Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Merval Pereira

‘A denúncia de que dinheiro de Cuba financiou a campanha do PT em 2002 é verossímil, embora muita coisa não faça sentido na reportagem. Não faz sentido, por exemplo, que o então coordenador da campanha presidencial fosse pedir conselhos a seu ex-assessor Rogério Buratti sobre como internar os milhões de dólares que Cuba estaria colocando à disposição do PT.


Tanto o governo de Cuba quanto Palocci saberiam como colocar esse dinheiro aqui ou em qualquer outro lugar do planeta. O conselho de Buratti – ‘através de doleiro’ – parece ridículo, por óbvio. Também não é crível que o principal representante político de Cuba no país, o diplomata Sérgio Cervantes, fosse entregar pessoalmente esse tipo de dinheiro em seu apartamento em Brasília. E soa um tanto quanto fantasiosa a idéia de dólares de Cuba vindo embalados em caixas de rum e uísque.


Antes de assumir essas denúncias, a oposição tem que escolher: ou o PT tem uma conta em paraísos fiscais através da qual paga no exterior serviços como os de Duda Mendonça, ou, nesses tempos de alta tecnologia, recebe dólares por meios completamente anacrônicos e rocambolescos. Outro problema grave da reportagem de ‘Veja’ é que, mais uma vez, a única pessoa que viu o dinheiro é o falecido Ralf Barquete. As duas testemunhas ouvidas pela revista, e que confirmam a história diretamente, não viram o dinheiro, simplesmente ouviram falar dele.


Mas não há dúvida de que a reportagem está detalhadamente apurada, e nenhuma das ressalvas feitas acima livra o governo e o PT da obrigação de explicarem as denúncias, que são verossímeis e combinam com outras denúncias de dinheiro estrangeiro nas campanhas do PT. Sabe-se, por exemplo, que a campanha de um deputado federal de São Paulo em 2002 foi irrigada pelo dinheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o que causou até desentendimentos na direção nacional do partido, que fez uma reclamação formal ao comando das Farc. Não para que parassem de enviar dinheiro, mas para que o fizessem através dos canais competentes do PT, e não individualmente para os candidatos que escolhessem.


A contribuição das Farc para a campanha petista de 2002, aliás, já foi motivo de uma investigação da Agência Brasileira de Informações (Abin) no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário do que acusam os petistas, o governo tucano tratou as denúncias com benevolência e arquivou-as, para que não fosse acusado de estar interferindo na campanha presidencial que estava em curso.


O padre Olivério Medina, que está preso por decisão do STF e pode ser extraditado a pedido do governo da Colômbia, de acordo com informes da Abin publicados pela mesma revista ‘Veja’, foi quem teria feito o anúncio, num churrasco em um sítio nos arredores de Brasília, de que as Farc ajudariam com US$ 5 milhões a campanha do PT.


Anteriormente, já havia denúncias de que dinheiro da Líbia de Muamar Khadafi, de organizações internacionais, especialmente alemãs, e da Organização para Libertação da Palestina (OLP) irrigava os cofres petistas. A relação do PT com diversas organizações de esquerda, clandestinas ou não, sempre foi muito próxima, a tal ponto que quando foi eleito o presidente Lula mandou ninguém menos que seu então principal ministro, o chefe da Casa Civil José Dirceu, para uma conversa oficial com o presidente da Colômbia. O recado foi de que as relações do PT com as Farc eram partidárias, e não representavam as posições oficiais do governo que acabara de se eleger.


E há ainda a denúncia da ex-mulher do ex-deputado Valdemar da Costa Neto, de que o governo de Taiwan entregou a ele milhões de dólares para serem repassados para a campanha petista. Convenhamos, são muitos os precedentes históricos e os indícios para que nada disso seja verdade.


O pior para o PT é que até agora todas as denúncias foram sendo comprovadas, uma a uma. Por isso, é risível quando o novo presidente do PT, Ricardo Berzoini, nega a denúncia de uso de dinheiro cubano alegando que a prestação de contas do PT está registrada no Tribunal Superior Eleitoral. Ou quando algum petista diz que o partido não cometeria uma infantilidade como essa, sabendo que a legislação eleitoral proíbe terminantemente esse tipo de financiamento estrangeiro. Ora, a legislação também proíbe o caixa dois, e o próprio presidente da República pronuncia-se oficialmente sobre o assunto para justificar seu partido, alegando que essa é uma prática corriqueira entre os partidos políticos.


