Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Nelson de Sá

‘Deu manchete ainda na sexta, no ‘Jornal Nacional’ e ‘Jornal da Band’:

– A quebra da patente de um remédio contra a Aids.

Foi depois que ‘o laboratório se recusou a negociar’, segundo a Globo, que ‘pela primeira vez na história do país o governo quebrou uma patente de medicamento’.

Mas foi no exterior, avançando pelo fim de semana, que a decisão ecoou mais.

No sábado, lá estava nos canais de notícias e no ‘New York Times’, em texto do correspondente Todd Benson, sob o título ‘Brazil deve copiar droga contra Aids feita pelo laboratório Abbott’. Abrindo a reportagem:

– O Brasil se torna o primeiro país a quebrar a patente de um medicamento anti-retroviral.

O tom foi abertamente favorável ao Brasil, ecoando editorial do próprio ‘NYT’, publicado dois dias antes sob o título ‘O direito do Brasil de salvar vidas’, que defendia a quebra de patente antes mesmo do anúncio.

De todo modo, ‘vários membros do Congresso já pediram ao representante comercial dos EUA, Rob Portman, para retaliar com sanções’.

Ainda na sexta, o também americano -mas conservador- ‘Wall Street Journal’ publicou longo artigo contrário à decisão que seria anunciada horas depois, sob o título ‘Brasil estuda roubo de patente como antídoto para a Aids’.

O artigo -e não um editorial- questionava a decisão anterior do Brasil, de não aceitar recursos do governo dos EUA com cláusula antiprostituição.

E dizia que a eventual quebra de patente ‘é apenas parte do assalto maior do Brasil à propriedade intelectual’.

O britânico ‘Financial Times’, sábado em longa reportagem, se esforçou por maior equilíbrio, mas sublinhou que ‘o Brasil disparou um confronto com laboratórios farmacêuticos ocidentais quando ameaçou quebrar pela primeira vez a patente de remédio contra Aids’.

Além do ministro Humberto Costa, o ‘FT’ ouviu o ‘lobby da indústria nos EUA’, que questionou os efeitos da decisão sobre a pesquisa de novos medicamentos.

Mais do que entre americanos e europeus, porém, a decisão ecoou -e favoravelmente- em países como Índia e diversos africanos.

CHACINA

Na rádio Bandeirantes, ‘a polícia ainda não tem pista dos autores da chacina’

Em domingo de rotina, canais de notícias, rádios e sites se voltaram para o crime. Da Globo News, ontem no início da noite, na escalada de manchetes:

– Seis morrem em chacina na zona norte de SP.

Não faltou a costumeira contradição, na cobertura, sobre o número de chacinas no ano. Nem a dúvida quanto aos autores e sua motivação. Da Folha Online:

– A polícia não tem pistas dos motivos nem passou detalhes dos crimes. Segundo um dos feridos, só um dos seis homens mortos teria envolvimento com drogas.

A chacina virou despacho da agência Associated Press, reproduzido em sites de jornais pelo mundo.

E mais, nos canais, sites e na Jovem Pan:

– Três jovens de classe média agrediram trabalhadores, na zona leste da capital.

Segundo a Globo News, ‘os trabalhadores foram espancados na madrugada’:

– São pedreiros e pintores e estavam em uma caminhonete carregada de materiais de construção quando foram abordados por supostos lutadores de jiu-jitsu.

E tome rotina, agora em Pernambuco:

– Dois presos são mortos e cinco ficam feridos em rebelião numa penitenciária em Pernambuco.

Foi depois que ‘policiais invadiram os pavilhões’. Também virou despacho, da AP para o mundo.

Os milhões

A TV entrou no fim de semana diante das novidades nas quatro principais revistas e terminou por escolher a da ‘IstoÉ’, em destaque na Globo, Record Band. Enunciado da primeira:

– Documentos revelam saques milionários que envolvem acusados do ‘mensalão’. Empresas de Marcos Valério tiraram do banco mais de R$ 20 milhões nos últimos dois anos.

A noiva

Quanto aos analistas de Brasília, em sites, blogs e nos canais de notícias, a atenção se voltou para a conversa entre governo e PMDB. Diálogo no programa de bastidores ‘Fatos & Versões’:

– Tudo indica que o PMDB está ‘noiva’ e vai dizer ‘sim’.

– ‘Sim’ para namorar, mas casar em 2006 é outra coisa.’



