Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nos EUA, fontes revidam
e gravam os jornalistas

A entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao programa Fantástico, da Rede Globo, continua repercutindo. Na edição de terça-feira, dois dias depois da exibição do programa, Folha e Estado foram atrás de ‘especialistas’ para analisar o desempenho de Lula na entrevista. Nos dois jornais, a performance de Lula só mereceu críticas. A Folha ainda dedicou um abre de página para as críticas oposicionistas, com o título ‘Para oposição, entrevista foi ‘deprimente’’.


Lula à parte, os três grandes jornais brasileiros continuaram promovendo a minissérie sobre a vida do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que estrearia na noite de terça na Rede Globo. O Estado de S. Paulo, que dedicou poucas linhas ao programa no final de semana, foi quem mais investiu na pauta, seguido do Globo. A Folha, que dedicou quase toda a edição dominical do caderno Ilustrada a JK, foi mais discreta nesta terça-feira.


A leitura mais interessante do dia, porém, está em uma matéria traduzida do New York Times pelo Estadão. A repórter Katharine Q. Seelye informa que as fontes de informação dos jornais agora dispõem de uma arma contra eventuais casos de manipulações das entrevistas concedidas a jornalistas. ‘Fontes insatisfeitas descobriram há pouco tempo que poderiam usar seus sites na Web para corrigir o registro ou desconstruir artigos para expressar o que consideravam ser narrativas tendenciosas ou errôneas de jornalistas’, escreve Katharine. ‘Agora, eles estão dando um passo além. Os entrevistados estão revidando. Eles passaram a usar os mesmos métodos que os jornalistas utilizam – gravando entrevistas, salvando trocas de e-mails, tomando notas em conversas telefônicas – e publicam o conteúdo em seus próprios sites e blogs. Essa nova arma está ajudando a mudar a maneira como as notícias são apuradas e apresentadas. E isso traz implicações para o futuro do jornalismo’, continua a jornalista norte-americana.


É certo que o fenômeno ainda não chegou no Brasil, mas, a julgar pela ampla aceitação do ‘jornalismo fiteiro’ no País, não vai demorar muito para as fontes (e os plantadores profissionais de notícia) aderirem à prática, que pode levar tanto a depuração da atividade quanto a uma verdadeira guerra de versões sobre fatos que em geral precisam mesmo de uma boa investigação jornalística antes de serem publicados.


Leia abaixo os textos de terça-feira, 3/01, selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Terça-feira, 3 de janeiro de 2006


LULA NO FANTÁSTICO
Fábio Zanini, Mari Tortato e Luiz Francisco


Para oposição, entrevista foi ‘deprimente’


‘A oposição chamou de ‘deprimente’ a entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao programa ‘Fantástico’, que foi ao ar no domingo. Por outro lado, governistas procuraram enxergar um presidente que tenta deixar para trás a crise política.


‘Foi uma entrevista que mostrou a falência espiritual e a moratória moral do governo. Vi uma cena deprimente, um presidente desencantado com ele mesmo’, disse o líder do bloco de oposição na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA).


Relator da CPI dos Correios, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) rebateu a afirmação do presidente de que apenas o relatório final terá valor. ‘O texto que apresentei até agora também tem valor e é um documento de tudo que fizemos até agora. Também tem caráter final.’


Segundo ele, o presidente também devia deixar claro qual o seu conceito do que são ‘provas’. ‘Nosso trabalho já demonstrou tudo que colocamos no texto. O que ele quer? Que apareça um documento dizendo que o ‘mensalão’ existe, assinado por todos os envolvidos?’, questiona o relator.


Para o líder do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), a entrevista foi ‘triste’. ‘O presidente me parece um homem perdido, alienado dos problemas. Não tem consciência do que acontece ao seu redor’, declarou.


Exemplo disso, segundo o tucano, é o fato de Lula não reconhecer que os empréstimos apresentados pelo PT como fonte do ‘valerioduto’ seriam forjados.


O líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), afirmou ter ficado indignado com a ‘audácia’ de Lula ao dizer que a oposição, no futuro, terá de pedir desculpas a ele. ‘A entrevista foi catastrófica.’


Entre os governistas, o sentimento foi de alívio com um presidente que estaria ‘pronto para a briga’. ‘O presidente criou uma expectativa para 2006. Lula está centrado na defesa do seu governo’, disse o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES).


No entanto, Casagrande disse que Lula poderia ter deixado mais claro o reconhecimento de que delegou poder demais a dirigentes como Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino.


Integrante da ala à esquerda do PT, o deputado Walter Pinheiro (BA) disse que a entrevista do presidente teve um mérito. ‘Ele reconheceu os erros do PT e disse que o partido vai pagar muito caro pelas falhas cometidas por algumas pessoas.’


No entanto, segundo Pinheiro, o presidente foi evasivo em relação à sucessão. ‘Ele tinha de dizer se vai ser candidato ou não. Quando mais o Lula adiar a decisão, pior para o PT.’


Para Pinheiro, o presidente tinha de aproveitar a entrevista para mandar outra mensagem à população. ‘Acho que o Lula poderia ter dito que o PT errou, como o fez, mas, ao mesmo tempo, dizer também que o partido no poder teve muitas conquistas.’


Auto-preservação


O sub-relator da CPI dos Correios Gustavo Fruet (PSDB-PR) disse que Lula procurou preservar só a si mesmo na entrevista. ‘A impressão que ficou é que ele tratou de salvar a própria pele.’


Fruet disse que perdeu o início da entrevista, mas que, do que viu, achou que Lula mudou a linha adotada até aqui sobre o escândalo do ‘mensalão’, principalmente sobre as investigações da CPI. ‘Antes ele dizia que a CPI não tinha provas. Agora, que vai aguardar o relatório final para tirar conclusão.’ Para Fruet, ao falar de Dirceu e do PT e dizer que é melhor esperar pela conclusão da CPI, Lula ‘criou mais expectativa sobre o relatório final’.


O deputado defende incluir ‘tudo’ no relatório, o que significa abrir espaço para a confirmação de caixa dois na campanha do senador tucano Eduardo Azeredo ao governo de Minas, e o envolvimento de outros parlamentares da oposição com o ‘valerioduto’.


Sobre a afirmação de Lula de que seu governo atendeu a todos os pedidos da CPI no fornecimento de informações, Fruet disse não acreditar em conspiração ou sonegação dos documentos, mas que a obtenção dos dados ‘não foi tão simples assim’.


‘Até agora a gente não conseguiu acesso à movimentação de Duda Mendonça na conta Dusseldorf. A PF tem perícias não concluídas, o Banco do Brasil mudou a base de dados duas vezes e a Receita, a pretexto do sigilo fiscal, nada diz sobre os investigados’.


Ironia


O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) classificou como ‘fracasso total’ a entrevista de Lula. ‘A entrevista foi um fracasso total porque ele não teve coragem de afirmar aos brasileiros as verdades que ele sabe.’ ACM disse também que, ‘como todo mentiroso’, o presidente Lula demonstrou insegurança.


O deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) também ironizou a entrevista. ‘Quando vi o Lula gaguejando, não sabia o que era mais cômico: o Pedro Bial apresentando o ‘Big Brother’ ou o Lula falando aquelas mentiras.’’


Rafael Cariello


Na TV, Lula revelou medo, diz historiador


‘Para o historiador Manolo Florentino, a entrevista com o presidente transmitida pela TV Globo no último domingo revelou ‘o medo estampado nos olhos do Lula’. As recorrentes metáforas, defende o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vieram acompanhadas de uma atitude permanentemente defensiva, de uma ‘dubiedade primária’ e careceram da autoconfiança que dava corpo ao antigo discurso do petista.


‘São signos de quem sabe que errou, em todos os sentidos: politicamente, eticamente e como líder’, diz. ‘Agora ele sabe disso.’


Folha – Como o sr. avalia a entrevista?


Manolo Florentino – O que ficou claro ali foi o medo estampado nos olhos do Lula. Isso ficou claro para todo mundo. E a defensiva permanente, como resultado desse medo. Ambas as coisas são signos de quem sabe que errou, em todos os sentidos: politicamente, eticamente e como líder.


Folha – Dá para dizer que o presidente tergiversava?


Florentino – Ele foi muito comum. Ele reiterou duas coisas que são muito próprias do seu discurso. Primeiro aquelas metáforas de sentido comum, via de regra referentes ao futebol, que em última instância só fazem esterilizar o discurso político. E, o que achei terrível para ele, a dubiedade primária. Quando Lula diz, por exemplo, que não sabe se vai se candidatar e, na pergunta seguinte, diz que vai colher o que plantou… Imagino que ele não vá colher grama, não é? O que ele está tentando colher é a reeleição.


Folha – Como se explica a dubiedade e a fuga das perguntas?


Florentino – Signo de quem sabe que errou em todos os sentidos. Agora ele sabe disso. Agora não há mais aquela autoconfiança, que podia ter um fundamento nas fantasias do Lula, do PT. Isso ficou esvaziado. Agora ele sabe que não tem conteúdo, que não tem projeto. Essa consciência é que criou esse profundo medo.


Folha – Que efeito isso pode ter para a opinião pública?


Florentino – O resultado é piorar ainda mais a imagem do presidente da República com os formadores de opinião. Sempre que ele fala, todos esses reiterados erros vêm à tona. Uma entrevista como essa tem um impacto maior, mais imediato, nesse grupo, mas aos poucos chega à base da pirâmide -não tenha dúvida disso.


Folha – Lula diz que pede a Deus que, ‘quando terminar tudo isso’, aqueles que o acusaram lhe peçam desculpas. Como o sr. vê o pedido?


Florentino – Peço a Deus que o perdoe. Mais nada. Porque ele só pode pedir isso a Deus, a mais ninguém.


Folha – Na entrevista, como em outras ocasiões, o presidente parece colocar o seu governo em absoluto destaque na história do país, totalmente distinto e ‘refundador’. Como se explica isso?


Florentino – Isso é um traço da geração de 1968, que não é a do Lula, mas que ele, em última instância, encarna. A geração de 68 está no poder. O problema é que, na hora de apresentar projetos para o país, cadê? Há muito disso: a falha de uma geração que não tinha projetos, mas apenas palavras de ordem.’


CRISE POLÍTICA
Candido Mendes


Informação e ditadura da suspeita


‘Crise, aliás , pseudocrise, ou crise nascida da credibilidade da crise? Até onde, nessa pergunta, já estamos diante inclusive das sentenças mediáticas, em que se plasma uma opinião pública por sobre a espontaneidade das convicções-cidadãs? Não é outro talvez o problema mais grave da dita democracia profunda, hoje em debate na ONU. Farão os meios de comunicação o deslinde entre a absoluta isenção no informar e o dar à mesma a interpretação, ou o comentário, como se espera do veículo que a porta?


