Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Merval Pereira

‘O anúncio da saída de Dan Rather, âncora do principal noticiário da rede de televisão CBS dos Estados Unidos, e notícias de interferências governamentais nos meios de comunicação em dois países europeus, Itália e Portugal, fizeram com que a relação da chamada mídia com os governos e a opinião pública voltasse ao debate.

Os casos podem nos servir de bons exemplos, no momento em que ainda não está definido formalmente o destino do projeto de criação do Conselho Nacional de Jornalismo, apoiado pelo Palácio do Planalto e destinado a ‘orientar, disciplinar e fiscalizar a profissão e a atividade de jornalismo’.

Os da Itália e de Portugal mostram o perigo de um governo ter ascendência sobre os meios de comunicação. O caso italiano está relatado no site ‘Observatório da Imprensa’ pelo jornalista italiano Giulio Sanmartini, e conta a história de Enrico Mentana, contratado há 12 anos por Silvio Berlusconi para fazer um telejornal de bom nível.

Com uma pequena equipe, Mentana partiu do nada, criou o TG5 (canal 5), do qual, além de diretor, era apresentador, e em pouco tempo conseguiu o segundo lugar em audiência, logo abaixo do TG1 da RAI, mas muitas vezes superando-o.

Quando Berlusconi assumiu o poder, Mentana deixou bem claro que não abriria mão do pacto tácito feito com os telespectadores: ‘Estar a serviço do público, e não a deste político ou daquele empresário’. Na quinta-feira, dia 11 de novembro, Enrico Mentana informou ao final do jornal, com os olhos brilhando de emoção, que havia sido demitido.

No dia seguinte, em entrevista ao jornal ‘La Repubblica’, disse que vinha sendo fritado há algum tempo pelo pessoal do Palazzo Chigi (sede do governo), onde dizia-se que, se o TG5 continuasse assim, as eleições estariam perdidas.

O caso de Dan Rather, 23 anos à frente do principal noticiário da CBS, é justamente o oposto: teve que encurtar sua permanência como âncora devido a um erro de reportagem pelo qual se desculpou publicamente. Os órgãos de comunicação nos Estados Unidos estão passando por uma séria crise de credibilidade, que começou a ficar explícita com o caso do repórter mentiroso Jayson Blair, no ‘New York Times’, e até hoje não se encerrou.

Há quem identifique na mais recente crise de credibilidade da imprensa americana, provocada pelo excesso de patriotismo das coberturas da guerra do Iraque, a pressão por lucros, que estaria prejudicando a liberdade de expressão nos EUA. Principalmente na TV com o chamado ‘efeito Fox’– televisão do magnata Rupert Murdoch, que assumiu um noticiário claramente favorável ao governo Bush.

O noticiário ideologicamente carregado nas tintas da Fox, com boa receptividade na opinião pública, teria influenciado as demais redes. A verdade é que os meios de comunicação, de maneira geral, aceitaram pressões da Casa Branca, muito por causa do clima patriótico causado pelos ataques de 11 de setembro. O fato é que o noticiário ficou nitidamente mais oficialista, as fontes passaram a ser citadas pelo ‘New York Times’, por exemplo, de forma anônima muito mais amplamente do que antes.

Até que, primeiro o ‘Times’, depois o ‘Washington Post’, os principais jornais americanos tiveram que fazer uma autocrítica pública de seu comportamento, aceitando versões oficiais que acabaram se mostrando falsas, como na questão dos armamentos de destruição em massa que o governo americano garantia que Saddam Hussein possuía.

Durante a campanha presidencial, talvez para exorcizar o oficialismo, os jornais tiveram uma posição muito favorável ao candidato democrata John Kerry. Um estudo conduzido pelo Project for Excellence in Journalism, da Universidade de Columbia, detectou, por exemplo, que no período em que ocorreram os debates na televisão entre os dois candidatos, a cobertura foi mais desfavorável ao presidente Bush.

Foi em plena campanha que Rather apresentou uma reportagem em que afirmava, baseado em documentos falsos, que o presidente George W. Bush teria conseguido escapar do serviço militar para não ir à guerra do Vietnã.