Embora todo esse contexto faça com que a luta política fique a cada dia mais acirrada, é pouco provável que o pedido de impeachment do presidente Lula, se vier a ser feito pela oposição com base no financiamento ilegal da campanha, seja mais do que uma arma política para a oposição, sem conseqüências concretas. O uso de caixa dois na campanha não autoriza processo de impeachment, pois se Lula na época da campanha não era presidente, não poderia praticar crime de responsabilidade.


O artigo 86 da Constituição brasileira determina que ‘o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções’. Assim, qualquer irregularidade cometida durante a campanha só poderá provocar um processo criminal contra Lula depois do fim de seu mandato.


Isto quer dizer que um processo de impeachment só poderá ter validade se baseado nos atos praticados durante o exercício da Presidência. Por exemplo, se ficar provada a participação do presidente Lula na compra de votos de deputados e na distribuição do mensalão. Mas, mesmo que as denúncias de recebimento de dinheiro do estrangeiro não tenham como conseqüência a perda do mandato presidencial, o estrago político já está feito.’



Tereza Cruvinel


‘Encolhimento’, copyright O Globo, 2/11/05


‘A história do dinheiro cubano que teria alimentado a campanha presidencial do PT em 2002 perdeu dois terços de seu impacto inicial ao longo desta semana política de dois dias. Desidratada pela falta de provas e a bizarrice da narrativa, levou a própria oposição a uma posição de cautela, sem perder a beligerância. Mas ficará no ar e como veneno gasoso chegará até à reunião da Cúpula das Américas, nos dias 4 e 5 em Mar del Plata, na Argentina.


Desta vez a denúncia encontrou o PT já um pouco refeito da vertigem causada pelo estrondo do escândalo, em junho. Agora agiu com mais senso prático e firmeza, a exemplo da iniciativa do novo presidente, Ricardo Berzoini, de processar a revista ‘Veja’, que na Justiça poderá apresentar novas evidências ou responder pela publicação de denúncia infundada. O novo líder, Henrique Fontana, também conseguiu tirar a bancada da letargia e manter uma tropa no plenário em defesa do governo. Conseguiu até mesmo reintegrar o grupo independente que preferiu ficar no partido a partir para o PSOL.


Um esquema tão amador de transporte de dinheiro dificilmente teria sido montado por um país que tem um serviço de inteligência respeitado (até pelo inimigo americano) como Cuba. Mas o estrago está feito e a oposição ganhou mais um chicote para fustigar o presidente e o PT daqui para 2006, pois vai ficando claro que é neste ambiente que se dará a travessia.


Fontes do governo trabalham com a hipótese de que Rogério Buratti tenha oferecido uma contrapartida ao esquema de delação premiada que negociou por ocasião de sua prisão, quando acusou o ministro Palocci de comandar um esquema de propina em Ribeirão Preto. Acordos desta natureza conduzem a uma pressão permanente por novas revelações. Neste contexto, com a ajuda de Poleto, ele teria falado do dinheiro cubano. Pode ter até ouvido alguma coisa sobre ajuda cubana mas dificilmente executada da forma que descreveu.


O governo, tal como fez o presidente Lula ontem ao se negar a responder a perguntas dos jornalistas sobre o assunto, continuará deixando para o PT o combate político em torno da questão. Aqui, basta o presidente evitar o assunto mas na reunião de Mal del Plata haverá no mínimo algum constrangimento.


Fidel não estará, embora tenha sido a estrela do programa de TV de Diego Maradona anteontem na Argentina. Cuba é o único país da América que não participará da Cúpula, já que nem é membro da OEA. Chávez estará fazendo barulho máximo, declarando a morte da Alca. E Bush chegará quase tão enrolado quanto Lula em seus problemas domésticos, que envolvem a queda forte de popularidade e a demissão de um assessor de Dick Cheney, seu vice, indiciado no caso Plamegate. À vontade mesmo estará o anfitrião, Néstor Kirchner, que acaba de colher boa vitória eleitoral.


Constrangimentos e seqüelas à parte, pela primeira vez na crise uma denúncia encolhe logo depois de lançada.


Rumo aos anos 50


Nada melhor que a oposição de hoje para fazer lembrar a de ontem, feita a ferro e fogo pelo PT. Os tucanos fizeram um escândalo quando o deputado José Dirceu, em 1998, durante uma manifestação de rua, prometeu surrá-los ‘nas urnas e nas ruas’. Na campanha eleitoral o vídeo da cena foi mostrado como exemplo da intolerância petista. Agora o líder tucano Arthur Virgílio fala em dar um surra, mas física, no presidente Lula. O deputado pefelista ACM Neto se oferece para ajudá-lo. Ambos suspeitam que estão sendo grampeados, o que no caso do pefelista foi motivo de muita piada, por causa da conhecida história do grampo baiano que quase custou o mandato do avô, senador ACM. Grampo ilegal é crime que deve ser punido pela Justiça, não de próprio punho.