A derrubada de José Dirceu ratifica, de forma inquietante, a ditadura da opinião sobre os fatos


Nessa linha de frente, está entre nós a Folha, no pioneirismo com que criou o instituto de ombudsman e mereceu Marcelo Beraba, agora, o seu reconhecimento internacional. Mas estamos no começo da consciência-cidadã, a defender o quanto o patrimônio público a que se refere a Carta Magna não só envolve a preservação dos bens históricos ou da integridade da natureza mas a garantia de que o universo da informação mantenha seu suposto de verdade. É esse o primeiro dos patrimônios públicos.


É só agora que começam a despertar as ações populares, garantidas pela Carta do dr. Ulysses, para assegurar a limpeza do duto da mídia como veículo do fato, antes de lhe emprestar o comentário, a versão ou o viés da crença.


Está-se, por exemplo, diante desse suposto da democracia profunda quando circulam, deliberadamente, como informação, frases, como foi o caso da suspeição de Gilberto Carvalho no caso Celso Daniel, de juízes condenados por peculato e de notórios repentistas da mentira? Ou quando, repetidamente, ganham manchetes declarações que retornam sempre aos ditos de um morto e ao nó górdio de todas as dúvidas?


No quadro da grande cidadania, o Primeiro Mundo, este que vem de premiar a Folha, criou, dentro do seu próprio circuito de consciência institucional e a partir de seus consensos, a triagem não só entre o que é fato e opinião. Mas, sobretudo, distingue o que tem o indiscutível critério de verdade, para merecer a circulação mediática e a indústria dos abates de imagem na manipulação da credibilidade da informação.


A derrubada de José Dirceu ratifica, de forma inquietante, a ditadura da opinião sobre os fatos. Foi a cutelo, em completa falta de provas, tão-só obedecendo à lógica das conveniências, com que se cumpre sua pretendida solução das crises, em um toma-lá-dá-cá entre governo e oposição. Na seqüência da cassação, nasceu um mal-estar difuso em que dói uma consciência cívica mais funda. Se há culpabilidade petista, que se a apure à luz de evidências. Tal como um Brasil de fundo mantém a credibilidade em quem elegeu estrondosamente há três anos. O governo é diferente enquanto, de fato, se vincula ao país dos desmunidos, que nele votou, que não está preocupado com as denúncias de Roberto Jefferson e que acredita na lógica da mudança, assentada na crença do ‘Lula-lá’ e do enorme investimento simbólico da vitória de 2002.


Nada mais melancólico que o relatório de Abi-Ackel, dando fim inglório à CPI do Mensalão. Talvez, quem sabe, haja culpados, repete, mas não pode indiciar ninguém por falta de provas. O que começou com todo o estrépito da suspeita continua, sonâmbulo, na ribalta dos inquisidores e acaba na água de barrela -no constrangimento e no pigarro das CPIs-, a autorizar o anticlímax das futuras conclusões.


A desmoralização do denuncismo, de toda forma, pode ser o saldo da crise, ou pseudocrise. É inseparável do repúdio, pela consciência-cidadã, da informação manipulada e sua conseqüência mais grave para o avanço da democracia profunda. Ou seja, a distância entre opinião pública e formação da consciência popular pela sofreguidão mediática.


As obsessões pelo impeachment descartaram a própria verossimilhança, transformando o dinheiro de Cuba nas clássicas suspeitas do ‘ouro de Moscou’. O valerioduto jorra simetricamente entre tucanos da mais alta estirpe e petistas da mais ilibada reputação. A liderança do PSDB só pode sair do empate da abominação propondo o inquérito segregado, fora de todo micróbio petista. O caixa dois dos bons separa o trigo mineiro do joio poluído do ABC.


A impaciência do relator Serraglio é a de quem sabe que tem de bater em martelo diante dos impasses em distinguir ou poupar um abuso generalizado do poder econômico no quadro político em que os indigitados ‘mensalões’ repetem e modernizam o nepotismo da República Velha e as clientelas que ainda povoam no atual Congresso Nacional o baixo clero e seus Severinos.


Acordões sempre é o que pede o sábio laxismo do sistema. Exorcismos, claro, por cassações empatadas. De que fatalidade vem o abate de José Dirceu? A da crise de sempre, que não faz mal a ninguém, ou da pseudocrise feita crise, para de vez abalar a lógica da mudança e o a-que-veio o partido diferente?


Candido Mendes, 77, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, é presidente do ‘senior Board’ do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).’


FSP CONTESTADA
Painel do Leitor


Voluntariado


‘‘Agradecemos a gentil reportagem da Folha sobre nossa atividade voluntária na penitenciária de Casa Branca na época de Natal. Tenho apenas duas retificações a fazer. O nome da cidade de Itobi saiu com o nome Itubi. Na entrevista por telefone, não mencionei que o atual diretor, sr. Júlio Procópio, nos proibiu de cantar no dia 25. Ele expressou a dificuldade dessa data por cair no domingo, dia de visitas na penitenciária. Somos gratos à diretoria por seu espírito de abertura e apoio recebido. Isso nos permite dar continuidade a essa maravilhosa experiência de, na noite ou semana de Natal, sentirmos na pele que todo homem é nosso irmão.’ Tini Schoenmaker Stoltenborg (Itobi, SP)


Resposta da jornalista Daniela Tófoli – A entrevistada afirmou que o diretor do presídio não havia permitido a apresentação no dia 25 e pedido para que a data fosse alterada, informação confirmada pela assessoria de imprensa da secretaria de Administração Penitenciária. Sobre o nome da cidade, leia ‘Erramos’ abaixo.


Coleções


‘Gostaria de expressar o meu absoluto repúdio à notícia publicada no domingo, de autoria de Mario Cesar Carvalho, o qual se utiliza de extrema má-fé para lançar acusações absurdas à minha pessoa, além de trazer diversas informações equivocadas. Inicialmente, vale a pena lembrar que os órgãos competentes para investigar e julgar no Brasil são a polícia e a magistratura, respectivamente. Ao que tenho conhecimento, o jornalista deve apenas informar à opinião pública sobre acontecimentos verídicos, o que definitivamente não foi o caso da reportagem em voga. Além disto, o jornalista citou, diversas vezes, a existência de ‘arquivo digital’ que estaria em sua posse, sem esclarecer maiores dados sobre esse arquivo digital. Importante ressaltar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, prevê a inviolabilidade do sigilo de dados, que não pode ser quebrada por decisão do jornalista. Quanto às informações expostas, o quadro de Picabia não está na minha residência, conforme erroneamente exposto pelo jornalista. A informação que forneci à Justiça Federal corresponde à verdade. As outras obras estão exatamente onde informei ao juiz federal, e espanta o fato de o jornalista julgar tais informações mentirosas, por si próprio, sem qualquer base. Gostaria ainda de reiterar que todas as obras da Cid Collection estão registradas na Receita Federal e foram adquiridas regularmente. O intuito das coleções sempre foi a de exposição ao público e enriquecimento da cultura nacional. Tanto é assim que a coleção sobre cartografia foi exposta no saguão do Banco Santos, em São Paulo, no Rio de Janeiro e ainda no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Outras coleções inéditas, como a Escrita da Memória, única no país e no mundo, foi exposta ao público nacional com grande sucesso, o que demonstra que o intuito das obras sempre foi o desenvolvimento da cultura. No que tange à acusação de que eu teria tirado obras do país, cabe ainda lembrar que as obras são de propriedade das empresas Wailea e Cid Collection, as quais poderiam gerir seu acervo conforme bem entendessem, não caracterizando qualquer irregularidade o transporte das obras regularmente adquiridas. Aliás, fosse o meu propósito esconder obras de arte, não teriam sido seqüestradas e inventariadas, em março de 2005, mais de 700 peças em minha residência, das quais sou o depositário, e milhares de outras na sede do banco e na reserva do acervo, muitas delas valiosíssimas. O jornalista utiliza informações esparsas para deduzir acusações ilógicas e surreais, sem atentar aos regulamentos profissionais da atividade jornalística. Por fim, para cumprir um manual formal de publicação, o jornalista descreveu suposta manifestação da parte contrária, pinçando de documentos sigilosos alguns trechos do meu interrogatório na Justiça Federal, totalmente alienados de seu contexto. Por tudo exposto, novas providências cabíveis, criminais e junto aos órgãos de classe, particularmente a ABI, serão tomadas, como forma de clamar pela existência de um jornalismo efetivamente profissional no país.’ Edemar Cid Ferreira (São Paulo, SP)


Resposta do jornalista Mario Cesar Carvalho – Não há julgamento, acusação ou inverdades na reportagem da Folha; só exposição de fatos, baseados em documentos de uma empresa de Edemar. A informação de que o banqueiro tem uma tela de Francis Picabia (1879-1953) em casa consta do auto de apreensão de obras, feito pela Polícia Federal.’


FRAUDE NA SCIENCE
Folha de S. Paulo


Revista tenta cancelar artigo sobre clonagem


‘DO ‘NEW YORK TIMES’ – A revista americana ‘Science’, um dos maiores periódicos científicos do mundo, está enfrentando problemas para preparar o cancelamento do artigo de maio passado do sul-coreano Woo-Suk Hwang. O trabalho supostamente revolucionário com clonagem humana para fins terapêuticos foi totalmente fraudado.


Até agora, 24 dos 25 autores da pesquisa concordaram em assinar o texto de cancelamento do artigo. Mas, segundo Katrina Kelner, editora-assistente da ‘Science’, a formulação do texto está incorreta, pois ele diz que duas das 11 linhagens de células-tronco embrionárias supostamente criadas por Hwang e colegas ainda poderiam ter vindo de clones.


Por outro lado, a investigação conduzida pela Universidade Nacional de Seul, onde Hwang trabalhava, mostrou que nenhuma das linhagens é comprovadamente derivada de embriões clonados.


Caso não haja acordo entre os autores, a ‘Science’ cancelará por conta própria o artigo. A revista também investiga um trabalho anterior, publicado em 2004.’


MINC vs. GULLAR
Folha de S. Paulo


Artistas defendem Ferreira Gullar de críticas do Ministério da Cultura


‘Um abaixo-assinado de apoio ao poeta e colunista da Folha Ferreira Gullar foi encaminhado na última sexta-feira ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro da Cultura, Gilberto Gil. O documento é um protesto contra a carta do secretário de Políticas Públicas do ministério, Sérgio Sá Leitão, publicada no dia 24 de dezembro na Folha.


