Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Moacir Japiassu

‘O considerado leitor paulistano Fábio de Lima leu crônica de Carlos Heitor Cony na Folha de S. Paulo e teve ligeira impressão de que a História do Brasil tinha sido chutada para escanteio. Assim escreveu o mestre, sob o título O baile da Ilha Fiscal e o arraial do Torto:

‘(…) Bem, entrando realmente num assunto, que é a falta de assunto, deu-se que descobri, numa antiga antologia escolar, um comentário feroz, e ia dizer furibundo, sobre o baile da Ilha Fiscal, que foi a última festa do nosso Segundo Império (…)’

Fábio, que nunca foi menino de gazetear a escola, reagiu:

‘Nosso país teve apenas um Império, dividido em primeiro e segundo reinados. Um historiador poderia dizer com mais propriedade, mas creio que é isso, não é?!’

É verdade, ó Fábio, tivemos um Império e dois reinados. José Sebastião Witter, grande historiador e professor da USP, já esclareceu o assunto nas páginas da falecida revista Jornal dos Jornais, da qual era colunista.

E Janistraquis aproveitou a ‘deixa’ para provocar o festejado autor de Matéria de Memória: ‘Considerado, nesse baile da Ilha Fiscal quem dançou foi o Cony.’

Fritura braba

Nosso considerado José Truda Júnior leu na versão online de O Globo:

Arraiá na Granja do Torto: convite mostra uma montagem com Lula e dona Marisa à caráter (foto).

‘No meu tempo, escrever à caráter na capa do Globo…’, suspirou Truda.

É, rapaz, o redator estaria frito em bastante óleo, principalmente se o chef de cuisine fosse o saudoso Evandro Carlos de Andrade.

A melhor companhia

A gênese desta coluna talvez agasalhe-se em episódio que teve por cenário a Redação do Jornal da Tarde, de São Paulo, em 1974. Num rigoroso início de inverno como este de agora, o editor-chefe, Murilo Felisberto, determinou que o colunista Telmo Martino escrevesse sobre os livros que melhor combinavam com uma lareira e um cálice de armagnac. Redator criativo, Telmo iniciou o texto assim: ‘O hábito de ler é tão antigo quanto o inverno…’.

Li, recortei e colei no jornal mural da Redação, com esta, digamos, legenda: ‘O inverno é muito mais antigo’. Telmo abominou a brincadeira. Agora, trinta anos mais tarde, quando a temperatura despenca neste grotão ao pé da Serra do Mar, recordei a cena ao ler a coletânea de ensaios que Sérgio Augusto publicou há alguns anos nas revistas Bravo! e Bundas e a editora Record reuniu num alentado volume cujo título é Lado B.

A coluna recomenda este encontro com uma das mais fulgurantes inteligências deste país; a cada texto, Sérgio Augusto ministra a dose certa de sua cultura exemplar, revestida do melhor humor carioca. Lado B é excelente companhia quando já se tem o frio, a lareira e o armagnac, embora este ande sumido aqui do sítio.

Disfarçado?!?!?!

O considerado leitor Luiz Astorga folheava a página de Economia de O Globo quando deparou com a foto de um Tio Sam rodeado por outros manifestantes que também criticavam as irresponsabilidades de Bush. Abaixo, à guisa de legenda, leu:

‘Outro ativista, disfarçado de Tio Sam, distribuiu algodão-doce para criticar a política americana.’

Astorga protestou: ‘Disfarçado? Ora, posso não ser bom demais nisso, mas bastava olhar o sujeito na rua que o reconheceria na mesma hora! Sugiro ‘vestido de’ ou ‘fantasiado de’; não ficaria bem melhor do que disfarçado?’

Muitíssimo melhor, Astorga, e Janistraquis concorda com você; realmente, não é pra se linchar o redator, mas que vai um bom peteleco na orelha, ah!, isso vai.

