Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Marcelo D’Angelo

‘A mídia brasileira certamente não vive os seus melhores dias. Nas últimas semanas, como que costurando o debate do famigerado Conselho Federal de Jornalismo, duas das maiores revistas semanais de informação trocam insultos e acusações, colocando no centro da arena nacional questionamentos graves, porém levianos, sobre a isenção do processo jornalístico e da produção de jornalistas. Dias depois foi a vez de estocadas entre um de nossos declamados decanos e um repórter de longa estrada de um dos maiores jornais do País expondo vias de fato pessoais que em nada interessam ao leitores.

Tentando entender o por quê destas iniciativas, lembro-me de uma frase repetida inúmeras vezes na casa de meus avós: em casa que falta pão, todo mundo chora e ninguém tem razão! Esse debate maniqueísta provoca a memória e surge outra: é o roto, falando do esfarrapado! Sem conseguir sair do pântano dos patrocínios assoreados, xingando uns aos outros, jornais, revistas, rádios, tvs, onlines etc assistem passivamente as retrações graduais e inexoráveis de seus mercados, com circulação, verbas, empregos e finalmente ‘fosfato’ minguando nas redações, uma após a outra. Esse efeito dominó tem exposto o jornalismo à depauperação tanto do ponto de vista de estrutura, com repórteres saindo para cobrirem a pauta do dia de ônibus, pois o patrão não lhes reembolsa o táxi, quanto colunistas de última hora que sem domínio da arte, preenchem espaços com o nada. Seria melhor colocar a tal ‘calhal’, ou talvez até diminuir o número de páginas, para não cansar o pobre leitor.

É por isso que gostaria de homenagear e elogiar a nova página de Millôr na revista Veja. Neste final de semana, Millôr soterra um debate que talvez nem deveria, mas certamente não precisava, ter começado com uma lembrança simples, fundamental. A emenda número um de 15 de dezembro de 1791 que perpetuou a liberdade de imprensa na mais admirada constituição democrática do planeta, a dos Estados Unidos da América. Consiste em apenas uma frase: ‘O Congresso não fará nenhuma lei adotando como oficial do Estado uma religião ou proibindo sua prática, ou restringindo a liberdade de expressão, de imprensa, o direito das pessoas de se reunir pacificamente ou de requisitar ao Estado a reparação de danos ou prejuízos.’ A frase é ainda mais bela no original.

Vale ressaltar também que a Carta Magna americana, promulgada quatro anos antes, tinha apenas sete(!) artigos. A leitura integral não é recomendável apenas para os jornalistas interessados no debate sobre o controle da profissão, mas a todos aqueles que acreditam em democracia. O estudo da Constituição nacional, sim a nossa, brasileira, meio tortuosa, meio sofrida, e também a americana deveria ser parte dos currículos pelo menos a partir do segundo grau.

A frase da primeira emenda também teria sido muito mais eficaz e sutil como tema de redação do recente provão. Torço que a chegada de Millôr às páginas de uma das maiores revistas da história do Brasil signifique também um escancaramento à sutileza, talvez uma de nossas maiores carências nacionais.’



FRANCIS POR PIZA
Elio Gaspari

‘Retrato de Francis’, copyright Folha de S. Paulo, 26/09/04

‘É muito bom o livro Paulo Francis, do jornalista Daniel Piza. Publicado numa coleção de pequenas biografias (120 páginas), consegue contar a vida de Francis mostrando o charme do Rio dos anos 60 e suas caminhadas por Nova York nos anos 80 sem concessão ao folclore. Livrou-o da praga que infesta o anedotário de toda a geração do jornalista morto em 1997, aos 67 anos.

Um personagem odiado pela esquerda da qual se afastou e amado por uma direita de quem nunca gostou merecia um ensaio biográfico como o de Piza. O repórter narra a rotina do escritor. O crítico apresenta as polêmicas de Francis sem tietagem.

Sem folclore e sem tietagens, esse era o mundo em que Francis gostaria de ter vivido.’