Recordar os métodos petistas, o ‘fora FHC’ e o gosto pelas denúncias dá muito prazer à oposição de hoje mas não é pedagógico. O que ela aprendeu foi fazer a mesma coisa. De modo que a política nacional vai ficando mais parecida com a dos anos 50 que com uma política de terceiro milênio. É impressionante a falta de compostura verbal no cotidiano parlamentar. Entre um ‘Vossa excelência’ e um ‘nobre colega’ pode-se ouvir ofensas do mais grosso calibre, e não apenas aos que respondem com desfaçatez às inquirições nas CPIs. Alguns, traindo hábitos da casa grande, mandam os outros calar a boca com uma naturalidade espantosa. Esta é a pior legislatura dos últimos 20 anos em tudo, inclusive na descortesia ampla e geral.


Duro mas esperançoso


A bancada ruralista teve um jantar anteontem com o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Rodrigues, muito contrariado com o surto de aftosa, queixou-se muito da falta de dinheiro, do contingenciamento de recursos de sua pasta, não apenas para a vigilância sanitária. Mas não falou em deixar o governo. Desconcertou alguns, da oposição, ao dizer que acha o presidente Lula um candidato fortíssimo à reeleição.


DO DEPUTADO Eduardo Campos (PSB-PE) sobre a ajuda cubana à eleição de Lula: ‘Isso é o mesmo que dizer que o prefeito de Afrânio, menor município de Pernambuco, ajudou a eleger o governador de São Paulo’.


LÍDERES de todos os partidos tomaram café da manhã na casa de Aldo Rebelo. Ainda não desistiram de aprovar alguma mudança nas regras eleitorais para 2006. As mais importantes ficariam para 2010 mesmo.’



Reinaldo Azevedo


‘A Veja, os Catões da covardia e a ‘pior revista do Brasil’’, copyright Primeira Leitura (www.primeiraleitura.com.br), 1/11/05


‘Arma-se um cerco covarde contra a reportagem da revista Veja que traz indícios de que dinheiro vindo de Cuba irrigou a campanha eleitoral do PT em 2002. Se o dinheiro é cubano, aí é outra coisa. Por que covarde? Porque as restrições à matéria ou se assentam na patacoada da ‘falta de provas’ ou na inverossimilhança do procedimento: ‘Cuba não seria tão estúpida e primária a ponto de fazer tal coisa’, dizem. ‘Logo, só pode ser mentira, e a revista se precipitou.’


Por que chamo a isso de covardia? Porque os promotores de tal tese não têm a coragem de dizer que, na prática, estão empenhados em defender o PT – é uma gente que se orgulharia de sua isenção mesmo diante de ascensão de Hitler ou dos métodos de Stálin – e porque omitem que sua conclusão, que querem lógica, nasce apenas de um juízo de valor: ‘Cuba não seria idiota a ponto…’. Não sei por que não. Se formos nos apegar a elementos extra-reportagem, Cuba sempre foi estúpida o bastante para fazer coisas muito piores. Não há nada de errado com a reportagem e direi por quê. Tivesse sido alguém de Primeira Leitura a apurá-la, eu a teria publicado rigorosamente como está. Espero que a Veja não se intimide com a patrulha nem entre em dissensões internas por causa do policiamento petista. Mas falo disso adiante. Quero, antes, tocar na causa secreta da grita dos reacionários.


Se a reportagem de Veja relatasse, sei lá, dinheiro do partido de Berlusconi para o PFL ou para o PSDB, o efeito teria sido rigorosamente o contrário. Boa parte dos que acusam a inconsistência e a pressa da revista estaria aplaudindo a reportagem e, claro, cobrando investigações severíssimas. Mesmo no PT, caso se tratasse de dinheiro de alguma outra entidade, uma ONG ou sindicato, haveria silêncio. Ah, mas se trata de Cuba, e isso mexe com os anjos da ideologia – que, na verdade, sempre foram demônios – de boa parte dessa gente. Na reunião da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), muitos petistas disfarçados de pesquisadores, com o dinheiro dos miseráveis, não falavam de outra coisa: é a ‘conspiração da direita’, de que Veja faria parte.