Alta patente

Misterioso colaborador com mania de grandeza, que se assina ‘General’, enviou este incompleto, curioso porém altamente instigante bilhete:

‘….à qual se referiu o solerte comentarista do Sportv, sobre o jogador russo, acrescento outras: curioso também é o Ademir da Guia ser candidato a vereador pelo partidão; o físico nuclear José Goldenberg ser contra a energia nuclear, e o Aldo Rabelo ser articulador (seja lá do que for!). Do sempre atento leitor…’

Nova cidadania

Diretor de nossa sucursal em Fortaleza, Celsinho Neto enviou este insinuante e gentil despacho:

‘O nobre jornalista é paraibano e assim permanecerá até o final de sua vida, exceto se resolver deixar nosso problemático país e aboletar-se em outro, solicitando nova cidadania. Não é possível, infelizmente e por exemplo, que o considerado mestre se naturalize cearense, o que nos daria imenso orgulho. Mas o jornal O Povo criou uma nova modalidade de cidadania. Veja o que foi publicado:

O vice-governador Maia Júnior recebeu, ontem, o título de cidadão cearense na Assembléia Legislativa. Maia é pernambucano de nascimento.

E precisava escrever ‘pernambucano de nascimento’? Arriégua, e o cabra não é de origem da terra onde abre os olhos?!’

Janistraquis lembra, ó Celsinho, que muita gente nasce, vive e morre sem abrir os olhos. E, como diz um personagem do colunista, o pior cego é o que não se enxerga.

Frade de gravata

Roldão Simas Filho, que dirige nossa sucursal no Planalto, de onde se pôde observar o presidente Lula e a ministrada toda a comemorar o novo salário mínimo, escreveu:

‘Na matéria sobre o Frei Betto (Correio Braziliense 20/6, p. 6), o jornalista Leonardo Cavalcanti emprega indiferentemente os termos FREI e FRADE como sinônimos perfeitos. Na verdade, FREI só se usa seguido do nome: ‘Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido pelo nome religioso de Frei Betto’. E FRADE quando não se designa o nome dele: ‘Os dotes culinários do frade já foram apresentados a alguns presidentes, como o cubano Fidel Castro e o nicaragüense Daniel Ortega’. Mas não se pode dizer: ‘O frei mede apenas 1,70m e atualmente pesa 65kg’.’

Bolívar Lamounier

O sociólogo e escritor Bolívar Lamounier, que acaba de lançar seu precioso livro Conversa em Família, tão elogiado por Roberto Pompeu de Toledo nas páginas de Veja, fará uma palestra em São Paulo, às 20 horas de quinta-feira próxima, 1º de julho, na Casa do Saber (Rua Dr. Mário Ferraz, 414, telefone (11) 3707-8900). Bolívar terá a seu lado, como debatedores, Marcelo Coelho (Folha de S. Paulo) e a Laura Greenhalg (Estadão).

O considerado leitor pode obter mais informações na Augurium Editora, telefone (11) 3063-0590, ou no site http://www.auguriumeditora.com.br/.

Redimiu-se

José Guido Fré, o considerado Zefré, que na coluna da semana passada apontou um tropeço de A Tribuna, de Santos, mostra que o jornal redimiu-se, num ato digno de todos os aplausos:

Ao que parece, a vetusta centenária A Tribuna saiu de sua confortável poltrona dominical e deu um pulinho à Redação. Olhou pro redator da capa e pediu vistas ao título do ‘Sua Chance’ da edição de segunda-feira. Ajeitou o pincenê e leu:

Confira as

mais de 3.300

vagas oferecidas

no Sua Chance

Achou conforme e, como nihil obstat, concedeu o devido imprimatur.

Nota dez

O melhor texto da semana é a análise que o professor Gilson Caroni Filho, titular de Sociologia da Facha, escreveu em La Insignia sobre o Plano Marshall dos sonhos de Lula. Dêem uma olhada no acepipe abaixo e acorram ao rega-bofe, aqui.

(…)O problema é que o plano de reconstrução da Europa e do Japão só ocorreu, além da necessidade de contenção da União Soviética, por conta da necessidade do capitalismo estadunidense de recompor uma base mundial de consumo. As inversões de aproximadamente US$ 150 bilhões entre 1948 e 1952 só foram possíveis graças às assimetrias regionais existentes. Eram aportes solicitados pelas grandes corporações de um país incontestavelmente hegemônico, dono de capacidade produtiva sem precedentes. Em suma: os anos dourados de um sistema eficiente. Bem distante da economia vulnerável de hoje. Incapaz, em vários segmentos, de fazer frente aos concorrentes europeus e asiáticos. Dependente da poupança externa para financiar seus déficits.Belicosos e parasitários, os Estados Unidos são a versão político-econômica do ‘Retrato de Dorian Gray’. Em breve, Bush cairá da moldura de onde um fantasmagórico Roosevelt o observa.(…)

Errei, sim!