ENTREVISTA / JOEL SILVEIRA
Francisco Alves Filho

‘Punhal de víbora’, copyright IstoÉ, 28/09/04

‘A verve do jornalista e escritor Joel Silveira é afiada. Foi cultivada em um tempo em que os intelectuais tinham mais orgulho em conquistar desafetos do que aliados. Algo bem diferente da pasmaceira politicamente correta de hoje. ‘Outro dia li a crítica de um livro e ao fim não sabia se o cabra tinha gostado ou não. Ficou naquilo, não queria elogiar, mas também não queria atacar’, critica. Joel não, é uma víbora, segundo definiu Assis Chateaubriand. Também Manuel Bandeira fez-lhe justiça e descreveu seu estilo como ‘uma punhalada que só dói quando a ferida esfria’. Prestes a completar 86 anos, este sergipano continua mordaz. Sua biblioteca de 15 mil livros tornou-se inútil, já que não pode mais ler por causa da catarata. A locomoção também é difícil, pois é vítima de uma doença misteriosa que fez inchar suas pernas. Mas o atual posto de observação de onde acompanha o mundo, a poltrona de seu apartamento em Copacabana, em frente da tevê, é suficiente para render material de novas críticas, que junta às antigas. ‘Vejo telejornais e documentários. Tem muita porcaria: Clodovil, Hebe, Ratinho e esse abominável João Kleber.’ Sua especialidade é mesmo a história, já que viu muitos dos fatos mais relevantes das últimas décadas acontecerem bem em frente dos seus olhos. Nesta entrevista a ISTOÉ, Joel fala do livro A feijoada que derrubou o poder, que será lançado em outubro, em que torna risíveis os comandantes militares do governo João Goulart, completamente desinformados quanto ao golpe que se avizinhava. Ele lembra seus encontros com Getúlio Vargas e Olga Benário. Desanca a Coluna Prestes, que trata como um mero passeio, e diz que a obra de Jorge Amado – de quem foi amigo – é uma porcaria. Recorda também sua experiência na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Nos dias de hoje confessa-se decepcionado com o governo Lula. Depois de décadas de atuação no semanário Diretrizes, nos Diários Associados, na revista Manchete e em outras publicações, o balanço que o jornalista faz sobre a vida nacional é desalentador: ‘O Brasil é uma farsa.’ Como sempre, Joel não faz por menos.

ISTOÉ – De que trata o livro A feijoada que derrubou o poder?

Joel Silveira – Esteve aqui em casa o Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, perguntando se eu tinha algo inédito. Ele levou cinco quilos de papel e fizeram uma seleção. Primeiro saiu A milésima segunda noite da avenida Paulista e agora vai sair este, A feijoada que derrubou o poder. É a reportagem sobre uma famosa feijoada organizada uma semana antes da revolução de 64 pelo João Pinheiro Neto, que era ministro do Trabalho do Jango e encarregado da reforma agrária. Ele fez a reunião na casa dele, em Copacabana. Estava presente todo o alto escalão militar do Jango: generais, brigadeiros, almirantes e todo o seu suporte político. Só não foi o próprio Jango, mas estava o (Leonel) Brizola. Fomos convidados para essa feijoada eu, Otto Lara Rezende e vários jornalistas. Eu chegava para um general e comentava que a revolução estava prestes a explodir. Aí o general comentava: ‘Fique tranquilo, jornalista. Não vão fazer nada, o Exército está conosco.’ Falava a mesma coisa com o ministro da Aeronáutica e ele: ‘Se os aviões deles subirem, não descem.’ O ministro da Marinha a mesma coisa, estavam todos empolgados. Quatro dias depois, aconteceu o que todos sabem. Ou seja, os ministros militares não sabiam de nada, estavam pessimamente informados. Eu e os outros jornalistas sabíamos mais do que eles. Essa é uma das histórias do livro.

ISTOÉ – O sr. acompanhou de perto vários governos. Que avaliação faz de Getúlio Vargas, tão homenageado agora no cinquentenário de sua morte?

