Sunday, 10 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Evento na USP debate digitalização e violência contra jornalistas

(Foto Divulgação)

A Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, realizou, no dia 9 de outubro, o seminário “Digitalização e Violência contra Jornalistas na Era da Desinformação”. Organizado pelos grupos de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade (JDL) e Grupo de Pesquisa em Comunicação, Jornalismo e Mídias Digitais (Com+), o evento teve exposição da professora Elizabeth Saad, docente do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da ECA, e coordenadora do Com+. Nadini Lopes, jornalista, professora do Centro Universitário Belas Artes, e pesquisadora do JDL, participou como debatedora.

Com mediação de Vitor Blotta, professor do CJE e coordenador do JDL, o seminário tratou da relação entre digitalização e desinformação, num debate sobre as transformações no universo da comunicação e as novas dinâmicas de violência contra jornalistas.

Mediação e midiatização

Uma das líderes do projeto Safety Matters, iniciativa que monitora a violência contra jornalistas em diferentes países, a professora Elizabeth Saad falou sobre as mudanças econômicas e técnicas a afetar a produção da comunicação em ambientes digitais: “Temos que entender que esse é um cenário que faz a midiatização de tudo; tudo se torna midiático”, apontou. “Essa midiatização é globalizada. E ela foi capturada pelas big techs e pelo capitalismo de plataforma.”

Nesse cenário de captura do universo social pelas novas tecnologias de comunicação, as dinâmicas de mediatização se confundem, também, com as de monetização. Um movimento que, lembra a professora, pode levar a ruídos e abusos. “Existe um cenário, um contexto extremamente favorável para a geração de inverdades, desinformações e violências. Não há qualquer tipo de regulação ou verificação – por complicado que seja usar essas palavras no momento em que vivemos. Embora eu admire quem faz fact-checking, o fact-checking acontece depois do problema, e não antes.

“Violências contra jornalistas

A transição do debate público para a esfera digital é também, para Elizabeth Saad, um fator a evidenciar a violência contra jornalistas em suas diversas formas. “Primeiro, precisamos entender a amplitude e a definição do que é violência. Violência não é apenas discriminação ou a execução de um ato físico. Violência é algo mais amplo, especialmente quando consideramos o campo que não é físico.”

Para Saad, é importante levar em consideração as dimensões do trauma e da violência psicológica ao tratar de ataques contra jornalistas: “Quando falamos de ataques morais e emocionais, coordenados digitalmente, isso também causa traumas. Muitas vezes esquecemos de incluir o termo ‘trauma’ no campo da violência. Os traumas podem ser psicológicos, emocionais e também físicos.”

“Temos uma correlação da violência com esses contextos sociotécnicos contemporâneos, decorrentes da relação da sociedade com a tecnologia. O discurso de ódio, a desinformação, as notícias falsas, a biopolítica e a necropolítica, que muitas vezes esquecemos de pesquisar, são questões muito sérias e importantes”, completou a professora.

O papel do jornalismo e educação midiática

A dimensão institucional do jornalismo foi, também, apontada por Elizabeth Saad como um fator relevante. “Precisamos entender por que o jornalismo é tão atacado. Isso acontece porque ele é um construto social relevante e legitimado; não está solto no ar. O pessoal diz ‘ah, o jornalismo é o Quarto Poder’, mas não é exatamente isso. Ele é uma instituição dentro da sociedade.” E completou: “Sendo uma instituição e central no processo de formação da opinião pública, o jornalismo se expõe, por assim dizer. Ele está na linha de frente, e por isso é um dos primeiros a ser atacado.” A exposição de Saad foi debatida por Nadini Lopes. Doutora em Ciências da Comunicação pela USP e pela Universidade do Porto, Lopes propôs um diálogo com a relação entre mídia e poder. “Nos informamos por meio da mídia, e isso já é uma discussão antiga: quem controla a comunicação midiática, controla o poder.” E completou: “Mas, agora, a comunicação midiática não acontece apenas na mídia tradicional ou com quem detém o poder oficialmente. Esse poder foi descentralizado e espalhado pelas redes sociais e pela internet, onde todo mundo tem voz.”

Para Nadini, as transformações no universo da comunicação pedem, hoje, que o ofício jornalístico ande próximo às ações de formação midiática. “Claro, vamos continuar fazendo nossos trabalhos dentro da academia, do jornalismo, do debate, trazendo a verdade, os dados, as informações. Mas acho que precisamos pensar em uma educação midiática que comece já na infância.” Por fim, ficou a sugestão de que o jornalismo e a formação para o universo da comunicação entrem, também, na sala de aula. “Quando a criança vai para a pré-escola, ela precisa começar a entender o que é mídia. Isso até suscita outras questões: será que o jornalismo ou a compreensão da imprensa deveriam ser matérias fundamentais no ensino fundamental e médio?”

O seminário pode ser visto na íntegra no YouTube:

https://www.youtube.com/live/eKu9AfkR90E?si=9Vh-fN7ty-HiGH0J&t=5088

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Tiago C. Soares é é jornalista e doutor em História Econômica pela USP. É integrante do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade (ECA-IEA/USP), e pesquisador bolsista do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia Ciência), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).