Se querem saber, fico até satisfeito quando vejo um caso tão absolutamente escandaloso da velha patrulha ideológica, feita, ademais, de forma tão, como direi?, porca, primitiva, movida aos mais baixos instintos, a que não falta nem mesmo a baba da inveja dos Catões das transgressões alheias, sempre a dar conselhos inúteis, que ninguém quer ouvir. Fico satisfeito porque faz tempo que digo que essa gente não morreu. Está aí, ainda ativa, pronta a transformar em diktats morais as suas idiossincrasias; em verdade inquestionável, a sua ideologia; em manifestações da natureza, as suas afinidades eletivas.


Que coisa, não? Sugiro aos meus leitores que verifiquem onde estavam, o que faziam e o que escreviam os censores de Veja à época do Dossiê Cayman ou das acusações contra Eduardo Jorge Caldas Pereira, então secretário-geral da Presidência. Não havia nem mesmo uma miserável fita gravada. Nada! Recupero eu mesmo o que os moralistas escreviam ou o farão vocês, por conta própria?


Por que uma revista teria em mãos uma fita gravada, com o consentimento da fonte, em que ela confessa ter transportado dinheiro ilegal vindo de Cuba para a campanha do PT e a amoitaria? Por que o faria se a fonte em questão era auxiliar do atual único homem forte do PT, à época coordenador da campanha vitoriosa à Presidência da República? Por que o faria se outro petista metido com pesadas lambanças, também íntimo do ministro, endossa a história? Por que o faria se até o motorista que transportou a carga confirma a história? Por que o faria se os dados apurados conduzem a um ‘diplomata’ cubano, amigo dos petistas de longa data, que se esgueira rapidinho para seu país tão logo a história vem a público? Por que o faria se apurações junto ao círculo familiar de outra personagem envolvida, já morta, dão conta da presença desse dinheiro no Brasil?


Ah, não! Uma revista que assim procedesse não faria jornalismo, mas negócios. Uma revista que assim procedesse não seria a maior do Brasil. Perderia é o direito de existir. E, ATENÇÃO: COM ISSO, NÃO ESTOU DIZENDO QUE CUBA MANDOU DINHEIRO E PONTO FINAL. Se mandou ou não, é o que se há de investigar. Onde falta lógica, falta também juízo. Alguém, por acaso, cobrou que Renata Lo Prete, da Folha, fosse antes verificar se o que Roberto Jefferson dizia era verdade ou mentira? Que eu saiba, não. Ainda bem!


Por mais que ‘jornalistas investigativos’ se assanhem a se comportar como polícia, são, de fato, jornalistas. A sua função é reportar o que apuram. Quando menos, sabemos que Vladimir Poleto, o homem que alugou a ‘Casa de Negócios’ da República de Ribeirão Preto, em Brasília, jogou um casca de banana no caminho do antigo chefe. O que queriam que a revista tivesse feito? Que chegasse a algum ato de ofício do governo cubano acusando a remessa de dólares? Que conseguisse o documento petista em que a grana foi registrada? Ah, tenham paciência! A revista não dedicou capa a um boato plantado por algum representante da oposição. Foi alguém afinado com o governo que deu com a língua nos dentes. A reportagem tomou o cuidado de verificar se havia indícios consistentes de que a história é, quando menos, verossímil.


Imagino Renata Lo Prete, cuja entrevista com Jefferson pode ter livrado o Brasil de uma ditadura branca, indo a campo para saber se havia ou não mensalão; se Marcos Valério era ou não o seu operador; se Valdemar Costa Neto tinha ou não recebido recursos ilegais; se havia ou não uma malha de corrupção plantada nas estatais; se os fundos de pensão estavam ou não contaminados pela partidarização. Antes que se chegasse ao fim, o PT já nos teria mandado a todos para o paredão. Aliás, não fosse o amor secreto pelo paredón cubano, esse debate nem sequer teria sido lançado. Em tempo: não foram poucos os que, à época, acusaram a irresponsabilidade da Folha… Vozes sólidas (para seus admiradores ao menos) acusavam o ‘tucanismo’ do jornal.


Os Catões da mídia estão assanhados? Estão em busca de ocupação? Eu lhes forneço uma pauta:


1) Vão tentar saber por que um representante das Farc faz uma reunião a 40 quilômetros da sede dos Três Poderes no Brasil, e a Abin se comporta como se nada tivesse acontecido. As Farc são um movimento ilegal de um país vizinho, com quem mantemos relações diplomáticas, dedicado ao terrorismo e ao narcotráfico. Vão tentar saber por que o resto da imprensa não se interessou pela história.