MERCADO DE TRABALHO

Eduardo Ribeiro

‘Momento é especial nas redações de TV’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 22/06/05

‘A decisão do empresário e apresentador Sílvio Santos de pôr um caminhão do baú de dinheiro no Jornalismo, reativando um núcleo que no próprio SBT havia sido poderoso nos tempos de Lillian Witte Fibe, Boris Casoy e companhia, está mexendo com o segmento de televisão. Se, como se imagina, a emissora vai realmente montar um núcleo com 160 profissionais, como já se noticiou, esse segmento do jornalismo realmente viverá um momento especial, de euforia, com bons motivos para comemorações.

Por tudo aquilo que já está acontecendo, isso é realidade. As redações estão em alvoroço e as respectivas direções idem, mas pelo motivo inverso. Os primeiros pela perspectiva de avanços no campo profissional, com melhores salários, boas transferências, novos desafios etc., e os segundos pela real perspectiva de perderem seus melhores quadros. Estava realmente faltando isso no mercado, desde a explosão da bolha na Internet. Só me lembro de ter visto esse momento de euforia naquela época, e já se vão mais de quatro anos. O único problema, se é que podemos falar assim, é que o movimento está mais ou menos restrito ao segmento de TV. Eu digo mais ou menos porque se faltar profissional especializado eles virão também da mídia impressa, como já ocorreu várias outras vezes – inclusive no próprio SBT, quando apostou em Casoy, que era um típico representante da mídia impressa.

As incursões de Ana Paula Padrão e Luiz Gonzaga Mineiro no Jornalismo da Globo, por exemplo, já resultaram na migração de cinco profissionais da mais alta qualificação para o SBT: Guta Nascimento, Rodrigo Hornhardt, Keila Castro, Mônica Gugliano e, mais recentemente, Beatriz Alessi. Elas eram editoras ou editoras executivas do jornalismo da Globo em São Paulo, e, como Hornhardt, aceitaram o desafio de iniciar um novo projeto. Nem o temor dos humores do Sílvio Santos as fez temerem pela oportunidade que se abriu.

Sabemos que há vários outros profissionais convidados e dentro de alguns dias já saberemos o tamanho do estrago que o SBT provocará nas lides da Globo. Aliás, a própria Globo está esperando isso, para tomar uma decisão em bloco, como apurou este Jornalistas&Cia. Ao invés de ir preenchendo as peças, eles vão fazer isso provavelmente no atacado para demonstrar que tais mudanças não provocarão qualquer impacto na qualidade do jornalismo da Globo. Há empenho em tentar segurar os profissionais e isso vem sendo feito com acenos que vão desde reajustes salariais até promoções para as vagas dos que estão saindo, troca de horários, mudança de função etc.

A TV Bandeirantes também perdeu um nome para o SBT: Edson Torres, que era editor de Economia.

Fica sempre no ar a indagação: o Sílvio Santos topará bancar esse projeto por mais de um ano? Se não topar, quem foi pra lá terá do que se arrepender? Em tese não, visto que os salários, pelo que se sabe, são compensadores. O dobro para a maioria, porém em regime de pessoa jurídica, ou seja, sem carteira assinada. Quem aceita trocar a estabilidade da Globo pelas incertezas do SBT (não podemos esquecer que o Sílvio já fez isso uma vez, quando de uma hora para outra resolveu acabar com praticamente tudo o que tinha na área de jornalismo) quer suas compensações.

Conversando com um amigo que é do ramo, diretor de jornalismo de uma outra emissora, ele me disse que pelos seus cálculos esse novo telejornal do SBT não sairá por menos de R$ 2 milhões por mês. É um dinheiro considerável para se buscar em termos de publicidade, mas todos sabem que o Sílvio não é doido nem rasga dinheiro, ou seja, aposta na capacidade da rentabilidade que o jornalismo levará para a emissora. A questão que fica (boa para o mercado) é que as emissoras estão vendo inflacionar o segmento, porque a demanda está ficando muito superior a oferta de profissionais. Editores que hoje ganham R$ 4 ou R$ 5 mil terão ofertas para ganhar R$ 8 ou R$ 10 no concorrente e aí ficará difícil segurar os quadros. Como não existe gente treinada em abundância, o jeito será, como disse esse diretor, investir em treinamento próprio, com os mais jovens, e também buscar profissionais nas outras mídias, neste caso tendo de aguardar um tempo de desenvolvimento e aprendizado para dominar a nova linguagem. É o chamado bom problema, visto que obrigará praticamente todas as emissoras a fortalecerem seus borderôs no jornalismo. E para quem alimenta o sonho de trabalhar na televisão confesso que não vejo melhor momento. As vagas estão por aí, pululando. Resta saltitar atrás delas com determinação e paciência.