‘Nós abaixo assinados vimos explicitar nosso repúdio pela forma como um funcionário do alto escalão do Ministério da Cultura trata um dos maiores intelectuais vivos deste país, o poeta Ferreira Gullar’, afirma o texto, assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o produtor Luiz Carlos Barreto, o cineasta Zelito Viana e outros 27 artistas. As assinaturas continuam sendo coletadas e serão enviadas a Brasília.


Em sua carta, Sá Leitão criticou frases ditas por Gullar na Sabatina Folha realizada no dia 21. Sobre a gestão de Gil, o poeta afirmou à platéia: ‘Ouço reclamações de diferentes áreas de que [ele] não está cumprindo bem seu papel.’ E ainda disse: ‘Houve centralização que não sei se continua.’


Na carta, Sá Leitão escreveu: ‘(…) Não deixa de ser curioso um comunista criticar algo ou alguém por uma suposta ‘centralização’. A ‘centralização’ não era a marca registrada dos finados regimes stalinistas dos quais Gullar foi e segue sendo um defensor?’.


‘O que Gullar observou [sobre Gil] foi muito singelo para ser alvo de uma patada como essa’, criticou o cineasta José Joffily, uma das assinaturas do documento. ‘Quem está no poder precisa medir suas palavras. Gullar é um homem que trouxe, traz e trará muitas contribuições ao país. Não dá para um menino vir com tanta agressividade e estupidez’, disse.


Ontem, Sá Leitão disse que sua carta não foi uma iniciativa pessoal, mas do ministério. E encaminhou e-mail dando sua versão do caso. ‘Ferreira Gullar deu o comando, e o que era um exercício público de liberdade de expressão tornou-se o pretexto para uma perseguição política que remonta aos piores momentos do stalinismo, mesclando o totalitarismo do partidão ao oportunismo de ex-privilegiados do cinema’, afirma.


‘Por fim, deixo uma pergunta: por que a crítica de Gullar é um gesto democrático, e a crítica a Gullar, um ato de autoritarismo?’, escreve ele, referindo-se a um trecho do abaixo-assinado: ‘(…) Com manifestações desta natureza estamos voltando aos obscuros tempos da ditadura, onde tentavam nos proibir até mesmo de pensar’.


O trecho é um apoio à resposta que Gullar deu, no dia 24, no ‘Painel do Leitor’, à carta de Sá Leitão, quando afirmou que ‘parece escrita pelo antigo SNI [Serviço Nacional de Informações]’.’


RÁDIO
Gilberto Felisberto Vasconcellos


Emissora foi momento jubiloso da cultura brasileira


‘É tolice afirmar que a midioesfera (jornal, rádio, televisão) seja o motor da história, porém se pode facilmente constatar a conexão entre prevalência de um veículo de comunicação com determinados rumos e tendências da sociedade.


Embora não se aprofunde na análise sociológica, o livro ‘Rádio Nacional – O Brasil em Sintonia’ mostra que a Rádio Nacional foi um momento jubiloso da cultura brasileira, sendo que com a transmissão radiofônica vai se configurando entre nós a indústria ideológica submetida aos interesses dos grandes grupos econômicos.


A expressão ‘indústria ideológica’ é mais apropriada do que indústria cultural porque o objetivo da comunicação de massa é divulgar ideologia, e não produzir cultura.


Os autores desse livro, Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virginia Moreira, têm o mérito de não elidir o fato de que a consolidação da Rádio Nacional ocorreu durante o Estado Novo de 1937 a 1945, ou seja, na fase da chamada ditadura de Getúlio Vargas.


Nada mais significativo do que foi a Rádio Nacional à altura de 1942 do que o alto nível dos intelectuais que dela faziam parte, como Cassiano Ricardo, Roquette Pinto, Gilberto Amado, Manuel Bandeira, Venâncio Filho e Andrade Muricy. Acrescente-se, além de Almirante e Lamartine Babo, o trabalho de um músico brilhante como Radamés Gnattali, tocando piano, arranjando, recriando Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Zequinha de Abreu.


Somente por ter assegurado as condições de sobrevivência material e artística ao gênio musical de Radamés, a Rádio Nacional se destaca na história da cultura.


O ponto alto da música brasileira está entronizado à Rádio Nacional, dando força para os músicos Garoto e Fafá Lemos, o que mostra que havia ainda margem de autonomia e liberdade no sistema de comunicação de massa. Que se compare nesse aspecto com o nascimento e percurso da televisão, cuja aura cultural ou artística é quase nula.


O que chama a atenção nesse livro repleto de excelentes fotografias é que os trabalhadores do rádio se vestiam muito melhor e com mais que elegância do que o pessoal de televisão.


Curiosamente a televisão ganha corpo também sob um regime ditatorial pós-1964, mas não é a mesma coisa do que sucedeu com o rádio na época do Estado Novo. Isso significa que, do ponto da radiodifusão, Getúlio Vargas não pode ser colocado na mesma balança de um Castelo Branco ou Costa e Silva.


O sucesso da Rádio Nacional deixava o cacique Assis Chateaubriand morrendo de ciúmes. Conta Mário Lago uma conversa do jornalista com Juscelino: ‘Se Vossa Excelência der o canal de televisão à Nacional, jogo toda minha rede de rádio, imprensa e televisão contra seu governo’.


O que sobressai na Rádio Nacional é a seguinte ambivalência: trata-se de um produto de massa com elevado nível cultural. E mais: o período da americanização do país na cultura coexiste a uma programação nacionalista.


No período do presidente Dutra, depois da queda de Vargas em 45, os patrocinadores da Rádio Nacional como Produtos Fátima, Camisaria Progresso, serão substituídos pelas multinacionais a exemplo da Goodyear, Johnson & Johnson e Ponds.


Isso diz tudo, não obstante o programa ‘Repórter Esso’ da Rádio Nacional ter sido bancado pela Standard Oil, a inimiga da Petrobras.


Já virou lugar-comum afirmar que uma mídia suplanta a outra: o jornal perde para o rádio, e este para a televisão.


É preciso, porém, realçar uma característica do homem brasileiro, que apreende mais o mundo pelo ouvido do que pelo olho. Daí a importância que desempenha a acústica radiofônica ainda hoje.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de ‘A Salvação da Lavoura’ (Casa Amarela).


Rádio Nacional – O Brasil em Sintonia


Autor: Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virginia Moreira


Editora: Jorge Zahar


Quanto: R$ 37 (224 págs.)’


CASOY DEMITIDO
Folha de S. Paulo


Celso Freitas deve substituir Boris Casoy na Rede Record


‘O jornalista e âncora do ‘Domingo Espetacular’, Celso Freitas, é o primeiro nome provável do substituto de Boris Casoy no comando do ‘Jornal da Record’. A emissora rescindiu o contrato com Casoy na sexta, conforme antecipou a Folha Online. Uma apresentadora, ainda não escolhida, deverá dividir a bancada com Celso Freitas. A dupla deve fazer sua estréia nos próximos 45 dias.’


JK NA GLOBO
Laura Mattos


Vida de Lilian Gonçalves dá ‘molho’ a ‘JK’


‘Certa vez, a pequena Lilian Gonçalves, 5, sentou-se no colo de Juscelino Kubitschek. ‘Essa menina, tão esperta para a idade, vai ser uma pessoa importante na vida. Você vai longe!’, disse o político.


Cinqüenta anos depois, a filha da cozinheira do Catetinho chegou ao que considera o ápice de sua trajetória. Terá sua vida retratada na minissérie ‘JK’, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, que estréia hoje na Globo.


Mariana Ximenez interpretará Lilian, na principal trama paralela à história do presidente. Seu caminho cruzou o de JK só nessa ocasião. Mas é tão folhetinesco, que fez com que a autora mudasse o roteiro original para encaixar sua história. ‘A Maria Adelaide já tinha terminado a sinopse quando um amigo mostrou minha biografia. Ela não queria ler, estava cansada depois de tanta pesquisa, tantos livros. Mas acabou cedendo. No dia seguinte, me ligou: ‘Topa vender os direitos da sua biografia? Já tinha o macarrão, e sua vida vai ser o molho’, conta Lilian, toda prosa.


E que molho picante! Lilian chegou a Brasília em pau-de-arara, com a mãe e os irmãos. Trabalhou em bares ainda criança, apanhou da mãe alcoólatra e dos irmãos, foi babá aos nove anos, estuprada por um parente aos 12, fugiu de casa e mudou-se para SP aos 14.


Quando chegou à capital, teve de limpar pára-brisas de carros nos faróis a fim de conseguir dinheiro para o almoço. Foi morar numa pensão, arrumou emprego em bar e em drive-in. Pouco tempo depois, conseguiu comprar seu primeiro bar. Hoje é dona de uma rede de bares e restaurantes em Santa Cecília (região central de SP), a Biroska. Já adulta e bem-sucedida, descobriu ser filha de Nelson Gonçalves, mas não a tempo de falar sobre isso com o cantor, morto em 1998.


Sempre viveu cercada por celebridades de todos os calibres. Foi apresentadora de TV, cantora e jurada dos programas de Flávio Cavalcanti e Barros de Alencar. Para a minissérie, Maria Adelaide baseou-se na autobiografia ‘A Vida Brilhando em Neon’, de 1991.


Lilian aproveitará a popularidade que deve ganhar a partir da minissérie para alavancar seu próximo livro, ‘Lilian Gonçalves Conta Tudo’, a ser lançado em breve pela editora Siciliano.


Documentários


O Canal Brasil também entra na onda ‘JK’ e estréia o ano com três documentários sobre o período no ‘É Tudo Verdade’. Hoje e no dia 15, será exibido ‘Os Anos JK’ (1980), de Silvio Tendler. No dia 10 é a vez de ‘Conterrâneos Velhos de Guerra’ (1990), de Vladimir Carvalho. ‘Jango’ (1984), também de Tendler, fecha a programação, no dia 17.’


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O Globo


Terça-feira, 3 de janeiro de 2006


LULA NO FANTÁSTICO
Merval Pereira


Beco sem saída


‘Se o melhor que o presidente Lula tem a fazer diante das acusações de corrupção que atingem seu governo é o que apresentou na entrevista ao ‘Fantástico’ no domingo, então ele está em maus lençóis. Alegar que só pode saber do que acontece nos bastidores do governo que supostamente comanda se alguém lhe contar ou denunciar, é um atestado de incompetência incomensurável, para usar a qualificação que ele dedicou ao ‘erro’ do PT. E não lhe tira a culpa.