2) Vão tentar saber por que o agente infiltrado da Abin fez o seu relatório, e ele foi simplesmente omitido, não se procedendo a uma miserável investigação digna desse nome;


3) Vão tentar saber por que o resto da mídia não se interessa pelo fato de o PT integrar, junto com as mesmas Farc e o Partido Comunista Cubano, o tal Foro São Paulo, fundado, aliás, por Luiz Inácio Lula da Silva.


O que interessa


Mas se ocupação ainda lhes faltar, vão tentar saber por que a denúncia de que Lula e Palocci fizeram gestões no BC para facilitar as coisas para Valério e o PT no caso dos bancos Econômico e Mercantil de Pernambuco não interessou a quase ninguém na mídia. Vamos lá, rapazes, ânimo! Essa reportagem também está na edição desta semana de Veja. Ninguém menos do que Angelo Calmon de Sá, ex-controlador do Econômico, relata a oferta que lhe foi feita. Os falsos Catões estão ocupados demais em proteger o PT de si mesmo…


Um leitor me manda um e-mail informando que o professor Emir Sader, cuja notória produção intelectual é defender o PT, escreveu que ‘a Veja é a pior revista do Brasil’. Acho uma terrível injustiça. Eu juro que a equipe de Primeira Leitura faz um esforço danado para ser considerada por ele a pior publicação da história. É verdade que, perto da gigante, a gente é quase nada – mas o que conta é a ruindade… Eu prometo ao leitor: até que Sader não nos veja como a coisa mais detestável da mídia, não descansaremos.


Não sei se dinheiro vindo de Cuba (e não necessariamente ‘cubano’) entrou ou não no Brasil. Que se investigue. Não sei se Vladimir Poleto, Rogério Buratti e o motorista falam ou não a verdade. Sei que Veja fez a única coisa decente que caberia a uma publicação que se respeite: publicar o que tem.


As provas


Finalmente, umas palavras aos fariseus que agora deram para atacar as CPIs porque não produzem provas. Tenham vergonha nesse carão! O Congresso tem de produzir provas? A Veja tem de produzir provas? Só não se pedem provas a Márcio Thomaz Bastos, não é? Só não se pedem provas à sua Polícia Federal, que tem, ela sim, a obrigação funcional de produzi-las.


As CPIs avançaram bastante, sim: expuseram parte considerável do valerioduto, chegaram a alguns parlamentares mensaleiros, evidenciaram a rede de corrupção nas estatais e, é verdade, não descobriram a origem do dinheiro. Os Catões, as CPIs, eu, você e o Brasil não sabemos de onde vem a bufunfa. Bastos, é verdade, tentou dar um ajuda com a história bem arranjada dos empréstimos. O diabo é que o volume movimentado supera o montante supostamente emprestado. De uma coisa, no entanto, os valentes estão certos: parte dele não veio de Cuba porque, sabem?, não seria lógico.


Cuba mandou dinheiro para o Brasil? Não sei. Nem a Veja jurou isso sobre a cruz. A revista relatou o que dizem dois ex-assessores de Palocci e os muitos indícios que tornam a história verossímil. E isso é, sim, jornalismo. Como jornalismo, de primeira, foi o que fez Renata Lo Prete. O Brasil, com procedimentos assim, está muito mais seguro do que entregue aos cuidados dos Catões.


E deixo uma advertência aos jornalistas da Veja: não queiram fazer uma revista pior do que Primeira Leitura aos olhos de Emir Sader. Vocês não conseguirão!’



O Estado de S. Paulo


‘Bem-vindo esfriamento’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 2/11/05


‘Quando menos se esperava, os políticos proporcionaram uma grata surpresa ao País, fazendo baixar a temperatura da crise que, há apenas alguns poucos dias, parecia se aproximar do ponto de ebulição – sem que isso traduzisse ou proporcionasse qualquer avanço significativo na apuração cabal das denúncias de corrupção com que os brasileiros convivem já lá se vai quase meio ano. Pois uma coisa era o temor de que as investigações se transformassem, ao fim e ao cabo, em mozzarèlla derretida, para salvar a pele dos corruptores e corruptos do que se convencionou chamar esquema do mensalão. Outra coisa foi o recente rebaixamento puro e simples da qualidade do confronto político, com a invocação de uma ainda insustentável abertura de processo contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por crime de responsabilidade, exclusivamente como parte de uma seqüência de ações e retaliações movidas não pela busca da verdade, mas pelo interesse em transferir culpas e encurralar o adversário.


