Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

No Mínimo

COPA 2006
Léo Jaime

Vencer ou convencer?, 21/06/06

‘Os fatos todos mundo sabe: o Brasil ganhou os dois primeiros jogos, não sofreu nenhum gol e completou nove vitórias consecutivas, estabelecendo mais um recorde em Copas do Mundo. Os termos usados na mídia brasileira para retratar estes fatos são, em geral: medíocre, insatisfatório, decepcionante, irreconhecível etc. Ou, usando um chavão, e a crônica brasileira os adora: ‘venceu mas não convenceu’.

Não convenceu? Ganhou por causa de um roubo clamoroso do juiz? Não, apenas porque o time não rendeu o que dele se esperava. E aí é que reside a chave de todo o problema. Criou-se uma expectativa exagerada em cima da superioridade brasileira. Criou-se? Quem criou? Alguém viu algum jogador ou membro da comissão técnica dizendo que ia dar espetáculo ou goleada? A crônica criou essa expectativa irreal baseada no fato de que estamos em primeiro no ranking da Fifa para dizer aos sete ventos que não tinha pra ninguém. Anunciou pra todo mundo que Ronaldinho Gaúcho ia dar espetáculo, qual foca amestrada em circo, equilibrando a bola no focinho. Prometeu exibições de gala e goleadas arrasadoras. E depois, antecipando a improbabilidade de suas promessas, começou a meter o pau no time por ‘apenas’ vencer.

Não nos classificamos nas eliminatórias com tanta facilidade. Não tivemos tantas exibições de gala. Uma coisa, ao longo da competição, pude observar: o time do Brasil joga melhor contra adversários tradicionais e reconhecidamente fortes. A explicação me parece óbvia: jogando com um time de menor tradição, se ganha de muito não faz mais do que a obrigação, de pouco jogou mal e qualquer outro resultado é calamidade pública. Sim, a capacidade de nossa crítica em desrespeitar nossos atletas é inigualável.

Nos últimos dias ouvi, li e vi pela TV todo tipo de desrespeito sendo proferido em relação a Ronaldo. Ronaldinho Gaúcho, com atuações igualmente abaixo do esperado, recebeu críticas, não ofensas. E não desistiram dele aos 20 minutos do primeiro tempo do primeiro jogo. Adriano, que não vinha bem em seu time e não jogou nada no primeiro jogo, assim como Ronaldo, também não recebeu mais do que as merecidas críticas. A unanimidade definiu, porém, que só tirando Ronaldo do time a coisa poderia funcionar. Se entrasse Robinho no lugar de Adriano, não poderia dar certo? Não, Ronaldo é o culpado de tudo.

Antes mesmo da estréia ele já vinha acusando o golpe. Se não está em boa forma, pior ainda seu estado emocional. Depois da desastrada estréia disseram que Adriano preferia jogar com Robinho, que o seu time não o queria mais, que Robinho estava pronto para ser titular, que o Brasil (torcida) não acreditava mais nele, que tinha psicose maníaco-depressiva, que só jogava por imposição da Nike, além de o chamarem de gorducho, de tonto etc. Esse jogador que com mais um gol terá sido o maior goleador brasileiro em Copas do Mundo.

Não vamos aqui defender este ou aquele jogador, ou querer escalar a seleção, mas comparar o que foi apresentado em relação ao que se prometeu. Ronaldo estava voltando de contusão, sem ritmo de jogo e Parreira disse que ia aproveitar a primeira fase para deixá-lo em campo pelo menos uns 60 minutos por jogo para que ele ganhasse ritmo. Robinho seria arma para mudar o jogo no segundo tempo. Disse também que o time começaria com 60% de seu potencial e que deveria crescer ao longo da competição. Até aqui tudo coerente. Quem falou em espetáculo? Só a crônica. A seleção cumpriu o que prometeu.

Ser favorito significa o quê? 99% ou 20% de chances de vencer uma competição com 32 outros concorrentes? Sou mais a segunda opção. Somos favoritos, porém estamos longe de ser imbatíveis. Não temos um timaço mas temos boas chances de vencer. Basta ganhar os jogos, como temos feito.

Nosso principal adversário, no entanto, tem sido o aspecto emocional. E tudo o que se fala sobre os jogadores em seu próprio país conta, pode ter certeza.

Em 2002 o time saiu do país apedrejado. Felipão era uma besta por não convocar Romário, e se o baixinho era tão fundamental, mesmo estando machucado, isso evidenciava o quanto Ronaldo era já desacreditado. Pois o Brasil venceu a semifinal mas ‘não convenceu’. Falaram mal da vitória magra, do gol de bico de Ronaldo, que deveria estar no banco. E depois esqueceram tudo quando o cara fez dois gols contra os alemães. Nunca, jamais, a crônica pede desculpas ou admite um erro. E nosso futebol é muito melhor que nossa crônica. Só ganhamos títulos quando a crônica não leva fé, diz a lenda.

A crônica esportiva brasileira sofre de um mal, perdoe, crônico: é platônica. O futebol que ela imagina para nossa seleção nunca existiu, não existe e nunca existirá. Ela imagina um jogo em que o Brasil vence de 90 a zero, com 45 gols de bicicleta e o adversário não vê a bola uma vez sequer. Um jogo fácil e sem graça. Um tédio ideal.

Os 23 que vestem a camisa brasileira na Alemanha sabem que não estão à altura das expectativas da nossa crônica. Ninguém nunca esteve. Pois que tenham cabeça para ‘apenas’ ganhar das outras seleções. Isso é o suficiente. Para o resto do mundo será espetacular.’



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