E em Portugal, uma série de crises entre o governo, a iniciativa privada e os meios de comunicação, terminou com uma declaração de apreço à democracia por parte do presidente Jorge Sampaio, do Partido Socialista. Três casos, protagonizados por diferentes ministros do governo Santana Lopes, do PSD, provocaram muita polêmica e obrigaram a interferência da Alta Autoridade para a Comunicação Social, um órgão independente criado em 1997 que, segundo a Constituição portuguesa, assegura, entre outros, ‘o direito à informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder econômico’.

Em documento de 58 páginas, a AACS concluiu que dois ministros, Gomes da Silva, de Assuntos Parlamentares, e Morais Sarmento, da Presidência, exerceram pressões ilegítimas sobre órgãos de comunicação social, que provocaram a demissão de Marcelo Rebelo de Sousa, um importante comentarista político da TVI, e de Fernando Lima, diretor do ‘Diário de Notícias’.

Neste último caso, a pressão veio através da golden share que o governo tem na associação com a Portugal Telecom, proprietária de um grupo de mídia. Essa participação governamental indireta em órgãos de imprensa privados, que acaba influindo na linha editorial, também está sendo contestada.

A reação do governo foi tentar desacreditar a AACS, que é formada por membros escolhidos pelo Conselho Superior da Magistratura, pela Assembléia da República, organizações patronais, Conselho Nacional do Consumo e da área de cultura. O primeiro-ministro Santana Lopes apresentou ao presidente Jorge Sampaio uma proposta para a criação de uma Central de Comunicação do Governo, que ficaria subordinada ao ministro Morais Sarmento.

Jorge Sampaio não apenas vetou a proposta como declarou que ‘não há déficit, e sim excesso da presença estatal e governamental nos meios de comunicação em Portugal’.’



Christopher Grimes

‘Crítica via internet estremece jornalismo de TV nos EUA’, copyright Folha de S. Paulo / Financial Times, 28/11/04

‘O jornal da noite, formato televisivo no qual Dan Rather trabalhou e cresceu por 40 anos, está na lista das espécies em perigo de extinção desde que teve início a ascensão dos canais de jornalismo a cabo 24 horas, na década de 1980.

Mas não foi a pressão competitiva que levou Rather a abrir mão de seu cargo altamente valorizado de âncora do ‘Evening News’ da CBS. O que aconteceu é que a CBS vem sendo pressionada em função de uma das matérias de Rather -um furo quente, em ano eleitoral, sobre o serviço militar prestado por George W. Bush na Guarda Nacional na época da Guerra do Vietnã.

Veio à tona que os documentos sobre os quais a CBS baseou sua matéria eram questionáveis, o que obrigou a rede e Dan Rather a se desculparem. Um relatório independente encomendado pela CBS deve ficar pronto daqui a semanas, e a previsão é que não mostre nem Rather nem seu produtor sob uma ótica favorável.

O episódio pode ser visto como mais um em uma série de escândalos envolvendo a reportagem de notícias, que vem prejudicando ou acabando com carreiras de profissionais no ‘New York Times’, no ‘USA Today’ e na BBC. O que talvez seja mais importante, porém, é a demonstração das novas e fortes pressões que vêm sendo exercidas sobre as redes de TV abertas, além das reações às vezes desajeitadas destas.

De acordo com Walter Isaacson, ex-presidente da CNN e atual executivo-chefe do Instituto Aspen, uma organização de pesquisas, a grande imprensa vem enfrentando pressões sem precedentes vindas de grupos políticos que hoje podem expressar seu desagrado com a programação através de e-mails em massa e blogs.

‘Estamos assistindo a muito mais ataques ideológicos e manifestações de desagrado de setores específicos sendo lançados contra as organizações da grande imprensa’, disse Isaacson. ‘A internet cria canais de expressão para as queixas das pessoas, o que significa que coisas que antes eram ignoradas hoje exigem explicações públicas ou pedidos de desculpas [por parte da imprensa].’

