, diz ele, segundo a lei não pode ser usado para a inclusão digital. E é preciso ‘resolver a incoerência da lei.’ TELETIME – Qual o diagnóstico que o governo brasileiro faz da exclusão digital no País?

AMADEU – O processo de exclusão digital no Brasil é muito acentuado, especialmente porque as diversas tecnologias de comunicação e informação adquirem grande centralidade e importância econômica cada vez maior. Se não capacitarmos rapidamente nossa população para estar apta a utilizar essas tecnologias no seu cotidiano, dificultaremos mais ainda a inserção social dessas pessoas. Ao excluir a maior parte da população da atividade de processar, armazenar e transmitir informações com velocidade, acaba-se criando uma diferença muito perigosa porque poderá se tornar uma diferença cognitiva. Somente a autonomia no uso das linguagens básicas da sociedade da informação permitirá que as pessoas possam defender sua cultura num ambiente de rede e garantir a presença da língua portuguesa neste processo, que é mundial.

É produtivo avançar em tecnologia da informação (TI), em regiões com pequeno desenvolvimento industrial?

É mais fácil levar empregos de TI para uma área muito carente, como o sertão nordestino, do que para uma fábrica que gere empregos. A fábrica tem a lógica e a logística da economia industrial; já os empregos de TI podem surgir imediatamente após a chegada da rede. E tudo relativamente barato: um computador ou um conjunto de máquinas, infra-estrutura de conexão e, principalmente, capacitação. Neste cenário, a inclusão digital é pensada pelo governo como um elemento estratégico.

Quando o atual governo assumiu, qual era a situação concreta dos projetos de inclusão?

Estavam sendo desenvolvidos vários projetos com a intenção de universalizar o acesso, alguns apenas oferecendo a conexão e outros incluindo a capacitação das pessoas. Só que estes projetos precisavam ser unificados para obter sinergia e um resultado mais efetivo. A proposta é integrar aquele conjunto de atividades num programa de inclusão digital. Entre os projetos deste programa está o Casa Brasil, a Conexão das Escolas e o Projeto PC Conectado.

Mas, concretamente, o que foi que o novo governo encontrou?

Um programa iniciado, o Gesac (Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão), pensado na gestão anterior para levar conexão por satélite para no máximo três computadores e, na maior parte das vezes, um totem com um único computador. Reformulamos o contrato do Gesac para conectar locais com mais computadores. Em 2003, só o Gesac conectou mais de 3 mil escolas que tinham computador e não estavam na internet. Conectamos também alguns telecentros. Em paralelo foram desenvolvidos os programas de inclusão digital no Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Eletronorte e Petrobrás, além do esforço dos telecentros de informação e negócios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Eram muitas iniciativas.

Qual é o conceito de telecentro para o governo?

Em geral, são equipamentos de uso coletivo com dez computadores em média, todos conectados em banda larga. Alguns telecentros oferecem cursos de capacitação, outros têm projetos sociais; depende do programa e da localidade onde estão sendo implantados.

Como se articula tudo isso?

O objetivo é ter um projeto que possa ser considerado central: o Casa Brasil. Será um telecentro com prestação de serviços de governo eletrônico que inclui serviços bancários, de correio, rádios comunitárias e outros projetos sociais. O coração do projeto é a parte tecnológica: os computadores conectados. A idéia é envolver a comunidade para que ela possa usar os equipamentos em seu benefício; capacitar a população para que ela adquira autonomia de uso. A previsão é instalar mil novos telecentros em 2005.

Qual será a tecnologia de conexão?

Onde não chegar ADSL ou não houver fibra, usaremos satélite, apesar de ser mais caro. A proposta é que todos possam continuar com seus projetos ou aderir ao Casa Brasil colocando seus recursos nesse modelo, que tem um padrão mínimo e integra os programas de governo. Com 20 computadores, em média, em cada uma das mil novas unidades, incorporaremos nas áreas mais carentes do País cerca de 2,5 milhões de brasileiros, que não tinham acesso às tecnologias da informação, nem à internet. E não vai parar aí. Em 2006 pretendemos implantar 3 mil e em 2007 mais 3 mil. Isso assegurará ao menos um equipamento Casa Brasil em cada município brasileiro.

Como é que isso será administrado?

O projeto ainda está sendo finalizado. Serão capacitados implementadores, funcionários de estatais, que tratarão com entidades da sociedade civil local, ONGs e prefeituras. Serão escolhidas prioritariamente áreas com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Os espaços físicos serão cedidos por ONGs ou prefeituras para reduzir os custos de implantação. Além dos computadores novos, utilizaremos computadores recondicionados. A missão dos implementadores será reunir a comunidade em torno do Casa Brasil, explicar o que é o projeto, montar um conselho gestor da comunidade para acompanhar a instalação. Cada Casa Brasil terá características próprias, pois o segredo é envolver a comunidade. Por um período de tempo, a manutenção dos computadores será paga pelo governo. Depois, o Casa Brasil passa a ser administrado pelas ONGs, prefeitura ou um conjunto de empresas que queira manter.

E o salário dos implementadores?

Este é o ‘segredo’ do projeto. Não adianta jogar o computador lá e não ter ninguém que introduza a comunidade ao seu uso. Inclusão digital não é simplesmente acesso à máquina, mas à TI e isso requer capacitação. O governo pagará com dinheiro do orçamento. É um programa com custo muito baixo para o impacto que deverá ter. O projeto é barato porque nós usaremos computadores sem HD (disco rígido). O modelo é um servidor em cada unidade com HD, memória RAM e processamento muito alto, onde serão pendurados de dez a 20 computadores sem HD com baixo processamento. Quando uma destas máquinas quebrar, é só tirar da tomada e colocar outra. Os Correios fariam a manutenção deste hardware e nós nos concentraríamos nas configurações, suporte e manutenção dos servidores. Além do mais, será usado software livre: um conjunto de pacotes extremamente amigáveis e de grande qualidade, sem gastar um tostão.