Importante ressaltar que, embora concentrado em São Paulo, esse é um movimento que já está se espalhando para todo o País, porque todas as emissoras de ponta têm hoje no Brasil jornalismo regional, e o projeto de ampliação do jornalismo passa por aí.’



DIRETÓRIO ACADÊMICO

Carlos Chaparro

‘‘Por quê?’ – a busca prioritária’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 24/06/05

‘O XIS DA QUESTÃO – No mundo de hoje, as crises surgem e se desenvolvem em conflitos movidos a notícia. Em tais cenários, a busca dos ‘porquês’, obrigação antiga do bom repórter, deveria tornar-se pedra angular do método jornalístico e obrigação prioritária de pauteiros e editores, para que ao público seja oferecido um novo pacote de informação e análise, com fatos contextualizados em temáticas, saberes e polêmicas.

1. Velhas lições

Certa noite, já lá se vão talvez dez anos, proporcionei a uma turma de alunos da ECA o privilégio de ouvirem Antônio Carlos Fon discorrer sobre as suas experiências de repórter. Acompanhava o trabalho de Fon desde os tempos em que, na Veja, fez a histórica reportagem na qual desvendava, pela primeira vez na imprensa, práticas de tortura nos porões da ditadura. Depois, em outra fase da vida, ele pegou tempos difíceis na presidência do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Na volta às redações, trabalhando na Super Interessante, foi autor de uma outra reportagem da qual fiz bastante uso pedagógico, desta vez na disciplina ‘Jornalismo Científico’. Em texto claro, elegante, preciso, didaticamente bem humorado, Antônio Carlos Fon fundia saberes científicos dos pesquisadores do INPE e saberes populares dos sertanejos do Piauí, na explicação mais clara que até hoje li sobre o fenômeno El Niño.

Fui à redação da revista conversar com o repórter. Queria o relato de como havia sido pautada e feita aquela reportagem, para que o saber prático que a produzira pudesse ser levado aos meus alunos, na universidade. Fon se expôs por inteiro, numa conversa que cresceu em torno de uma questão que me interessava mais particularmente, a de como um repórter que nunca trabalhara em editorias de ciência conseguira tão brilhantemente lidar com um conteúdo científico de alta complexidade.

A conversa foi longa, mas a lição nela desdobrada pode ser resumida em uma frase que cito de memória, dita por Fon, com a clareza e a simplicidade que o caracterizam: ‘Caprichei na pauta, e na pauta me preparei para o tema. Depois, fiz o que sei fazer – jornalismo’.

Daquela noite em que levei Antônio Carlos Fon à ECA, para falar de reportagem aos meus alunos, guardo outra frase tão simples quanto inesquecível. Em voz mansa, quase inaudível, mas carregada de convicção, e para acentuar o dever de investigar além dos fatos e das aparências, assim disse Fon aos trinta jovens, futuros jornalistas que o ouviam, embevecidos: ‘No mínimo, no mínimo, temos de perguntar por quê’.

2. O poder de arbitrar

A lembrança das duas lições aprendidas com Antônio Carlos Fon vem a propósito do tema levantado na coluna da semana passada, que tão acalorado debate gerou. Fixo-me, de modo especial, na parte do texto em que dizia que, com as atuais tecnologias de difusão, ‘os itinerários da notícia já podem excluir as redações’, tomando isso como sinal de um tempo ‘de enfraquecimento do jornalismo, no seu poder de arbítrio sobre a notícia’.

Houve quem discordasse, e ainda bem, porque a divergência é essencial para a boa discussão de tais questões. Mas, em favor da polêmica, e para aclarar eventuais dubiedades, acho bom dizer que a escolha da expressão ‘poder de arbítrio’ foi deliberada, depois de reler alguns trechos do livro Jornalismo – O quarto poder, de Marc Paillet. É obra escrita há pelo menos vinte anos. Nela, o autor desconstrói o velho mito do poder da imprensa. Escreve Paillet que nenhum jornalista tem contato direto e permanente com os fatos – ‘ele se dirige, portanto, aos informantes, de primeira e segunda mão: as fontes’. E estaria, aí, uma espécie de abismo que separa o relato jornalístico da realidade dos fatos.