Supondo que o seu chefe da Casa Civil, o então todo-poderoso José Dirceu, fosse realmente autônomo em suas ações políticas, ou até mesmo admitindo que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, fosse autônomo em relação a José Dirceu, só mesmo um presidente descolado da realidade não notaria que sua base de sustentação no Congresso havia inchado excessivamente. Ou não estranharia a presença constante do tesoureiro do partido no Palácio do Planalto.


Para um presidente que se recusou a entregar parte do primeiro Ministério ao PMDB, no começo do governo, sob a alegação de que não queria aprofundar negociações com políticos fisiológicos, logo depois dizer que daria um cheque em branco para o presidente do PTB, Roberto Jefferson, é uma mudança de posição tão radical que não é possível que o próprio Lula não tenha participado das negociações, ou pelo menos não tenha sido comunicado delas.


Quanto ao pedido de desculpas de que ele se considera devedor, é preciso lembrar ao presidente que é ele quem deve desculpas ao povo brasileiro. Senão por ter comandado toda esse esquema de corrupção que está sendo desvendado pelas CPIs, pelo menos por não ter notado nada do que se passava à sua volta. Um presidente da República é responsável, em última instância, pelo que acontece no governo, de bom e de ruim. Não vale se auto-elogiar pelos bons resultados e culpar outros pelos erros.


Mas o que torna inverossímil a alegação de que nada sabia é a história de Lula no PT, partido que ele ajudou a fundar com seu carisma de líder operário, e de cuja direção nunca saiu. Há diversos relatos de que Lula foi avisado pessoalmente por vários companheiros de partido – Paulo de Tarso Venceslau e Cesar Benjamim são dois deles – sobre falcatruas que estavam sendo cometidas pelo PT nas prefeituras que administrava, já pelos anos 90 do século passado, e Lula nunca moveu uma palha para esclarecer as denúncias, ou mudar os procedimentos petistas.


A entrevista revelou duas importantes facetas da estratégia de Lula para a campanha eleitoral. Pela primeira vez ele se referiu à data fatal de junho como o prazo que tem para decidir se vai se recandidatar ou não. De fato, pelo calendário eleitoral confirmado ontem pelo Tribunal Superior Eleitoral, o presidente Lula tem até o dia 30 de junho para se anunciar como candidato, caso decida concorrer à reeleição. O último dia de junho é a data limite para os partidos realizarem convenções, que podem começar no dia 10 de junho, tendo os partidos até 5 de julho para registrarem seus candidatos no TSE.


Como presidente da República não precisa se desincompatibilizar do cargo para concorrer à reeleição, Lula poderá manter a postura de candidato, comparecer às inaugurações, fazer comícios, sem estar legalmente impedido por ser candidato. Embora as restrições legais só valham a partir do registro da candidatura, em julho, moralmente ele ficará impedido de atuar como candidato assim que anunciar que o será.


Mantendo a dúvida, ele tem ainda outra vantagem: poderá acompanhar as pesquisas eleitorais, e avaliar melhor suas chances até o último momento. Essa estratégia pode ser interessante para ele, mas não é para o PT, o partido que será o suporte de sua eventual candidatura. Se Lula finalmente decidir não se candidatar perto de junho, o PT terá pouco tempo para organizar a campanha de seu substituto.


Mais que isso: alguns dos possíveis candidatos terão que se desincompatibilizar até o último dia de março, mesmo sem saber se Lula será ou não candidato. O ministro Ciro Gomes, por exemplo, terá que deixar o Ministério da Integração Nacional e ficar aguardando a decisão de Lula para saber se será candidato a vice-presidente numa chapa com o PT, a presidente pelo PSB, a governador do Ceará ou a senador. Outros possíveis candidatos a presidente pelo PT são o senador Aloizio Mercadante e o ex-ministro Tarso Genro.


Mercadante é candidato ao governo de São Paulo, e terá sua disputa com Marta Suplicy atrapalhada por essa indecisão. Tarso Genro não tem mandato nem cargo no governo, mas não poderá voltar ao Ministério na próxima reforma se for um eventual regra-três de Lula no PT. Mas o presidente, paradoxalmente, não parece muito preocupado com o futuro do partido que será sua principal sustentação em uma eventual campanha eleitoral.


As críticas abertas que Lula fez ao PT, mesmo que tenha, com uma metáfora canhestra, tentado isolar os ‘erros’ do PT em uma pequena parte da ‘família petista’, certamente não ajudam a recuperar a imagem do PT, nem o ânimo dos petistas, em uma campanha eleitoral. Como os militantes vão erguer a bandeira vermelha do PT se o próprio candidato diz que o partido ‘vai custar muito a recuperar a credibilidade’?


O fato é que Lula está aparentemente em um beco sem saída: se defender o PT, perde mais ainda a popularidade entre os não-petistas que ajudaram a elegê-lo. Se criticar o PT, está ajudando a afundar o partido pelo qual concorrerá. É a mesma situação ambígua do PT, que critica a política econômica de Lula, mas terá que basear sua campanha nos eventuais êxitos dela. Se for candidato, Lula contará exclusivamente com seu carisma pessoal e com os resultados de seu governo. Para o bem ou para o mal.’


JK NA GLOBO
Amelia Gonzalez


Os ‘causos’ de JK


‘Sabe por que Juscelino Kubitschek tinha mania de tirar os sapatos debaixo da mesa? Porque quando ainda era um moleque travesso de Diamantina e adorava brincar de capa e espada, um dia deu um golpe errado e um armário caiu em cima do pé dele, quebrando seu dedo mindinho. O médico, Dr. Matta Machado, receitou antiinflamatório, mobilizou o pé, mas avisou ao futuro presidente do Brasil:


– Este dedo vai te incomodar para o resto da vida.


Intimidades deliciosas como esta, do homem que construiu Brasília e proporcionou ao Brasil uma era de ouro, vão ao ar a partir de hoje na minissérie ‘JK’, de Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral, sob direção de Dennis Carvalho. Como bom mineiro, ou melhor, diamantinense, como prefere a autora, JK ( que na minissérie será interpretado por Wagner Moura e José Wilker) era um trabalhador incansável. E tinha um lado boêmio, galante, brincalhão, que puxou do pai, o caixeiro viajante João César de Oliveira, na minissérie interpretado por Fábio Assunção.


– Depois do expediente ele sempre se cercava de gente divertida. Trabalhava à noite no telégrafo, estudava medicina de dia. E aprendeu a tirar sonecas curtas, de 20 minutos mais ou menos, que o deixavam sempre em forma – conta Maria Adelaide.


Historiador ajudou os autores


JK adorava jabuticaba, macarronada e comida mineira. Dona Sarah ( que na minissérie será vivida por Deborah Falabella e Marília Pêra), toda cerimoniosa, mandava preparar sempre um serviço à francesa no Palácio das Laranjeiras, mas o que dava um prazer especial a Juscelino era ir até a cozinha e cheirar a comida preparada por Etelvina antes das refeições.


– Era um brasileiro comum e acho que é por isso que sempre foi tão reverenciado por todos – diz Alcides Nogueira.


Os autores foram assessorados pelo historiador Ronaldo Costa Couto, um mineiro contador de ‘causos’, que adora lembrar as mineirices dos políticos dos anos 50. Como quando Juscelino se candidatou a governador de Minas Gerais pelo PSD, por exemplo, seu principal adversário era Gabriel Passos, candidato pela UDN . A curiosidade é que Gabriel era casado com a irmã de Dona Sarah.


– Sabe o que os mineiros diziam? A gente não sabe quem vai ser o governador, mas já sabe quem vai ser a sogra – conta Couto, divertido.


Um excelente pé-de-valsa


Os bastidores dessa eleição serão contados na telinha. JK acompanhava a votação pelo rádio e, segundo as primeiras apurações, perdia feio para o Passos. Chateado, o futuro presidente resolveu parar de escutar as notícias e convidou alguns amigos para fazer uma serenata e afogar as mágoas. O resultado virou a favor dele. JK foi eleito governador, e o chororô virou uma festa.


Juscelino não era homem de beber muito. Gostava de champanhe rosé e de uísque.


– Ele se divertia era com o barulho do gelo batendo no copo – diz Alcides Nogueira.


Era um excelente pé-de-valsa, adorava dançar tango, e isso o deixava com uma cotação altíssima junto às mulheres. Uma faceta que será contada com cuidado pelos autores, para não serem deselegantes com Dona Sarah e, ao mesmo tempo, preservarem a imagem de Maria Lucia Pedrosa, a grande paixão de Juscelino durante 18 anos, que fez questão de ler o perfil de sua personagem, interpretada por Letícia Sabatella.


– Ele não era assediador, deselegante como o Jânio Quadros. Mariza ( a personagem de Letícia) será uma mistura de outras três paixões que não serão citadas – diz a autora Maria Adelaide.


O encontro com Mariza será totalmente ficcional. A moça será filha de uma mulher que fora ajudada em 1932 pelo médico e por isso tem verdadeira adoração por ele. Os dois vão se encontrar casualmente durante a campanha, num baile, onde será apresentado a ela, uma moça lindíssima, miss Primavera da época. Ficou o registro nos dois, ela viajou para o Rio para tentar a carreira de modelo e sempre acabavam se esbarrando. Ele vai ficando cada vez mais encantado, até que ela se declara a ele:


– Não tiramos do Juscelino a imagem presidencial. Ela é uma mulher irresistível, e ficou em conflito. Desenvolvemos isso com a delicadeza que o assunto merece – revela Nogueira.


Vaidoso, JK não desprezava uma tintura no cabelo para não deixar os fios brancos tomarem conta. Místico ( ver texto ao lado) , era um devoto de Nossa Senhora da Luz e, depois que a mãe morreu, nunca deixou de ir ao cemitério ‘conversar’ com ela antes de tomar qualquer atitude muito séria. Ativo, acordava todos os dias às 6h e despachava pelo telefone, antes de sair de casa.


-Ah, e ele tinha também mania de pontualidade. Não se conformava quando era obrigado a se atrasar para um compromisso e achava um desrespeito quando alguém se atrasava – diz Costa Couto.


Juscelino era um otimista e amava o Brasil. Mesmo no exílio, inconformado com o fato de não poder voltar, segundo relatos conseguidos no diário do presidente emprestado aos autores pelo jornalista Elio Gaspari, ele não perdeu seu viço e alegria.