Silveira – Eu vi Getúlio pela primeira vez em 1938, já ditador, na inauguração do primeiro trem elétrico, na Central do Brasil. Fui cobrir a solenidade. Havia o aparato da Polícia Especial, criada especialmente para defender Getúlio. Eram mastodontes brutais, a Gestapo dele. Tentei me aproximar do presidente e levei uma cotovelada que me fraturou uma costela. No segundo encontro, ele estava prestes a cair. Tinha acontecido o atentado da rua Toneleros, os militares já tinham dado um ultimato. Quinze dias antes do suicídio, consegui uma permissão para entrevistar Getúlio, que me recebeu no Palácio do Catete. A primeira impressão que tive dele foi de limpeza, limpeza exterior. O presidente vestia um terno de linho branco imaculado, a camisa branca, bem penteado, cheirando a lavanda inglesa. Mas era muito pequenininho. Me recebeu com toda a gentileza: ‘Como vai, doutor Silveira?’ Eu disse que não era doutor, tinha cursado apenas até o primeiro ano de direito e depois tive de trabalhar. A resposta dele eu nunca mais esqueci: ‘Como diziam meus professores, os frades de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, doutor é aquele que é douto em alguma coisa. O senhor é douto em jornalismo.’ Era um filho da mãe (risos). Passei-lhe um questionário, a entrevista. Ele leu aquilo e transmudou-se, o rosto risonho ganhou olhos fuzilantes. Jogou o papel na mesa e disse que eu tratasse da entrevista com o doutor Lourival Fontes (diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda). Levantou-se, nem me estendeu a mão, virou as costas e foi embora.

ISTOÉ – Qual é o saldo daquele período?

Silveira – Tenho por Getúlio até hoje uma antipatia profunda. Mas acho que se vê melhor as coisas quando se está longe. A minha perspectiva hoje a respeito dele mudou muito. Continuo a considerar que foi um tirano, um ditador feroz. Mas deve-se reconhecer em Getúlio o homem que mudou a situação do trabalhador brasileiro. Instituiu o salário mínimo, a carteira profissional, as oito horas de trabalho, as férias remuneradas. Antes, o operário não tinha direito a nada. Ao mesmo tempo, deu início à industrialização do Brasil, com Volta Redonda. Getúlio teve uma qualidade rara em um governante brasileiro (e olhe que quem fala aqui é um inimigo seu): era profundamente honesto. Vivia do ordenado dele.

ISTOÉ – O sr. acompanhou de perto o caso Olga?

Silveira – Conheci Olga pessoalmente, quando ela foi apresentada à imprensa. Era uma mulher lindíssima. A turma de Getúlio e o pessoal de Olga eram iguais na sua dureza. Tanto assim que acabaram se unindo. Não entendo como (Luiz Carlos) Prestes pôde apoiar Getúlio depois. Eu estava na primeira entrevista de Prestes depois de libertado. Todo mundo estranhou que um homem que tinha passado dez anos na cadeia, sofrendo o que ele sofreu nas mãos de Filinto Müller, apoiasse Getúlio. Ele alegou que o ditador tinha um projeto nacional, criaria a siderúrgica de Volta Redonda, e ele não poderia apoiar outro candidato. A mim não convenceu. Quando voltei da guerra, consegui uma entrevista com Prestes. Fui ao seu encontro com a cabeça cheia do mito do Cavaleiro da Esperança. Ele me perguntou se era eu que tinha voltado da guerra. Respondi que sim e Prestes começou a falar sobre o Exército brasileiro como se fosse ele quem tivesse estado na guerra. Não fiz uma pergunta sequer. O mito acabou ali. Analisando bem hoje, o que foi essa Coluna Prestes? Não foi nada, não combateu sequer Lampião. Passearam por aí e no fim um foi para a Bolívia, outro foi para a Argentina e só conseguiram se defender do governo. Não realizaram nada.

ISTOÉ – Quanto tempo o sr. passou na guerra? Onde esteve?

Silveira – Estive no front nove meses e 11 dias. Passei em várias cidades italianas, de Nápoles para cima. O correspondente de guerra de hoje pode cobrir o conflito do bar do hotel. Naquele tempo era preciso acompanhar as tropas, o jornalista era como um soldado, estava lá na frente com eles. Era um trabalho terrível. Era risco verdadeiro. Escapei de morrer na cidade de Gajomontano por um estilhaço de granada. Um colega levou um tiro na mão, teve de fazer uma cirurgia. A guerra é uma coisa horrorosa. O pior não é propriamente o combate. O pior é por onde a guerra passa, o que ela deixa para trás. É a subversão de todos os valores. A gente vê um pai entregando a filha por uma barra de chocolate, uma coisa horrorosa.