No caso da matéria sobre Bush e a Guarda Nacional apresentada por Dan Rather, alguns autores de blogs contestaram seu conteúdo e acabaram se tornando parte integrante da história. Eles analisaram as fontes usadas nos documentos da Guarda Nacional e constataram que, aparentemente, haviam sido feitas com um computador, e não com uma máquina de escrever dos anos 1970. Presume-se que a investigação independente vá determinar se as alegações dos bloggers têm fundamento. Se tiverem, os bloggers terão cumprido uma função importante de vigilância.

Segundo alguns críticos, contudo, as redes de TV, acovardadas pela intensa campanha movida pela Comissão Federal de Comunicações (CFC) contra a ‘programação indecente’, também vêm mostrando uma tendência preocupante de render-se diante de pressões intensas em torno de questões menos importantes.

Nos últimos tempos, as grandes redes vêm emitindo confissões quase semanais de culpa, algumas delas suscitadas por campanhas travadas por grupos como a Associação da Família Americana e o Conselho de Pais e Televisão.

A ABC, rede pertencente à Disney, foi criticada por exibir uma versão sem cortes de ‘O Resgate do Soldado Ryan’, filme de guerra estrelado por Tom Hanks, no Dia dos Veteranos. A rede também pediu desculpas por uma promoção na qual uma atriz tirava uma toalha enrolada ao corpo e pulava nos braços de um atleta. A cena não tinha nudez, mas a CFC diz que vai investigar o caso.

Mais difícil de entender foi o recente pedido de desculpas da CBS por ter interrompido seu programa de maior audiência para anunciar a notícia da morte de Iasser Arafat. Anteriormente, ela havia tomado a decisão de não exibir um drama sobre o presidente Ronald Reagan que foi criticado por setores conservadores.

‘As redes não cessam de encontrar-se em posições vulneráveis’, diz Robert Thompson, professor de cultura popular na Universidade Syracuse. ‘A batalha contra o conteúdo das grandes redes está sendo travada em todas as frentes -nos programas jornalísticos e nos de entretenimento.’

A solução, diz Thompson, é que as redes fixem seus próprios critérios e se atenham a eles. Enquanto não o fizerem, elas não vão conseguir acumular boa vontade suficiente do público para poderem resistir a críticas, mesmo as mais superficiais.

Para os críticos de Dan Rather, que há muito tempo é alvo de setores conservadores, a matéria sobre a Guarda Nacional veio apenas reforçar sua visão de que Rather tinha um viés liberal.

Depois que deixar o cargo de âncora, em março, Rather vai continuar a trabalhar para a CBS, como correspondente no programa ‘60 Minutes’, mas ele pode ter certeza de que os bloggers vão acompanhar com atenção máxima cada palavra que ele disser.

Como talvez dissesse o próprio Rather, que é texano, essa vigilância minuciosa tem deixado as redes de TV tão assustadas quanto porcos numa fábrica de presunto. Tradução de Clara Allain’



FRANÇA
Último Segundo / AFP

‘Imprensa francesa vive fase de transformação’, copyright Últino Segundo (www.ultimosegundo.com.br)/ AFP, 29/11/04

‘O diretor da redação do Le Monde, Edwy Plenel, renunciou a seu cargo nesta segunda-feira, enquanto um membro da família Rothschild negocia a compra de parte do jornal de esquerda ‘Libération’.

O jornalista francês Edwy Plenel anunciou nesta segunda-feira sua demissão do cargo de diretor de redação do jornal Le Monde, função que desempenhava havia dez anos.

Plenel afirmou que sua decisão é o resultado de uma reflexão antiga e se deve ao desejo de recuperar ‘as simples alegrias do jornalismo e da escrita’.

O jornalista anunciou oficialmente sua decisão no final de outubro à direção do Le Monde, que tentou convencê-lo a desistir da idéia devido às dificuldades econômicas que a publicação está atravessando. Plenel prometeu ficar no cargo até meados de dezembro, quando a redação do jornal será transferida para outro local em Paris.