– Conversamos muito com o Dennis ( Carvalho, diretor) e ele se incumbiu de passar para os atores essa característica do comportamento do presidente. JK tinha, sobretudo, muita leveza para conduzir assuntos explosivos – diz Alcides Nogueira.


Coisa de mineiros, como diriam os patrícios do presidente. Já que é assim, não custa terminar esta prosa com uma lição de mineirice. Dizem que em abril de 1964, em conversa no Congresso Nacional, Tancredo Neves avisou aos amigos próximos, entre eles JK, que não daria o voto a Castello Branco por questão de princípio, compromisso com a democracia. Juscelino, então, teria feito um apelo:


– Mas, Tancredo, o Castello é um militar diferente, estudou na França, é um sorbonniano, um intelectual como você, já leu centenas de livro.


E Tancredo replicou


– É verdade, Juscelino. Mas ele leu os livros errados.’


Ronaldo Costa Couto


JK e seu profeta


‘Fim de 1954, Palácio das Mangabeiras, pé da Serra do Curral, Belo Horizonte, lusco-fusco. O governador Juscelino Kubitschek de Oliveira está à vontade, repousando no andar superior. De repente, anunciam que um frade barbudo está esperando por ele na grande sala da entrada do andar térreo. Admira-se. Não espera ninguém. Terá se esquecido? Falha do Cerimonial? Compõe-se e desce a escada encaracolada. Age cordialmente, com naturalidade, como se cumprisse a agenda. Não questiona a presença do visitante. Pelo contrário. Cumprimenta-o alegremente, senta-se para conversar.


O frade demora pouco e nada pede. A não ser que JK jamais abandone os propósitos humanitários e se prepare, pois vai ser presidente da República. Dá-lhe a bênção, despede-se e vai embora. Perplexo, Juscelino manda verificar o que aconteceu. Está impressionado e preocupado. Quer saber mais sobre a estranha visita. Sobretudo como o frade passou pela portaria chefiada pelo disciplinado cabo Lucas. O Palácio é encravado na montanha, cercado, somente acessível pela portaria, muito bem vigiada. Dá as ordens. Verificam tudo, checam tudo. Conclusão: ninguém entrou, ninguém saiu.


Místico, Juscelino contava esse episódio com convicção absoluta.


RONALDO COSTA COUTO, escritor, economista, foi ministro do Interior, governador de Brasíia e ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República (governo Sarney). É autor, entre outros, dos livros Matarazzo (Ed. Planeta do Brasil) e Brasília Kubitschek de Oliveira (Ed. Record).’


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O Estado de S. Paulo


Terça-feira, 3 de janeiro de 2006


LULA NO FANTÁSTICO
Roldão Arruda


‘Lula está abalado’, avalia especialista


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive uma situação delicadíssima em relação às próximas eleições. Na opinião do cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto de Pesquisas Universitárias do Rio de Janeiro (Iuperj), isso ficou claro mais uma vez na entrevista que ele deu ao Fantástico, da TV Globo, no domingo á noite, quando disse que ainda não sabe se será candidato à reeleição. ‘Pelo modo como falou, não acredito que esteja fazendo charme político’, diz o estudioso. ‘Lula está visivelmente abalado.’


O que faz Lula titubear, segundo Figueiredo, é o fato de saber que não basta ganhar a eleição: ‘Em outras ocasiões ele já chamou a atenção sobre a dificuldade de governar sem uma sólida base de apoio no Congresso. No momento, a expectativa de conseguir esse apoio, no caso de uma eventual vitória, é mínima. O PT está desgastado e deverá ser punido pelo eleitorado. Os aliados de última hora, como o PTB e o PL, não estão nem nos planos das alianças, porque também ficaram comprometidos com os escândalos. O PMDB permanece na tradicional indefinição.’


Num segundo mandato, Lula certamente teria o apoio do PC do B e do PSB, aliados tradicionais e fiéis. Mas isso não bastaria. ‘São partidos pequenos e sem forças para a montagem de uma base parlamentar minimamente suficiente para garantir o governo.’


O dilema de Lula é agravado, segundo o estudioso, pelo fato de ser difícil explicar para a opinião pública a desistência de um segundo mandato. ‘Terá que dar uma explicação muito boa. Se não convencer, será como assumir um fracasso. Nesse caso cairá no ostracismo.’


O cientista político diz que o presidente se esforçou durante a entrevista ao Fantástico para parecer sincero e evitar expressões meramente burocráticas. ‘Quando disse que foi traído pelo PT, apunhalado pelas costas, ele procurou demonstrar que estava realmente indignado e decepcionado.’


O que assusta Lula, segundo Figueiredo, é a situação precária do PT, cuja recuperação vai demorar um bom tempo, e a possibilidade de se tornar refém de outros partidos: ‘É duro concorrer sabendo que, se ganhar, ficará nas mãos dos outros.’’


VINGANÇA DAS FONTES
Katharine Q. Seelye


Agora os entrevistados gravam as entrevistas


‘Durante décadas, mesmo quando as fontes de informação achavam que suas declarações tinham sido mal interpretadas, era improvável que elas enfrentassem os jornalistas ou donos de jornais, acreditando que o poder da imprensa dava a ela própria a palavra definitiva.


A internet, e especialmente o poder amplificador dos blogs, está mudando isso. Fontes insatisfeitas descobriram há pouco tempo que poderiam usar seus sites na Web para corrigir o registro ou desconstruir artigos para expressar o que consideravam ser narrativas tendenciosas ou errôneas de jornalistas.


Agora, eles estão dando um passo além. Os entrevistados estão revidando. Eles passaram a usar os mesmos métodos que os jornalistas utilizam – gravando entrevistas, salvando trocas de e-mails, tomando notas em conversas telefônicas – e publicam o conteúdo em seus próprios sites e blogs. Essa nova arma está ajudando a mudar a maneira como as notícias são apuradas e apresentadas. E isso traz implicações para o futuro do jornalismo.


Basta perguntar aos produtores do programa Nightline, da rede de TV ABC News. A rede transmitiu, em agosto, uma reportagem sobre o design inteligente (crença de que a evolução não é suficiente para ter formado a vida, processo que exigiria um ‘criador’), entrevistando integrantes do Discovery Institute, uma organização conservadora. Eles não gostaram nada da reportagem.


No dia seguinte, o instituto publicou no seu site a transcrição completa da entrevista com quase uma hora de duração – o programa que foi ao ar havia usado apenas breves citações da entrevista. Na verdade, o instituto não acusou a ABC de qualquer erro. Mas convidou quem acessa sua página a analisar a entrevista não editada, porque ela revelaria ‘o tom previsível de algumas das perguntas’ feitas pela equipe do Nightline. ‘Aqui está sua chance de penetrar nos bastidores da mídia nacional para ver como eles fazem uma triagem dos pontos de vista e informações que não se encaixam nos seus estereótipos’, escreveu Rob Crowther, o porta-voz do instituto no site.


A publicação de transcrições, mensagens eletrônicas e conversas – e mesmo a capacidade de buscar informações em sites como o Google – tem dado poderes àqueles a quem Jay Rosen, um blogger e professor de jornalismo da New York University, chama de ‘pessoas anteriormente conhecidas como o público’.


‘Nesse novo mundo, o público e as fontes são também ‘publicadores’, disse Rosen. ‘Eles agora dizem aos jornalistas: ‘Nós também somos produtores. Portanto, a entrevista fica no meio, entre nós. Vocês produzem coisas a partir dela e nós também’. De agora em diante, num situação de entrevista potencialmente hostil, esta será a norma.’


Todas essas evoluções têm obrigado os jornalistas a reagir de várias formas, inclusive se tornando mais abertos em relação a seus métodos e técnicas e talvez mais conscientes sobre a forma como filtram as informações.


‘Na medida em que você sabe que existe alguém monitorando cada palavra, isso provavelmente o impele a ser ainda mais cuidadoso, o que é uma coisa boa’, disse Chris Bury, o correspondente do Nightline cuja entrevista foi publicada na íntegra pelo Discovery Institute. ‘Mas os leitores e telespectadores precisam compreender que uma entrevista é apenas uma parte da reportagem, que existem outras entrevistas e outras pesquisas e esta é apenas um parte do que constitui uma reportagem completa’, acredita Bury.’


INTERNET
Paul Durman


Google, uma criança de US$ 124 bi


‘Em uma carta aos acionistas no relatório anual do Google, Sergey Brin, um dos fundadores da empresa de mecanismo de busca, comparou-o a uma criança de 7 anos. ‘O Google nasceu em 1998. Se fosse uma pessoa, teria começado a escola fundamental no verão passado. Apesar de parecer que chegamos longe, esse é apenas o início.’


Foi em 2005 que o Google cresceu. Só no primeiro ano como empresa de capital aberto, tornou-se o negócio de mídia mais valioso do mundo. Até a sexta-feira, suas ações valorizaram o negócio em US$ 124 bilhões – cinco vezes o valor flutuante em 2004.


Como os lucros do Google continuam a dobrar a cada ano – as vendas de 2005 devem atingir US$ 6 bilhões -, tornou-se cada vez mais difícil ignorar o impacto da empresa na economia mais ampla. Isso certamente é verdade para os grupos de mídia tradicionais. Os jornais sofrem com as vendas fracas de classificados, enquanto as emissoras de televisões lutam com um público fragmentado, que gasta mais tempo online.


A aparente interminável ambição de Brin e do co-fundador Larry Page coloca um desafio para outras indústrias, também. Os serviços Google Talk e o Gmail representam uma tentativa de primeiro passo nas telecomunicações. A proliferação de serviços baseados na web no Google é também, talvez, a maior ameaça à Microsoft nos 30 anos de história da gigante do software.


Enquanto há alguns perdedores com o sucesso do Google, a eficiência e a medida da publicidade ‘pay-per-click’ ajuda muitas empresas de viagens, financeiras e outras a encontrar clientes com mais facilidade.


Por essas razões, o prêmio de 2005 para a Personalidade Econômica do Ano do Sunday Times vai para Brian e Page. O crédito deveria ser dividido com o terceiro e menos famoso membro do triunvirato que administra o Google – Eric Schmidt, que é diretor-executivo da empresa desde julho de 2001.


Apesar de o crescimento do Google ter ramificações mundiais, também foi um grande sucesso na Grã-Bretanha. O país é responsável por cerca de 15% da receita do Google, tornando-o o mercado mais maduro para a publicidade ‘pay-per-click’ fora dos Estados Unidos.A publicidade online tornou-se um negócio de # 1 bilhão por ano aqui. Os publicitários na Grã-Bretanha agora gastam mais dinheiro online do que no rádio ou em outdoors.O ‘pay-per-click’ representa pouco mais de 40% dos gastos online.