ISTOÉ – Entre as personalidades que o sr. conheceu, quais as que mais o marcaram?

Silveira – Fui muito amigo do Jânio Quadros. Tinha esperança de que ele fizesse um bom governo, mas fez aquela patifaria de renunciar. Depois que saiu do poder me aproximei dele. Sempre que perguntava por que tinha renunciado, Jânio dava aquela interpretação de que ‘as forças ocultas não me deixaram governar’. No meu entender, a gota d’água foi outra. Ele recebeu um dia uma informação de que dona Eloá, sua mulher, ia ser intimada a depor. Uma sacanagem do Congresso. Você sabe que em Brasília não se pode construir nada sem que o Oscar (Niemeyer) seja consultado. No Alvorada havia muitos pombos e dona Eloá mandou fazer um pombal nos fundos. Pronto. O Congresso decidiu que ela deveria ser intimada. Jânio soube disso e jamais permitiria que ela passasse por isso. No meu entender, essa foi a gota d’água para sua renúncia.

ISTOÉ – E na área da cultura?

Silveira – Admiro muito o Graciliano Ramos. O Brasil tem somente dois grandes autores, dignos de serem chamados de escritores: Machado de Assis e Graciliano Ramos. O resto é o resto. Conversava muito com Graciliano, sempre amargo, gostava muito de uma cachacinha. Era uma figura fabulosa. Depois da morte dele, entramos na entressafra literária. Há um ou outro que tenha publicado um bom livro, mas não um conjunto de obras como tinham Graciliano, Machado de Assis, José Lins do Rêgo. Jorge Amado não. Jorge Amado é uma porcaria, sempre foi. Fui amigo do Jorge, depois rompemos. Não gostava da sua maneira de agir, ele não era imoral, era amoral. Lembro de uma história muito engraçada. Estávamos Graciliano e eu na Livraria José Olympio, quando era na rua do Ouvidor. Chegou o Jorge Amado e o Graciliano disse: ‘Ô Jorge, você tem uma imaginação fabulosa, por que não aprende a ler, a escrever? Por que não vai para uma escola pública?’ Eu achei engraçadíssimo. Graciliano era muito perverso. Um dia dei um conto meu para que ele fizesse uma avaliação. Começou a ler, aquele cigarro na boca, leu, leu e depois fez assim (imita o gesto de rasgar em pedacinhos uma folha de papel). Rasgou de uma forma que eu não pude nem emendar. Não disse uma palavra e depois me convidou: ‘Vamos ali fora beber uma cachacinha?’ E não falou mais no assunto. Uns quatro, cinco anos depois, me encontrei com ele num almoço e eu o abordei: ‘Mas, Graciliano, e aquele conto que eu dei para você ler, você nunca me fez a crítica.’ Ele então disse: ‘Horroroso. Horroroso.’ (gargalhadas)

ISTOÉ – Como observador privilegiado da vida nacional, acha que o Brasil está progredindo?

Silveira – O Brasil é uma farsa. É uma farsa democrática porque não é uma democracia. Não é democrático que um presidente edite todos os dias uma medida provisória. Se temos uma Constituição, obedeça. Mas como os artigos constitucionais não lhe servem, então tome medida provisória! O Lula com dois anos de governo já editou mais de 200 medidas provisórias, como fazia o Fernando Henrique Cardoso. A democracia racial é outra farsa. Quantos generais negros você conhece? Quantos negros há no Congresso? Quantos presidentes de empresas são negros? A economia também é uma farsa. Por muito tempo nos orgulhávamos de ser a oitava economia do mundo. Uma economia que só beneficia uma minoria, talvez 30 mil pessoas numa população de 180 milhões. A concentração de renda no Brasil chega a ser obscena. Nada mais cruel e sovina do que o empresariado brasileiro, o banqueiro brasileiro. De benefício ao trabalhador só dão o mínimo que a lei obriga. A elite brasileira é essencialmente míope. É como aquela frase de Luiz XIV: ‘Depois de mim, o dilúvio.’ Não há solução enquanto não se resolver esse problema da divisão da renda, o que eu acho dificílimo porque a elite não abre mão de jeito nenhum. O povo brasileiro é passivo, não reage.’