Paillet põe o dedo na contradição essencial, assim definida por ele próprio: ‘(…) De um lado, a sociedade reclama um relato completo e sem disfarces das inovações fundamentais nas suas origens, desenvolvimentos e conseqüências. Ela quer um repertório abundante de problemas, uma exposição das soluções possíveis, o que não pode ser feito sem polêmicas e confrontos. Por outro lado, ao jornalista é pedido que exponha a sociedade tal como é, o que, aos olhos do establishment, se acompanha do desejo de que a notícia privilegie o que existe, em detrimento do que poderia ser, e que reflita, em primeiro lugar, as estruturas vigentes’.

No desenvolvimento da sua argumentação, com lógica marxista, Marc descreve o sistema de poder que organiza as linguagens do meio jornalístico, identificando dois planos: nas camadas superiores, estão aqueles a quem chama de ‘árbitros’ (diretores, editores, pauteiros, editorialistas, chefes de reportagem…), que decidem o quê, quando e como publicar. Sem poder de decisão, mas com a capacidade atribuída de fazer notícias, existem as camadas ‘proletárias’, formadas pelos diferentes níveis de profissionais colhedores das informações.

Os ‘árbitros’, segundo Paillet, decidem o essencial, interferindo em dois momentos fundamentais do processo: ‘quando das determinações prévias e no momento da escolha entre as informações recolhidas’. Pertence-lhes, ainda, o poder da ‘ultima olhada no pacote das mensagens’ a ser enviado ao público.

3. Pedagogia do ‘por quê?’

Na capacidade da ‘arbitragem’, delegado às ‘camadas superiores’, estaria, portanto, no entendimento do autor, o efetivo poder da imprensa.

Mas Marc Paillet escreveu essas coisas antes dos tempos da Internet, e de todos os seus efeitos sobre os sistemas e sub-sistemas da informação jornalística. E antes, também, da consolidação daquilo a que chamo de ‘revolução das fontes’, manifestada, entre outras coisas, no fato de as fontes, que antigamente apenas respondiam às perguntas dos repórteres, hoje interferirem tão fortemente naquilo a que Paillet denomina de ‘determinações prévias’, ou seja, a pauta.

As fontes assumiram, com enorme competência, o poder de produzir fatos e conteúdos noticiáveis, previamente anunciados. E em grande parte irrecusáveis. Por isso, temos hoje, no Brasil, um jornalismo orientado por pautas agendadas por quem produz os fatos e as falas. E uma informação que se repete, igual, em todos os jornais.

Ou seja: o tal ‘poder de arbitragem’ desapareceu, engolido pela ‘revolução das fontes’.

Penso, porém, que o termo ‘arbitragem’ não traduz nem qualifica devidamente o poder que a imprensa detinha e do qual trata o ótimo livro de Marc Paillet. E porque assim penso, preferi usar a expressão e o conceito ‘poder de arbítrio’, que se manifesta na capacidade de escolher, pela própria vontade. Esse foi o poder que a imprensa perdeu.

A notícia tornou-se arma decisiva nos conflitos da atualidade, intensamente usada pelos sujeitos sociais. O jornalismo se transformou, assim, no espaço público dos conflitos aos quais a notícia serve. E, em tal cenário, dada a complexidade dos conflitos, emerge da sociedade uma demanda nova, a da explicação rápida, em resposta à qual o jornalismo pode construir um novo poder essencial: o poder da elucidação.

Relembrando e parafraseando as lições de Antônio Calos Fon, diria que, mais do que dever dos repórteres, a pedagogia do ‘por quê?’ deveria tornar-se pedra angular do método jornalístico e obrigação prioritária de pauteiros e editores, para que ao público seja oferecido um jornalismo de informação e análise, com fatos contextualizados em temáticas, saberes e polêmicas.

Aliás, essa foi a pedagogia usada pelo próprio Fon, ao elaborar pauta para aquela reportagem sobre o El Nino.

E me desculpem o alongamento do texto.’



José Paulo Lanyi

‘Até burro tira dez’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 24/06/05

‘Toda vez que vejo repórter de jornal com o gravador na mão me lembro das aulas de taquigrafia que tive na Cásper Líbero. Ontem aconteceu de novo…

No início da década de 90, o professor Erasmo de Freitas Nuzzi defendia o seu peixe com uma eloqüência correspondente à natureza do conteúdo que ministrava: entender, a gente até entendia, mas não conseguia compreender. Entendia a argumentação, mas não compreendia a necessidade.

O nome da matéria era pomposo (científico, ignorante, científico!): grafotecnia. Ficávamos horas e horas a aprender o que – sim, nós sabíamos – não aplicaríamos jamais! Hahaha…!!!! Concordo, é engraçado…

Interessante é saber que grafotecnia é um exame de autenticidade da escrita, ou seja, nada tem a ver com taquigrafia ou estenografia. Mas estava lá: grafotecnia.