‘PURA ALDROVICE – O que agentes de turismo não inventam para ganhar dinheiro! Agora mesmo saiu no jornal A Tribuna, de Vitória (ES), sob o título Agência lança novo pacote de viagem: ‘O turista vai até Natal de avião, onde fica por quatro dias, seguindo depois, em ônibus-leito, até a ilha de Fernando de Noronha’. Janistraquis ficou encantado: ‘Considerado, que passeio fascinante, oceano afora, de ônibus!’. Em castiço português, estamos diante de autêntica jóia da patranha ou aldrovice.’ (outubro de 1993)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘Metáforas da semana’, copyright Jornal do Brasil, 28/06/04

‘‘O Planalto azeitou a máquina, unificou os discursos dos ministros, foi generoso com aliados e conseguiu aprovar ontem na Câmara, sem sustos, o salário mínimo de R$ 260.’

Assim, em artigo publicado no Jornal do Brasil (24 de junho), Paulo de Tarso Lyra, de Brasília, abria a matéria que noticiava a votação ocorrida no dia anterior. Seu texto, solidamente estruturado, é exemplo de isenção jornalística. Com efeito, o autor poupa os leitores de seus juízos sobre o tema. Afinal, os leitores pagam o jornal – nas bancas ou em assinaturas – para serem informados do que se passa em sua cidade, no país e no mundo. Quando querem opiniões, vão a páginas em que os artigos são assumidos pela empresa que edita o jornal, no caso dos editoriais, ou àqueles espaços em que os artigos são assinados por colunistas habituais ou eventuais.

Outra qualidade igualmente inegável do texto é a concisão. Em poucas linhas, o jornalista cumpriu fielmente a lição de casa para uma boa narração. Contou o caso como o caso foi, segundo a curiosa tautologia de Gregório Bezerra em suas memórias. Ou contou a história, como ensinou Aristóteles, para responder, na prova dos noves aplicada ao texto depois de concluído, às seguintes perguntas: quem fez o quê, quando, onde, como e por quê.

Os deputados federais (quem) aprovaram o salário mínimo de R$ 260 (o quê), dia 23 de junho (quando), em Brasília (na Câmara), por 272 a 172 votos (como) porque o governo teve maioria (por quê).

Apesar de óbvia, a prova dos nove é indispensável. Afinal, muitos textos tornam-se incompreensíveis porque seus autores, empenhados em ornamentá-los e fundamentá-los em citações, nem sempre pertinentes, aliás, esquecem-se do óbvio. E, principalmente quando o objetivo é informar, o óbvio é requisito essencial.

Bom em metáforas, Nelson Rodrigues criou a expressão ‘óbvio ululante’, que vem de ulular, sinônimo de uivar, ganir, gritar, como fazem lobos e cachorros. Daí ser freqüente a expressão, proferida também por locutores esportivos, ‘falha gritante’.

A concisão, indício de texto bem escrito, é marca do estilo do autor, extraída de comparações com outras reportagens de sua lavra. A economia é a regra básica da elegância, como nos ensinam, entre outros, teóricos como Pierre Bourdieu, médicos, nutricionistas e qualquer instrutor de exercícios físicos. No texto ou no corpo, adiposidades devem ser erradicadas em nome da saúde ou da elegância, tanto faz, a menos que você esteja no exercício de sua liberdade de opinar.

Não era o caso, porém. Os leitores merecem que o texto venha enxuto porque está implícito que lhes foi prometido isso quando os diretores de redação selecionaram os profissionais. Informado o essencial, o autor temperou seu texto com outros sabores, identificando as festas juninas como ameaçadoras do quorum: ‘São João, São Pedro e Santo Antônio, ao dedicarem suas vidas à causa cristã, jamais poderiam imaginar que seriam usados como álibi para faltas ao trabalho’.

As metáforas principais foram: ‘O Planalto azeitou a máquina’ e ‘festas juninas são pretexto para revoada de parlamentares’.

Sem aquele azeite específico, a máquina talvez emperrasse e esses pássaros nem voassem. Nem aqueles de aço que os levam em seus ventres bojudos, das bases ao Congresso, do Congresso às bases.

Salário vem de salarium, originalmente valor pago a soldados e trabalhadores para comprarem sal. Honorário, esmola, provento, jetom, rendimento e lucro têm outras etimologias e outros valores.

Os funerais de Leonel de Moura Brizola, líder do trabalhismo, vertente política que criou o salário mínimo de cerca de US$ 500 nos anos 50, serviram de emblema a mais um enterro.’