Nesse clima, era de prever que a reportagem da revista Veja sobre uma suposta remessa cubana de US$ 1,4 milhão ou US$ 3 milhões para a campanha presidencial petista teria o efeito da gasolina sobre as chamas. O resultado, porém, foi o oposto. Sensatamente, a oposição não só não encampou a história como se fosse um fato comprovado, mas ainda retirou de circulação a palavra impeachment. O próprio senador Tasso Jereissati, que assumirá a presidência do PSDB este mês, deixou de lado, nos seus novos pronunciamentos, o tom belicoso que marcou a sua impensada entrevista ao Estado, no domingo. O seu homólogo pefelista, Jorge Bornhausen, o governador tucano Geraldo Alckmin e o prefeito seu correligionário José Serra querem que o caso seja apurado, mas acreditam, todos, como disse o prefeito de São Paulo, que não há ‘elementos para um impeachment’. A exceção, mais uma vez, ficou por conta do estrepitoso líder do partido no Senado, Artur Virgílio, que ameaçou ‘bater na cara’ do presidente, se algo acontecer à sua família, que estaria sendo chantageada.


Já o governo e o PT reagiram de forma ambivalente. Enquanto o coordenador político do Planalto, Jaques Wagner, redobrou os esforços da semana passada para pôr água na fervura, em declarações públicas e em contatos discretos com a oposição, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, partiu para um despropositado contra-ataque, acusando os adversários de ‘antecipar o debate eleitoral’, como se o seu chefe já não o tivesse feito no primeiro dia de sua gestão.


Do mesmo modo, enquanto o presidente do PT, Ricardo Berzoini, anunciava a intenção de processar a revista – um passo legítimo e civilizado -, Lula insuflava os companheiros a responder às acusações que vierem a ser feitas, em decorrência da reportagem, ameaçando tirar das gavetas hipotéticas evidências de malfeitorias da oposição quando era governo. Há um abismo entre negar peremptoriamente uma denúncia e querer amordaçar os que pretendem apurá-la. Além disso, o recurso à tática do ‘bateu, levou’ não parece, nas circunstâncias, um exemplo de inteligência política.


Afinal, o presidente e o seu partido estão diante de um trabalho jornalístico que contém praticamente tantos aspectos verossímeis como inverossímeis. À primeira vista, os relatos das fontes da matéria – Rogério Buratti e Vladimir Poleto, colaboradores do então prefeito de Ribeirão Preto – são consistentes na descrição de como os dólares teriam sido transportados de Brasília a São Paulo. Mas a própria revista reconhece não ter conseguido apurar como a bolada chegou ao País; o alegado organizador da operação, Ralf Barquete, outro ex-colaborador de Palocci, já faleceu; nem Buratti nem Poleto admitem ter visto o dinheiro; a logística não poderia ser mais primitiva (dólares em caixas de bebida); e a remessa teria ocorrido entre agosto e setembro de 2002, quando a vitória de Lula já se desenhava inevitável, dispensando ajutórios desesperados dessa natureza, ainda por cima de um regime visado e em situação de penúria crônica.


Se pararem para pensar com frieza, os petistas haverão de entender que a única coisa certa sobre a denúncia é a absoluta impossibilidade de demonstrar, sem sombra de dúvida, que é verdadeira – ou falsa. Isso decerto pesou nos cálculos de conveniência da oposição, explicando por que ela deu de medir atos e palavras. Tanto melhor.’



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‘Presidente do partido diz que vai processar revista’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/11/05


‘REAÇÃO: O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), afirmou ontem que vai processar a revista Veja. O secretário de Finanças do partido, Paulo Ferreira, disse pela manhã que a legenda está estudando as medidas judiciais cabíveis contra a revista, em razão da reportagem sobre a suposta contribuição de US$ 3 milhões do governo de Cuba para a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. O secretário de redação de Veja, Julio Cesar de Barros, disse ontem que a revista não se manifestará sobre a decisão do PT de tomar as medidas judiciais por causa da reportagem. ‘O que a Veja tem a dizer diz em suas páginas’, resumiu Cesar de Barros.’



CRISE POLÍTICA


Pedro Dias Leite e Eduardo Scolese


‘Lula reclama de ‘má educação’ de repórteres’, copyright Folha de S. Paulo, 2/11/05


‘No momento em que mantém seguidas críticas à imprensa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou ontem mais combustível na turbulenta relação entre mídia e Palácio do Planalto. No Itamaraty, primeiro falou em ‘falta de educação’ dos jornalistas que lhe dirigiram perguntas. Depois, pediu que um assessor levasse aos repórteres o recado de que ‘está ficando insuportável’ o hábito de o questionarem aos gritos.