Bom, os alunos xingavam, urravam, cuspiam, batiam a cabeça na parede, se autoflagelavam com giletes, mas não adiantava, o professor insistia na necessidade dos hieroglifos do bem.

Lembro-me do último bimestre sinistro… Eu precisava de um retumbante 10 para não pegar o exame final! Encontrei forças para estudar, estudar e… esqueça, pega mal concluir, vão pensar que eu era CDF – o que é uma ofensa para quem se sentava no fundão e vivia a perambular pelos bares da Joaquim Eugênio de Lima, na famigerada ‘prainha’.

Fato é que eu me livrei daquilo, com todo o respeito pelo professor e pelos sagrados conhecimentos acumulados pela humanidade.

Soube que, para a suprema felicidade da horda de estudantes casperianos, em 98 a grafotecnia (na verdade, taquigrafia) implodiu no currículo.

‘Mas o gravador pode quebrar…’, dizia o Erasmo, anos antes… Vá gostar de taquigrafia assim lá na escola dos taquígrafos…

Quebrar, não sei, mas quando a pilha acaba… Ei! Lembrei uma história boa… Um dia eu fazia uma reportagem pela CBN-São Paulo. Cheguei atrasado e tive de resgatar a sonora – o mesmo que recuperar a fala do entrevistado.

Vi o Paulo Pontes, na época na Rádio Bandeirantes. Pedi para copiar a entrevista que ele havia gravado. Não era nada exclusivo, foi depois de uma coletiva. Solícito, me emprestou o equipamento dele (tá lembrado, Paulo?).

Eu, então, aproximei os dois gravadores e peguei o trecho que queria. Fiquei muito satisfeito, até perceber que… Sim, festival Jerry Lewis… Até perceber que, em vez de apertar o play, eu pressionara, juntos, o play e o rec do gravador do outro… Não é redundante dizer que apaguei o trecho… Fiquei sem graça, para dizer o mínimo, e expliquei-lhe o problema… O Paulo me olhou com uma cara entre condescendente e irônica… Deve ter pensado: – Esse cara é um trapalhão!

Percebi que aquela fala não seria fundamental para ele, sorte a minha. Mas para garantir chamei uma outra colega e recuperei a passagem perdida, reproduzindo-a para os dois gravadores. Deu tudo certo, enfim, mas fui embora com uma expressão de sabugo (?)…

Claro, rádio não tem nada a ver com taquigrafia, mas tem a ver com gravador…

Os repórteres de impresso, em geral, preferem os bloquinhos e as canetas. Houve um tempo em que, nesse meio, o gravador era tido como o cinzel do demônio. Parecia coisa de folgado, de vagabundo, repórter bom tem que anotar e que tais…

Mas isso é uma bobagem. A gravação não só ‘fideliza’ as aspas, nos momentos mais fugazes e malucos, como garante o conteúdo, em caso de contestação do entrevistado: – Eu não disse isso… – Disse, sim… Taqui!

Aliás, como se metem bobagens e imprecisões entre aspas… A fonte se vê falando o português do vizinho, do síndico, do jornaleiro, da sogra, do agente funerário… menos o dele mesmo…

Hoje, na turma dos jornais e das revistas (Internet também), vê-se um ou outro com o gravador. Normalmente, esses repórteres fazem as duas coisas, o que é correto: escrevem no bloco e gravam a conversa. Quando não dá, vão de gravador mesmo, depois transcrevem…

Concordo com a advertência dos manuais de Redação: não se deve confiar na memória. Daí a necessidade de anotar e gravar tudo. Mas, em caso de pane técnica (ou se o bloquinho cair no rio), a cabeça ajuda a reconstituir o principal, com o subsídio posterior das fontes que já haviam sido ouvidas. Por isso é fundamental prestar atenção nas entrevistas (não, não é óbvio, tem gente que grava enquanto fuma com a cabeça para trás…). Bem ou mal, a reportagem não se encerra na entrevista…

O gravador pode, mas o repórter não pode falhar.

Tem outra, checar as pilhas e o equipamento evita incidentes. É como mandar o carro para a oficina… Isso também é zelo profissional.

Mas… E se não houver gravador, não houver câmera, equipamento algum? Como sobreviver sem taquigrafia?

Como trabalhar? Simples, faça o que quase todo mundo faz: crie os seus próprios hieroglifos.

A propósito: aquela nota me valeu o ano, mas não lembro nada, nada do que aprendi… Moral da história: até burro tira dez.’