E quem paga a conexão?

Tentaremos negociar com as operadoras mostrando que equipamentos públicos devem ter acesso garantido, até como uma contrapartida para elas. São equipamentos coletivos sem objetivo de lucro. Mas, em último caso, o governo terá que assegurar a conexão. Com esta rede relativamente barata, o maior custo será a conexão. Há outro custo grande, que precisa ser garantido: o pagamento dos monitores da comunidade, que serão capacitados para operar e gerenciar o telecentro. Isto criará os replicadores de tecnologia, sem deslocar gente de suas localidades.

Quando o sr. diz que as empresas terão que dar sua parte, elas já pagam o Fust…

Certo, mas para utilizar o dinheiro do Fust é preciso uma mudança na lei. Ao ser lançado, o Fust destinava-se à telefonia e era óbvio que, neste caso, teria que ser feito pelas operadoras. Só que, com o passar do tempo, até por pressão da sociedade, percebeu-se que o Fust deveria universalizar o acesso à internet. Então complicou porque ele não fora planejado para isso.

A lei do Fust fala de inclusão digital…

Fala, mas não permite que se use. Não funciona. O melhor é definitivamente resolver a incoerência da lei.

Então o dinheiro do Fust será necessário para a inclusão digital?

Não tenho dúvida. No Casa Brasil não é necessário lançar mão do dinheiro do Fust. Este, na minha opinião, deverá ser usado prioritariamente para informatizar e conectar as escolas brasileiras, inclusive capacitando professores. Sem ele, o ritmo de conexão será muito lento, colocando em risco o padrão de educação de nosso País. Atualmente, há apenas 9 mil escolas conectadas, para 20 mil onde há salas de informática.

Ser for este o objetivo, qual o problema de a Anatel administrar os recursos do Fust?

O governo é quem deve administrar esses recursos, aplicando-os de acordo com suas prioridades de política pública. Quem faz política pública não é a operadora, nem a agência reguladora, mas os ministérios. Não há dúvida que esse trabalho de inclusão digital será feito com base nas redes de telefonia já instaladas, porque ninguém pretende construir outras redes. Em algumas regiões, há banda sobrando. Espero que o governo feche uma posição sobre isso.

O substitutivo do deputado Leonardo Picciani (PMDB/RJ) para o projeto de agências reguladoras transfere os recursos do Fust para o Ministério das Comunicações…

A Anatel é uma agência reguladora, e quem regula não executa. Apenas fiscaliza. É só pegar esses recursos e, de acordo com a política determinada, abrir a licitação para empregá-los. Do jeito que está, quem comprará os computadores, por exemplo, são as empresas, o que não tem cabimento. Veja bem: ao recolher nos bancos o dinheiro da CPMF para utilizar em serviços de saúde, não é o Banco Central, como órgão regulador dos bancos, quem decide e se responsabiliza pelo que comprar e onde instalar.

A idéia de tirar o Fust da Anatel deve ter saído do ITI, porque nem o próprio Minicom declarou-se com tanta clareza como o sr. o fez agora.

As pessoas que ocupam os órgãos públicos têm que deixar claro o que pretendem fazer. Dentro do governo existem pessoas e órgãos que defendem que o governo, e não a agência reguladora, faça e execute a política pública. Temo que, de outra forma, não consigamos gastar o dinheiro do Fust, porque ficará uma guerra na Justiça. Uma coisa é certa, a lei do Fust precisa mudar para que possamos gastar este dinheiro.

Como o sr. avalia a proposta do Serviço de Comunicação Digital?

Foi uma tentativa de gastar esse recurso dentro do quadro legal estabelecido. Eu acho, que pelo resultado da consulta pública, da qual nós também participamos, fica clara a dificuldade de implementação. Para dar certo, era preciso um consenso enorme que não aconteceu.

O que é a proposta de PC conectado?

O processo de inclusão digital nas camadas mais pauperizadas deve ser paralelo ao incentivo aos que têm um mínimo de recursos para o uso de computadores conectados. A proposta de PC conectado é financiar um computador para quem possa pagar uma prestação bem barata por um computador que já venha com a conexão. Ainda estamos estudando a viabilidade do projeto, mas a idéia é que uma pessoa que pague R$ 50 por mês possa ter um computador com um número de discagem e 20 horas de conexão embutidas neste preço. A proposta tem sido bem aceita pelas operadoras. Fizemos a avaliação de programas de financiamento de computadores um pouco mais caros, como o computador do milhão, por exemplo, e verificamos que centenas de milhares de pessoas se inscreveram, mas não tiveram seu cadastro aprovado. Se conseguirmos colocar mais uns 3 milhões de computadores nas casas, conectados à internet e com baixo custo, daremos um enorme salto de qualidade.

O número de iniciativas do governo tem criado problemas de sobreposição?

A nossa miséria é tanta que não há sobreposição geográfica. O que deve ser feito é um planejamento coordenado com um padrão mínimo. Estamos consolidando um mapa com todos os telecentros já abertos para fazer um planejamento georreferenciado.

Quais são os principais entraves para a inclusão digital no Brasil?

Um grande entrave é a enorme concentração de renda existente no País, o que obriga o Estado a ser o principal indutor do processo, além das desigualdades regionais e baixa qualidade do ensino. Ou o governo gasta recursos públicos para fazer a inclusão digital, ou não haverá inclusão digital no Brasil. Cabe ao Estado intervir neste círculo virtuoso. É claro que existem também problemas de infra-estrutura, mas estes são os problemas principais.’