O forte crescimento na publicidade online – ou a parcela de crescimento do Google nesse negócio – é a principal razão pela qual o preço da ação da empresa não pára de subir. Uma aura de invencibilidade cresceu em torno do Google, apoiada no seu ritmo de inovações. Um dos exemplos mais impressionantes foi o lançamento em junho do Google Earth, que usa fotos de satélite para permitir que os usuários possam voar através do espaço para ter visões do nível da rua dos lugares de interesse. Pode-se realmente ver como se parece o quintal desde o espaço.


A empresa também apresentou a busca por vídeo; espertamente, integrou o mapeamento aos serviços de busca de locais, lançou uma ferramenta de busca para o desktop e anunciou a criação do Google Talk, sua resposta à sempre crescente área da telefonia pela internet. Quase todas as iniciativas são acompanhadas por ondas de cobertura da imprensa e outro aumento nos objetivos que os analistas de Wall Street estabelecem para o preço da ação do Google.


O quanto dessa euforia é justificada está em questão. Muitos dos novos produtos devem gerar mais para seguirem o caminho da receita. As ações do Google já são negociadas em progressão geométrica – 20 vezes as vendas desse ano, 95 vezes seus ganhos.


O Google continua fortemente dependente de sua atividade original, aquela em que é rei absoluto – busca. Muitos dos novos produtos da empresa encorajam busca online, criando então mais oportunidades para exibir os anúncios.


Os críticos sugerem que o Google é mais vulnerável do que aparenta. O acordo pré-natalino de pagar US$ 1 bilhão à Time Warner por uma fatia de 5% na AOL destaca a importância que o Google dá para garantir o tráfico do provedor de serviços. Com 26 milhões de assinantes, a AOL é a única grande fonte de busca do Google.


A empresa enfrenta muitos desafios. Eles incluem lidar com a velocidade do crescimento e o inevitável impacto em sua cultura, caracterizada pela falta de hierarquia e a ênfase no bem estar e na realização dos empregados.


O Google começou 2005 com 3 mil empregados; no final de setembro, tinha quase 5 mil. Está contratando com uma rapidez assustadora em todos os setores. Até recentemente, tinha apenas o esqueleto de uma operação de vendas e marketing na Europa. Hoje, tem 800 empregados e quer recrutar 100 engenheiros de programação em Zurique. Apesar de a folha de pagamento crescer a uma velocidade vertiginosa, o Google admite que não tem experiência em operações externas.


Os primeiros sinais de uma crise no Google são visíveis. A rapidez na contratação, aumentando o custo dos melhores talentos de software, elevou os preços no Vale do Silício. A iniciativa do Google Print – uma ousada tentativa de digitalizar todos os livros do mundo – irritou muitos autores e editores que temiam que os planos da empresa fossem uma grande infração de direitos autorais.


Há também a preocupação de que o negócio do Google possa facilitar uma invasão de privacidade. Essa questão foi levantada pela primeira vez em 2004, quando o Google lançou o Gmail, causando irritação quando as pessoas perceberam que a empresa planejava exibir anúncios baseados no conteúdo dos e-mails. Mas, como poderia argumentar Brin, essas são as dificuldades de um negócio que cresce sob o olhar da publicidade global.’


JK NA GLOBO
Ubiratan Brasil


Começa hoje o ano JK


‘Os anos JK estão de volta e, junto, uma onda de saudosismo dos ‘anos dourados’, expressão aplicada ao período 1956-1961, quando Juscelino Kubitschek de Oliveira governou o Brasil. Uma fase politicamente conturbada mas, ao mesmo tempo, de grande efervescência cultural e social.


É o que pretende mostrar a minissérie JK, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, que estréia hoje à noite, na Globo. Por muitas semanas, o público poderá acompanhar a história do médico mineiro que comandou a construção de Brasília durante um período marcado pelo otimismo. No rastro da série global e diante de um personagem tão rico, cujos 30 anos de morte serão lembrados em 2006, algumas editoras aproveitam para (re)lançar obras sobre a história do presidente cujo slogan de campanha era ‘50 anos em cinco’, ou seja, 50 anos de progresso em cinco de governo.


A minissérie vai narrar a vida de Juscelino (1902-1976), especialmente o período presidencial e a construção da nova capital do Brasil. Para isso, toda a imensa área do cerrado goiano em que surgiu Brasília foi reproduzida no Projac, no Rio: o terreno vazio, a lama, as obras, os alojamentos dos candangos e o Catetinho, primeira sede improvisada do governo. Haverá ainda o uso de imagens da época e a reconstituição por computação gráfica. E, para o papel principal, dois atores foram destacados – Wagner Moura, para a fase jovem de Juscelino, e José Wilker, para a final.


Os dois momentos podem ser acompanhados no livro Juscelino Kubitschek – O Presidente Bossa-Nova (Globo, 312 páginas, R$ 42), biografia ilustrada que teve a coordenação editorial de Marleine Cohen. Trata-se de um belo apanhado do percurso do primeiro presidente brasileiro eleito democraticamente que terminou seu mandato na história da República. Além de mostrar a forma como Juscelino utilizou a política como instrumento de transformação da sociedade, o livro apresenta o retrato de um homem simples, filho de um caixeiro-viajante vítima da malária e de uma professora.


O ‘presidente bossa-nova’, como ficou conhecido durante seu mandato pelo sorriso constante e pelo trato ameno, é apresentado como um estadista empreendedor que gostava de dançar, preferia a comida da roça e amava serestas e aviões.


‘Não houve outro presidente que pensasse o Brasil de maneira tão grandiosa e que tenha realizado tanto em tão pouco tempo’, escreve Maria Adelaide Amaral, no prefácio. ‘Ele não se abalava diante das dificuldades: tomava as rédeas e resolvia os problemas. Além disso, era um homem culto, agregador. Tinha trânsito tão bom entre a elite quanto entre a população mais humilde, e conseguia unir as pessoas em torno dos seus objetivos. Lançou o Brasil no rumo da modernidade, melhorou a qualidade de vida de uma parcela importante da população e, com Brasília, incentivou a ocupação do interior do País.’


As ilustrações permitem acompanhar com detalhes a evolução política e pessoal de Kubitschek, cuja juventude interessou o escritor Roniwalter Jatobá. Ele é autor de O Jovem JK (160 páginas, R$ 26), recentemente lançado pela Nova Alexandria. Se no livro coordenado por Marleine Cohen o interesse é o ‘presidente bossa-nova’, aqui o foco está em Nonô, o filho de Dona Júlia.


Com um texto romanceado em que utiliza as próprias experiências de vida, o também mineiro Jatobá narra a infância humilde de Juscelino em Diamantina, onde ele vivia descalço pelas ladeiras da cidade colonial (só calçaria o primeiro par de sapatos aos 12 anos) até, com muito custo, completar os estudos e formar-se médico.


Como é dirigido ao público jovem, o livro é recheado de verbetes que contextualizam o momento histórico tratado, explicando desde o que significou a Semana de Arte Moderna de 1922 até quem foram os presidentes militares Castelo Branco e Costa e Silva. Uma medida tão acertada como iniciar a obra por um momento crucial na vida de Juscelino que, em 1972, quando o avião em que viajava ameaçava cair, viu negada a permissão para um pouso forçado em Brasília – cassado pelo governo militar, ele era persona non grata mesmo correndo risco de vida.


OBRA DEFINITIVA


Apesar das boas intenções desses dois livros, a obra definitiva sobre a trajetória de Juscelino continua sendo JK – O Artista do Impossível (800 páginas, R$ 75), de Cláudio Bojunga, que a Objetiva lançou em 2001. Não fosse apenas exaustiva em investigações, testemunhos e minúcias, a biografia detalha até momentos ainda obscuros como a morte de JK em um desastre de automóvel na via Dutra, em agosto de 1976, fato que para muitos ainda se trata de assassinato.


Assim como as obras de Marleine e Jatobá, a biografia de Bojunga mostra como o Brasil, durante o período JK, recuperou-se de dores sucessivas (derrota nas Copas do Mundo de 1950 e 54, o suicídio de Getúlio Vargas, a morte de Carmen Miranda, a derrota de Marta Rocha no concurso de Miss Mundo) por meio de conquistas memoráveis como a vitória na Copa de 1958, o surgimento do Cinema Novo e da Bossa Nova, movimentos que apareceram graças à influência de Juscelino sobre a cultura brasileira. Era, no entender do cineasta Carlos Diegues, a substituição do vício da dor pela pedagogia do prazer.


Bojunga refuta também as três infâmias veiculadas pelos adversários, mostrando que JK não inventou a inflação brasileira, não era corrupto nem entreguista. Revela, enfim, o perfil do homem que, segundo Nelson Rodrigues, ‘trouxe a gargalhada para a presidência’.’


Cristina Padiglione


Autores driblam informantes de todo tipo


‘Desde que anunciaram a tarefa de produzir uma minissérie sobre Juscelino Kubitschek, Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira têm se habituado a tropeçar em conhecedores de toda espécie sobre JK – gente disposta a revelar toda sorte de ‘ineditismos’, desde amantes até bastidores políticos. A vantagem de contar com tantas testemunhas quando se retrata personagem tão recente como JK pode virar uma cilada na hora de filtrar quem realmente tem algo a acrescentar. Mesmo porque holofotes sempre atraem palpiteiros e adeptos de teorias da conspiração.


Se alguém vai chiar (porque isto ou aquilo não foi bem como a série mostrará)? É bem provável. ‘A gente sabe que será impossível agradar a todos’, diz o diretor-geral, Dennis Carvalho. Adelaide dá de ombros. Diz que está calçada em pesquisas. ‘Eu tenho as minhas fontes e muita pesquisa, faço o que tenho que fazer e ponto’, defende-se.


Mas, como isso é minissérie e não documentário, romancear a vida do protagonista é inevitável. Amante, por exemplo, é termo que virá no singular – todas as relações extra-conjugais do ex-presidente serão sintetizadas em uma só, representada por Letícia Sabatella. Dona Sarah Kubitschek será interpretada por Débora Falabella (primeira fase) e Marília Pêra.


Personagens fictícios contracenam com tipos reais. Lá estarão o general Lott (Cecil Thiré) e Oscar Niemeyer (Rodrigo Penna). Carlos Lacerda, adversário político de JK, será vivido por José de Abreu, mestre em provocar asco na platéia – exemplo mais recente foi a novela Senhora do Destino. E JK será, sim, pintado como herói na tela da Globo, mas Adelaide promete que não fará de suas falhas uma ficção.’