O nome do jornalista está bastante em voga devido a sua presença como parte civil no julgamento sobre as escutas telefônicas do Palácio Eliseu, aberto no último dia 15 no Tribunal Correcional de Paris.

Esse julgamento é centrado nas gravações ilegais de conversas telefônicas de dezenas de personalidades durante o primeiro mandato do falecido presidente francês François Mitterrand.

Plenel foi alvo de escutas por causa de suas investigações sobre o atentado dos serviços secretos franceses contra o navio Rainbow Warrior, do Greenpeace, na Nova Zelândia em julho de 1985, e sobre o chamado ‘caso dos irlandeses de Vincennes’.

A pedido das forças antiterroristas do Palácio Eliseu, três irlandeses foram presos e depois considerados terroristas perigosos. No apartamento deles armas e explosivos foram encontrados e depois usados como provas da suposta ligação com o Exército Republicano Irlandês (IRA) dos três detidos, que ficaram presos durante nove meses.’



UCRÂNIA
O Estado de S. Paulo

‘Televisão faz autocrítica e promete dizer só a verdade’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/11/04

‘A revolução pacífica que envolve a Ucrânia acaba de chegar, de forma surpreendente, à rede de televisão oficialista e principal do país – o Canal Plus. ‘Desculpem nossa falha, a inexatidão das informações, difundidas sob pressão e direção de diferentes forças políticas’, reconheceu, em autocrítica, o diretor da emissora, Oleksander Rodianski. ‘No futuro, nossos trabalho será absolutamente confiável’, prometeu.

Até ontem, o Plus vinha ignorando as acusações de fraude nas eleições presidenciais de domingo passado, feitas pelo candidato da oposição, Viktor Yushchenko, e as manifestações de rua levadas a efeito por seus partidários. A emissora só dava destaque ao candidato ‘vencedor’, o governista e aliado de Moscou, o primeiro-ministro Viktor Yanukovich.

Ao dirigir-se aos telespectadores ucranianos, o diretor Rodianski estava ladeado pelas duas mais importantes apresentadoras de telejornais da TV ucraniana – Alla Mazur e Liudmila Dobrovolska – que não conseguiam esconder um profundo constrangimento.

Logo depois do pronunciamento do diretor, o Canal 1+1 começou a dar espaço também à oposição ucraniana, bem como exibiu cenas das grandes marchas públicas em favor de Yushchenko.’

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‘Jornalistas negam-se a ‘divulgar mentiras’’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/11/04

‘MEDO VENCIDO: Catorze jornalistas do programa Notícias, da TV Nacional Ucraniana, o maior canal público do país, iniciaram ontem uma greve, negando-se a continuar a divulgar informações que considerem falsas. ‘Não queremos trabalhar no escuro e assumir a responsabilidade por mentiras’, diz o comunicado divulgado pelos jornalistas e citado pela agência russa Interfax.

Segundo a nota, os jornalistas negociaram durante as últimas semanas com a direção do canal o direito de informar com ‘equilíbrio e objetividade’, mas fracassaram na tentativa. ‘Vencemos o medo, pois há um sentimento ainda mais forte, que é a vergonha’, acrescentou a nota.

Dezenas de jornalistas pediram demissão nas últimas semanas em vários canais da TV ucraniana em protesto pela censura imposta pelo atual governo, dirigido pelo presidente Leonid Kuchma.’



PAQUISTÃO
O Estado de S. Paulo

‘Governo proíbe edição ‘blasfema’ de ‘Newsweek’’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/11/04

‘O governo paquistanês baniu um número da revista Newsweek qque publicou material considerado ofensivo ao Islã. A edição proibida, do dia 22, traz um artigo sobre o assassinato do diretor de cinema holandês Theo Van Gogh, que dirigiu um filme no qual frases do Alcorão aparecem pintadas no corpo de uma mulher. No artigo, intitulado Choque de Civilizações, aparece uma foto da mulher nua. O governo mandou apreender todos os exemplares da revista.’