O presidente ficou irritado ao ser abordado por jornalistas no saguão do Itamaraty, quando, ao lado do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), aguardava a chegada do primeiro-ministro da Jamaica, Percival Patterson. Como em todas as vezes que o presidente vai ao local, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas estavam confinados em um canto do salão, em espaço delimitado por fitas e protegido por seguranças, a cinco metros de Lula.


Ontem, o presidente fez um comentário ríspido aos repórteres quando questionado sobre as denúncias de que campanhas petistas teriam sido financiadas por Cuba: ‘Mas que falta de educação’. Ante a insistência das perguntas, questionou: ‘Vocês não querem falar da Jamaica?’. O presidente disse que depois faria uma ‘declaração’. Quando o premiê jamaicano chegou, não houve nenhuma pergunta ou interrupção.


Depois da declaração conjunta -sem direito a perguntas- e de um almoço a portas fechadas, Lula conduziu o jamaicano até a saída.


Quando o primeiro-ministro saiu, recomeçaram os pedidos para que o presidente falasse com a imprensa. À medida que Lula se afastava, sem olhar para os jornalistas, o tom dos repórteres aumentava.


Depois que o presidente sumiu de vista, um assessor apareceu para reclamar do comportamento dos jornalistas. Dizia trazer um recado de Lula, que teria se incomodado com os ‘gritos’ dos repórteres: ‘Essa tentativa de fazer com que ele fale aos gritos é contraproducente’, falou.


Em quase três anos de governo, Lula deu uma única entrevista coletiva, com regras rígidas que na prática impediam questionamentos mais incisivos.


Desde que assumiu a Presidência, Lula protagoniza relação tensa com a imprensa. Um exemplo foi a tentativa de expulsar o jornalista Larry Rohter, do ‘New York Times’, após ele ter publicado reportagem na qual acusava Lula de supostos abusos alcoólicos.’



Daniel Castro


‘Presidente vai dar entrevista a programa de TV’, copyright Folha de S. Paulo, 2/11/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após seis meses de negociações, vai dar uma entrevista ao ‘Roda Viva’, da TV Cultura, na próxima segunda-feira, quando o programa completa mil edições.


A entrevista será gravada horas antes de ir ao ar (às 22h30) numa sala anexa ao gabinete do presidente, no Palácio do Planalto. Os entrevistadores serão o atual (Paulo Markun) e antigos âncoras do programa -como os jornalistas Augusto Nunes (colunista do ‘Jornal do Brasil’), Rodolfo Konder (diretor da UniFMU) e Rodolpho Gamberini (apresentador do ‘Edição de Notícias’, da Record). Matinas Suzuki Jr. (consultor do portal de internet ‘iG’) e Roseli Tardel-li (diretora da Agência de Notícias da Aids) ainda não confirmaram presença.


Lula será o segundo presidente a dar entrevista ao ‘Roda Viva’ no exercício do mandato. O primeiro foi seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.


Segundo Markun, que negociou a entrevista diretamente com Lula, o presidente disse que não quer falar só de crise mas também de economia e que não deixará nenhuma pergunta sem resposta. As negociações com Lula começaram em maio. Ele aceitou participar em julho, mas adiou por causa da crise.


Desde que assumiu o cargo, Lula deu apenas uma entrevista coletiva. Desde o início da crise, ele concedeu uma entrevista exclusiva ao ‘Fantástico’ (Globo).’



ECOS DO REFERENDO


Ali Kamel


‘O significado do Não’, copyright O Globo, 1/11/05


‘Passado o referendo, as análises sobre o resultado surgiram em quantidade na imprensa. Houve explicações de toda sorte: a vitória do Não teria significado um não para os governos, para as políticas de segurança (ou para a ausência delas), para a social democracia, para a corrupção. Teria sido também um plebiscito contra o poder público, um ‘fora a todos’, uma demonstração de força dos conservadores e, segundo um jornal, a vitória do Não foi um triunfo publicitário.


Para mim a coisa foi mais simples: a vitória do Não expressou o desejo daqueles que são contra a proibição da venda de armas e munições no Brasil.


As campanhas se comportaram mais ou menos bem. Houve exageros dos dois lados, alguns escorregões, mas, no geral, os partidários do Sim e os do Não defenderam bem os seus argumentos. O povo julgou. Não creio que o resultado tenha sido um estímulo à compra de armas. Uma das ênfases do Não foi que o Estatuto do Desarmamento, já em vigor, era suficientemente duro, rígido e que não havia necessidade de se aumentar as restrições. O povo votou a partir dessa premissa. Isso torna risível, portanto, a tese de que o resultado do referendo deve suscitar mudanças no Estatuto.