***


Alcides Nogueira entrevista filha de JK


‘‘Meu pai era alegre, tinha esperança, achava que o Brasil era possível’, declara Maria Estela para o dramaturgo, a pedido do Estado A pedido do Estado, Alcides Nogueira, autor da minissérie JK ao lado de Maria Adelaide Amaral, fez algumas perguntas para a arquiteta Maria Estela Kubitschek Lopes, de 63 anos. Filha adotiva de Juscelino e Sarah, ela entrou para o clã após o nascimento de Márcia, filha de sangue do casal. A partir do ponto de vista de quem cresceu como uma legítima Kubitschek, Maria Estela conta detalhes das experiências e da convivência com a família que a acolheu e amou. Na trama, será vivida pela atriz Samara Felippo.


Qual a lembrança mais bonita que você tem de JK? E a recordação mais sofrida?


São tantas as lembranças, mas uma das mais bonitas é a de meu pai nos levando para Brasília, para acompanharmos a construção dela. A gente via o amor que ele tinha pelo que estava fazendo ali. Ele também nos levava pelo Brasil afora, sempre que pudesse. Nossa geração ia muito para o exterior, mas meu pai dizia: o que adianta conhecer o mundo se você não conhece o próprio País. Uma das recordações mais sofridas foi o dia da sua cassação. Eu vi o sofrimento dele naquele momento. O exílio também foi triste. Quando levei meu filho João César, que tem o nome do meu avô, até meu pai em Paris, parece que estava lhe levando vida, como se levasse um pouco do Brasil no sorriso do meu filho. Ficamos lá mais de um mês. Quando fomos embora, me senti roubando a alegria dele. Acho que o momento do exílio foi mais triste que o da cassação.


Como foi para você, em plena juventude, já namorando o Rodrigo Lopes, sair da efervescência do Rio de Janeiro e ir morar em Brasília? Você se acostumou logo com a cidade construída por seu pai?


Brasília sempre fez parte da nossa existência, da minha fase de juventude. A gente vivenciou a cidade. E constantemente, Rodrigo ia com a gente até lá. É lógico que sentia falta do meu namorado, mas nunca achei que Brasília me afastava dele. Não nos mudamos para lá no início de sua construção. Só ficamos mais tempo depois de sua inauguração, pois o governo foi transferido para lá. Moramos mesmo de 1960 a 61. A gente tinha muitas atividades, ajudávamos papai a receber visitas oficiais. Ele saiu pouco do Brasil, mas recebia muita gente de fora. Eu adorava Brasília, lá nunca me chateou.


Márcia desenvolveu uma grande paixão pelo balé. O que despertou um grande interesse em você?


Sempre fui fascinada por tudo, estava descobrindo o mundo,mas minha tendência era mais musical. Piano, violão. Minha mãe biológica sempre gostou muito de música, tocava violão.


Como você acha que seria um segundo (e quase certo) mandato de JK na presidência da República?


Acho que seria como ele havia planejado. Ele preparou o Brasil para o crescimento. Desenvolveu a indústria automobilística, o Nordeste, construiu a capital. Sua meta era a educação e a agricultura. As duas áreas acabaram se desenvolvendo, mas acho que com meu pai andaria mais rápido. Ele conseguia motivar as pessoas para que as coisas acontecessem.


O trabalho social de dona Sarah foi importantíssimo. Você chegou a tomar parte nele? Se sim, fazendo o quê?


Mamãe começou o trabalho já em Minas. Era um grupo de voluntárias, que trabalhava com crianças pobres, realizava festas beneficentes para arrecadar fundos, que eram revertidos para ajudar ambulatórios, escolas públicas… No Rio, ela criou as Pioneiras Sociais. Ela nos puxou, eu e Márcia, a participar dessas atividades. Acompanhávamos mamãe, como na vez que ajudamos a distribuir mais de 200 mil cestas básicas para famílias no Estádio Maracanã. Mas não éramos forçadas a isso. Você só continua a fazer se é motivada. E eu continuo a realizar trabalhos sociais até hoje.


O Brasil inteiro cantou Presidente Bossa-Nova, do Juca Chaves, onde você e Márcia eram citadas. Como era isso para você? Divertido? Chato?


Achava o máximo. A gente aprendeu com o papai, que era um democrata, a aceitar críticas. Juca era músico, uma pessoa crítica. O ‘Voar, voar, voar, voar, voar pra bem distante, até Versalhes onde duas mineirinhas valsinhas dançam como debutante interessante!’ que ele trazia na letra, éramos nós mesmas (risos). As críticas pejorativas, o Lacerda xingando meu pai, isso sim incomodava…


Na opinião de brasileira, e não somente de filha, qual foi o grande legado de Juscelino ao Brasil?


Foi acreditar na capacidade do povo, no potencial das pessoas. Que a gente pode conquistar tudo aquilo em que acreditamos. É nisso que a gente precisa acreditar agora. O povo está descrente. A partir do momento que você não respeita os outros, não se respeita. Uma lição que minha mãe deixou: a responsabilidade do pobre é do governo, mas é minha também. E o que eu estou fazendo? Meu pai era alegre, tinha esperança, achava que as coisas eram possíveis e que o povo brasileiro tinha capacidade de realizar.’


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E Maria Adelaide conversa com o primo Murilo


‘‘Ele é o irmão que o presidente gostaria de ter tido’, define autora da minissérie


Assim como o amigo e co-autor da minissérie JK, Maria Adelaide Amaral também foi convidada pelo Estado a entrevistar outro membro do clã Kubitschek. Ela escolheu o primo por parte de mãe do ex-presidente, Carlos Murilo Felício dos Santos, de 77 anos. Há anos vivendo em Brasília, Carlos acompanhou de perto – e de dentro do meio político – a trajetória de JK.


Por que o seu primo Nonô, menino pobre de Diamantina, conseguiu voar tão alto?


O presidente JK foi um pioneiro desde o início de sua vida pública. Como candidato a deputado federal pela primeira vez em 1934, quebrou uma tradição que resistia há anos na política brasileira. JK, apoiado apenas por algumas famílias de Diamantina, visitou todos os eleitores em suas residências explicando por que era candidato e o que faria se eleito. Ganhou a eleição. Quando Benedito Valadares assumiu o governo de Minas, nomeado pelo presidente Getúlio Vargas, ele foi convidado pelo Benedito em 1940 a assumir a prefeitura de Belo Horizonte. Criou o primeiro plano diretor para a cidade, a partir do qual executou as principais obras que a cidade necessitava. O que deu a ele sua primeira projeção nacional no cenário político foi a construção e inauguração da Pampulha. Como candidato a governador de Minas, lançou o binômio Energia e Transportes que abriu as portas para a industrialização do Estado. Como candidato à presidente lançou o plano de 30 Metas, todas realizadas, inclusive a construção de Brasília.


Dona Sarah foi importante na vida política do marido? Por quê?


Apesar de Dona Sarah não desejar que ele retornasse à política após sua primeira experiência como deputado federal em 1934, foi uma companheira admirável durante todos os cargos que JK ocupou, principalmente na área social. Durante o governo de Minas, criou a Associação das Voluntárias que, com recursos obtidos na área privada, construiu escolas e postos de saúde no Estado. Durante o governo federal, criou as Pioneiras Sociais. Sua obra mais significativa foi a criação de dois hospitais, um no Rio e outro em Brasília, hoje considerados os hospitais mais importantes da América Latina. Após a morte do marido, construiu o Memorial JK, na cidade que ele criou, com auxílio principalmente do presidente general Figueiredo, que doou o terreno em um dos pontos mais importantes da capital, onde se rezou a primeira missa de Brasília.


Por que JK foi cassado?


Pela força política que ele representava. Ele saiu do governo consagrado pelo povo, sendo alguns meses depois eleito senador por Goiás com mais de 90% dos votos. Logo após começaram os movimentos populares pelo País. Com a aproximação da convenção nacional do partido que iria homologar sua candidatura pelo PSD, ocorreu manifesto de coronéis contra sua candidatura. Tentou-se criar um candidato que satisfizesse a Revolução. Difícil, porque o PSD não abriria mão de JK, apontado pelas pesquisas com mais de 60% das intenções de voto. A UDN, capitaneada pelo deputado Carlos Lacerda e pela ‘linha dura’ dos militares, vetou a candidatura de JK a eleição de 65. Antes, JK havia assumido compromisso de apoiar o general Castelo Branco para terminar o mandato do presidente deposto João Goulart. Sua única exigência pelo apoio seria receber, se eleito, a faixa presidencial das mãos de Castelo Branco para dar continuidade à democracia brasileira. No decorrer do tempo, a pressão militar cresceu, fazendo inclusive que o povo se manifestasse a favor da permanência da candidatura de JK. Infelizmente, tanto o compromisso assumido, como o apoio de milhões de brasileiros não foi suficiente para que, no dia 8 de junho de 64, o presidente JK fosse cassado pelo presidente Castelo Branco.


Dizem que você é o irmão que Juscelino gostaria de ter tido. Moraram na mesma casa, eram amigos e confidentes, fizeram política juntos a vida inteira. Qual foi a maior alegria dele? E a maior decepção?


A maior decepção foi ter perdido a eleição para a Academia Brasileira de Letras, coincidentemente a única que ele perdeu. De uma vida cheia de alegrias, a maior de todas foi a inauguração de Brasília, no momento da missa realizada à meia-noite, quando as luzes se apagaram, o sino de Tiradentes vindo de Ouro Preto tocou e as luzes reacenderam ao toque do Hino Nacional. Ele não resistiu à emoção e suas lágrimas escorreram.


Como foi sua briga com Carlos Lacerda na época em que você era vice-líder do PSD na Câmara?


Estava em discussão no Congresso uma emenda constitucional dando poderes aos ex-presidentes da República serem escolhidos Conselheiros da República. O deputado Lacerda era o maior opositor à emenda que beneficiaria JK. Pediu uma sessão secreta na Câmara, onde ele em discurso ofendeu de forma violenta e desumana a figura do presidente JK, o que me obrigou a respondê-lo na mesma altura. Foi um incidente rápido, interrompido pelo presidente do Congresso.


O quanto a sua relação familiar e política influiu na sua cassação pela ditadura militar?


Na cassação de JK, eu, os deputados Renato Azeredo, João Herculino, dentre outros, fizemos um protesto e eu, conhecedor de todos os compromissos assumidos com o presidente, fiz questão, no meu pronunciamento, de frisá-los mostrando a injustiça. Além disso, mantinha relacionamento constante com JK, por meio de cartas e visitas a ele no exílio. Concluo serem essas as únicas razões, pois jamais fui chamado a prestar depoimento em qualquer processo durante a Revolução.’