MÍDIA & INTERPRETAÇÃO
Mair Pena Neto

‘A Falta Que Uma Análise Faz’, copyright Direto da Redação (www.diretodaredaco.com), 23/09/04

‘O surgimento de novas mídias, de velocidade vertiginosas, já vem há algum tempo forçando a imprensa escrita a repensar seu papel e a maneira de fazer jornalismo. Atualmente, qualquer cidadão com acesso à Internet já chega em casa, após o dia de trabalho, sabendo muita coisa do que aconteceu em sua cidade, no país e no mundo. Os excluídos digitalmente ainda podem se informar pela televisão e dormir a par de quase tudo que estará nos jornais do dia seguinte. Por que a mídia impressa está demorando tanto a se adaptar aos novos tempos? Além das edições online, pouca coisa diferencia os jornais impressos do que lemos diariamente na Internet.

A diferença entre jornal e tv sempre foi a profundidade. Quantas vezes participei de coberturas em que os repórteres de televisão, preocupados com o fato momentâneo, se ausentavam após breve apuração, enquanto nós, os jornalistas de jornal fazíamos mais perguntas e tentávamos extrair do fato o que não se apresentava ali e agora. Esta profundidade do jornal parece ter se perdido no tempo. Parte pode se atribuir ao enxugamento de estruturas, com redações cada vez menores e pouco tempo para apurar e, principalmente, pensar. Outra parte às vezes é difícil de explicar. Parece que se perdeu o senso crítico e a menor capacidade de análise.

Dois fatos jornalísticos me chamaram a atenção recentemente pela abordagem no mínimo ingênua que receberam: as críticas à linha dura do presidente Putin após o massacre de Beslam e as ameaças de expulsão de Antonio Carlos Magalhães do PFL após o jantar com representantes do governo.

As críticas a Putin, que suspendeu eleições e liberdades individuais na Rússia, partiram dos Estados Unidos e União Européia. Ambos afirmaram, em tom solene, que a guerra ao terror não poderia sacrificar o respeito à democracia e aos direitos humanos. Ora, justamente os Estados Unidos e alguns países da União Européia atropelaram democracia e direitos humanos para fazer uma guerra sob justificativas falsas. Após o 11 de setembro, Bush tomou as mesmas medidas de Putin. A notícia mereceria ao menos este questionamento ou então ser dada em tom de ironia. Não se trata de ignorar os fatos, mas de interpretá-los. Será que publicaríamos, sem questionamentos ou ironia, o Maluf condenando alguma conduta fisiológica ou suspeita? Os comportamentos semelhantes de Bush e Putin mereceriam uma boa análise jornalística perfeitamente possível em folhas de jornal, que parecem limitadas à simples notícia.

Pode se alegar que o fato deve ser apresentado da tão apregoada e fictícia maneira imparcial e que a interpretação cabe ao leitor. Seria o recibo de que o jornalismo é um mero repassador de informação, o que desqualificaria o jornalista e o ofício. Sem entrar mais nesse mérito, a informação já está em outras mídias e o que o leitor de jornal espera é mais análise.

O caso de ACM também passou como natural. Um obscuro deputado do PFL chegou a propor, e os jornais reproduziram, a expulsão do senador do partido. Pela leitura dos jornais, o PFL parecia horrorizado com tão alta traição, incompatível com a conduta do partido. Quem não conhecesse a política brasileira pensaria tratar-se o PFL de um partido impoluto, coerente e desapegado do poder.

É esta falta de análise e interpretação das notícias que vem tornando os jornais brasileiros cada dia mais dispensáveis, com reflexos nas vendas, arrecadação e conseqüente demissão de jornalistas. Cria-se um círculo vicioso que os leva cada vez mais para o buraco. A oportunidade de se diferenciarem das outras mídias está posta. É preciso ter a coragem de aproveitá-la para não perder o bonde da história.’