Lamentei, no entanto, a vitória do Não. Como cidadão, estou convencido de que o Sim teria sido a melhor opção. Mas algo que não faço é desmerecer a decisão da imensa maioria, nem atribuir-lhe outros sentidos com base apenas em suposições. Vi alguns analistas insinuarem que os eleitores foram enganados, iludidos, vítimas do marketing. Como a campanha publicitária do Não teria sido melhor, os eleitores teriam votado contra a proibição, não porque estivessem convencidos de que esta é a melhor decisão, mas porque foram iludidos. Isso é desmerecer o poder de discernimento do eleitorado. É uma postura arrogante, antidemocrática, uma reedição da idéia de que ‘o povo não sabe votar’.


Sabe. Dessa crença nenhum de nós pode se afastar um milímetro, sob pena de sermos nós a pôr a democracia em risco. Num país com jornalismo livre, em que os assuntos são discutidos sem amarras, em que os partidos têm um acesso até exagerado a horários eleitorais em rádio e TV, o povo se informa, e bem. E decide. A última pesquisa do Ibope quis saber que fonte de informação os eleitores levariam em conta para decidir o seu voto: 34% disseram que decidiriam o voto depois de conversas com a família. Como 92% disseram que estavam acompanhando o horário eleitoral, os debates em casa devem ter sido proveitosos.


Acreditar que o povo votou iludido ou que se enganou é desacreditar do povo e, por conseguinte, da democracia. Como costumo dizer, é um pensamento que infantiliza o eleitorado. Ser pobre e inculto, repito, não torna ninguém incapaz de tomar decisões de acordo com o que acredita ser o certo e o errado. Dignidade, bom senso, capacidade de avaliar o que é bom e o que é mau não depende de conta bancária nem de grau escolar. Isso não quer dizer que as decisões do povo são sempre as certas, as boas, as melhores. Quer dizer apenas que o povo escolhe, e é responsável por suas escolhas.


É por isso que sociedades democráticas se protegem de antemão. Nenhuma proposta que atente contra elas pode ser submetida ao povo. Nenhuma proposta que fira direitos que a sociedade considerou fundamentais no momento da feitura do contrato político – as chamadas cláusulas pétreas da Constituição – pode ter livre trânsito. É assim que, se um partido ou candidato ousar querer se eleger pedindo o fechamento do Congresso ou o estabelecimento de uma ditadura – qualquer ditadura – terá a sua candidatura cassada. Na Alemanha, por exemplo, partidos nazistas estão proscritos, não sendo sequer permitida a publicação do livro ‘Minha Luta’, de Adolf Hitler. É também por essa razão que é falso o dilema que dizem que o projeto de democratizar o Oriente Médio provoca: sociedades democráticas ali poderiam levar à vitória de partidos cujo ideário fosse o estabelecimento de governos teocráticos. Tolice. Como eu disse, sociedades democráticas tomam precauções e não aceitam propostas que prevejam o seu fim: partidos teocráticos podem e devem ser proibidos.


O referendo teve ainda um outro aspecto: fez cair por terra, mais uma vez, o mito de que os meios de comunicação manipulam, e determinam, a vontade do povo. Ao longo do tempo, a maior parte dos veículos fez um noticiário francamente favorável ao desarmamento, na crença, baseada em pesquisas, de que 80% da população eram contrários à comercialização de armas. Alguns apoiaram o movimento institucionalmente, fora do noticiário. A TV Globo, por exemplo, nas vinhetas que anunciavam o início e o fim dos intervalos comerciais durante a exibição de filmes – o famoso ‘plim-plim’- veiculou mensagens de chargistas contra as armas. Com o referendo aprovado em lei, os principais jornais impressos diários se mostraram isentos no noticiário e, nos editoriais, alguns emitiram opiniões favoráveis ao Sim, outros, ao Não. Os telejornais se mostraram neutros, e sem editoriais a favor ou contra, porque a lei proíbe. Das três revistas semanais de informação, apenas a Veja fez um noticiário a favor do Não, sem abrir espaço algum aos partidários do Sim, o que provocou grande polêmica.


E o povo decidiu. É o que tenho dito: num país com imprensa livre, a informação flui em todas as direções, abrindo espaço para todos os lados. E a pluralidade de idéias sempre caminha no sentido de permitir que a opinião pública se forme livremente.’