Beatriz Coelho Silva


Ninguém contou melhor sua história que ele


‘Muito se escreveu sobre Juscelino Kubitschek, mas ninguém contou suas histórias melhor que ele, memorialista que, afastado da vida pública pela ditadura militar, abraçou a literatura. Lançou cinco livros volumosos, detalhando as passagens da história em que foi protagonista ou coadjuvante. Foi um escritor sem pretensões artísticas, com um texto ágil que prende o leitor. A veia poética e afetuosa está nas cartas, que podem chegar ao milhar – ninguém conseguiu contá-las. JK manteve correspondência com amigos, parceiros, correligionários e a família.


‘Ele escrevia muito para mim e minha irmã, Márcia, especialmente nas viagens e, mais tarde, no exílio. Contava tudo e dizia que as cartas eram os alfarrábios que consultaria quando fosse escrever suas memórias’, conta a filha dele, Maria Estela Kubitschek Lopes. ‘Papai dormia pouco e aproveitava todo tempo livre para escrever ou ler. Muitas cartas foram escritas no avião, enquanto ele viajava pelo Brasil, como presidente ou não.’


O hábito da leitura veio da infância. Ainda menino, leu os livros de seu avô materno e da biblioteca pública de Diamantina. Adulto, iniciou sua coleção, com livros de medicina, romances, filosofia e história. A biblioteca de Juscelino está em seu memorial, em Brasília. Já a correspondência virou relíquia. O Museu Arquivo da Literatura Brasileira, departamento da Casa de Rui Barbosa que guarda o acervo de escritores e poetas brasileiros, tem cerca de 50. ‘Eram para Pedro Nava, seu colega de faculdade, Carlos Drummond de Andrade e Ciro dos Anjos’, conta o presidente da Casa, José Almino. ‘Com Nava, ele faz reminiscências da faculdade. Há uma para Ciro dos Anjos comentando O Amanuense Belmiro. A Drummond, ele agradece a solidariedade do poeta no período mais duro de seu exílio, no início dos anos 70. Em todas, mesmo nas mais informais, nota-se domínio do idioma e sólida formação cultural.’


O biógrafo oficial de Juscelino, Ronaldo Costa Couto, conta que Juscelino expunha-se nas cartas. ‘Soltava sua veia e mostrava-se poeta’, lembra Couto. ‘Ele fazia um diário, certamente pensando em suas memórias’, diz Couto. ‘Quando a ditadura militar o excluiu da vida pública, o empresário Adolpho Bloch, da revista Manchete, ofereceu-lhe um escritório na sede da empresa e lançou seus livros de memórias.’


Foram cinco. A Marcha do Amanhecer é anterior a 1964. Depois veio a série Meu Caminho para Brasília, o primeiro só com este título, de 1974, o segundo, com o subtítulo de A Escalada Política, em 1976, e o terceiro, 50 anos em Cinco, lançado após a sua morte, em 1977. O derradeiro, Por Que Construí Brasília, saiu antes 1976. Todos venderam muito e levaram o presidente a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras, que lhe daria evidência e uma tribuna para expor suas idéias. Foi a única eleição perdida por Juscelino, que não se considerava um intelectual e sim um humanista devido à origem interiorana. ‘As cidades mineiras viveram muito isoladas no tempo em que não havia transportes’, escrevera ele. ‘Procuravam então formar seus próprios centros de cultura, como as antigas ilhas gregas, onde os homens se recolhiam por anos para estudar e refletir.’


Juscelino concorreu em 1975, com o escritor goiano Bernardo Ellis. As pressões foram tantas que o presidente da ABL, Austregésilo de Athayde, pediu sua desistência. Houve três turnos, e a derrota, por um voto, intriga até hoje. Juscelino continuou um político popular da mesma forma e seus livros foram para as listas de mais vendidos. Pena que não sejam relançados. Hoje são peças de colecionador, encontráveis apenas em sebos, mais caros que publicações recentes.’


Luiz Zanin Oricchio


Filmes ajudam a entender o período


‘O espectador da minissérie de Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral poderá aprimorar sua informação sobre o período histórico abordado com uma série de filmes que serão apresentados a partir de hoje pelo Canal Brasil. Serão três documentários exibidos no programa É Tudo Verdade, dirigido pelo crítico Amir Labaki. Hoje, às 22h35, Anos JK, de Silvio Tendler. Na próxima terça, no mesmo horário, Conterrâneos Velhos de Guerra, de Vladimir Carvalho. E, no dia 17, sempre às 22h35, Jango, também de Tendler. O cineasta, aliás, será entrevistado por Labaki antes da exibição de seus dois filmes. Anos JK será reprisado dia 15, quando se comemoram os 50 anos da posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira na Presidência da República.


Os três filmes apresentam uma visão interessante do período. Anos JK é de 1980, feito portanto poucos anos depois da morte do ex-presidente e num momento em que a sociedade civil brasileira tentava a volta à democracia, mas encontrava muitas resistências do governo militar. Jango é de 1984, ano da tentativa fracassada de restabelecimento de eleições diretas, mas fundamental no processo de redemocratização. Conterrâneos já é dos anos 90, lançado durante o governo Collor. Narra o outro lado da grande saga de Juscelino – a construção de Brasília -, agora vista pelos olhos não dos políticos, dos urbanistas ou arquitetos, mas dos operários.


Silvio Tendler é um cineasta preocupado com a História. O que não representa nenhuma surpresa quando se sabe que ele estudou ambas as disciplinas (se é que o cinema pode ser considerado uma disciplina de estudo), foi aluno de Marc Ferro e procura sempre colocá-las em relação. Em entrevista dada ao jornal O Globo, antes do lançamento do filme, em 1979, Tendler se dizia impressionado com a acorrência popular ao enterro de JK, um personagem que os militares – que àquela altura tudo podiam, ou quase – procuravam apagar da história. E, disse ele, havia descoberto, com surpresa, que a história não se apaga.


Há, de fato, uma certa persistência da história – mas também é preciso ajudá-la. Daí essa coleta paciente de material fílmico e fotográfico, montada em um ensaio histórico que, claramente, testa os limites da então pouco ensaiada abertura política dos militares. Ao entrevistar o marechal Lott lembra, por exemplo, que a posse de JK foi garantida por esse militar, que teve de abortar um golpe de Estado armado contra ele. São ouvidas outras figuras políticas, como Tancredo Neves, Magalhães Pinto e Renato Archer e, da profusão de depoimentos e imagens, depreende-se uma sutil análise do funcionamento político do País. Nada mau como resultado para um filme feito em plena vigência de uma ditadura militar. Mesmo porque o painel apresentado é bastante significativo – vai da redemocratização do País em 1945, atravessa o período democrático até o golpe de 1964, o golpe dentro do golpe de 1968, até chegar à cassação e morte de JK. É um filme ‘neutro’, mas que dispõe de um ponto de vista, ao mostrar a organização gradativa da direita política, e suas raízes históricas.


Outro é o clima de Jango. Como destaca o crítico Amir Labaki, se em Anos JK o estilo é sóbrio, ‘em Jango ele é pura emoção’. E assim o filme foi entendido na época do seu lançamento, que era já a fase terminal da ditadura militar. Mostra-se o painel histórico rigoroso, seguindo a biografia do presidente deposto em 1964, mas também as mobilizações de trabalhadores em meio a todo aquele clima insurgente dos anos 60. Segue-se o filme com o coração na mão, em especial quando se reconstitui a escalada de radicalismos (à direita e à esquerda) que antecederam o golpe. Enfim, seja qual for a interpretação proposta para aquele momento, fica o registro desse filme que consegue captar o movimento da história com todo o seu calor e paixão.


Características que estão presentes também em Conterrâneos Velhos de Guerra, filme que procura reproduzir o clima tenso da construção de Brasília, vista pelos olhos dos trabalhadores recrutados em todo o País e que, terminada a obra da nova capital, foram expulsos dos seus limites para morar em outra parte, nas chamadas cidades-satélites. Vladimir explora essa faceta sempre esquecida: quem são os atores secundários da história? Em outras palavras, alguém se preocupa com quem construiu as pirâmides?


A partir de hoje começaremos a conhecer o viés pelo qual a Rede Globo escolheu interpretar os anos JK. Será uma visão chapa-branca? Será crítica? Veremos. Esses filmes certamente nos ajudarão a colocar a minissérie em perspectiva. Afinal, não se trata apenas entretenimento – é da nossa história recente que se estará falando a partir de hoje à noite.’


TV BANDEIRANTES
Keila Jimenez


Salvador já rende extras à Band


‘A Band já está pulando atrás do trio elétrico, ou melhor, dos trios elétricos. A emissora volta à Bahia para produzir sua já tradicional cobertura de carnaval, o Band Folia.


Mas uma outra face tradicional da transmissão já não estará em cena desta vez: Astrid Fontenelle, que deixou a emissora, afinal era um trunfo na ancoragem da folia baiana. No seu lugar, no circuito Barra-Ondina, estará Otávio Mesquita. A transmissão deste ano – de 24 a 29 de fevereiro – contará ainda com Claudete Troiano, Otaviano Costa, Carla Perez , Betinho (Band FM) e Mariana Ferrão.


Além do circuito Barra-Ondina, a rede terá também um estúdio montado no circuito do Campo Grande.


Ao todo serão 300 profissionais envolvidos no projeto, que costuma render bons anunciantes e pontos de audiência – o patamar médio de 2 pontos no Ibope chega a triplicar em alguns momentos da transmissão.


Isso explica o fato de todas as cotas de patrocínio do Band Folia já estarem vendidas, por aproximadamente R$ 7 milhões cada uma. Ford, Nova Schin, Assolam, Nestlé e Bahiatursa são os anunciantes do evento.


Vagas nos intervalos já estão sendo loteadas pela emissora. A Band está distribuindo no mercado cerca de 1,5 mil chaveiros com patuás da sorte e a tradicional ‘mãozinha’, símbolo do carnaval da Band, para fisgar mais anunciantes.


Enquanto o carnaval não vem, o recurso é inserir boletins na programação, com a preparação dos trios, curiosidades do carnaval baiano, entrevistas com artistas e todas essas alternativas de aquecimento. Os boletins estão no ar desde ontem.


A partir do dia 15, a Band exibe todos os domingos, até o carnaval, o Ensaios de Carnaval, com ensaios de gente que faz a festa, tipo Ivete Sangalo e Asa de Águia.’


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