Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo

‘Nunca a agonia e morte de um papa foram tão divulgadas em toda a história dos meios de comunicação. Nestes tempos de internet, o papa João Paulo II monopolizou as páginas de todos os sites jornalísticos, além dos veículos impressos. Todos dedicaram grandes espaços e fotos à figura do santo padre e sua trajetória à frente da Igreja Católica durante 26 anos, 5 meses e 17 dias.

‘O papa agoniza’, ‘Nas mãos de Deus’, ‘Chora o mundo’ e títulos desse tipo foram comuns nas edições de ontem dos principais jornais do mundo, não só os oficialmente católicos, como também os de outras crenças.

A coragem que ele mostrou nos seus últimos dias fez transbordar uma onda de reverência tanto por ele quanto pela Igreja. O dia todo e em todo o mundo, homenagens na televisão deram à Igreja um momento de comunhão nunca visto, que provavelmente continuará, pelo menos, durante as cerimônias dos funerais.

‘Obviamente, você nunca fala mal da morte ou do morrer. Mas acho que este momento e o papa transcenderam isso’, disse David Gibson, autor de The Coming Catholic Church. O que, nos últimos dias, ficou mais esquecido foram as opiniões dos católicos mais críticos da política rígida da Igreja e paroquianos nervosos com os bispos por causa dos abusos sexuais que vieram à luz há três anos nos Estados Unidos, levando três dioceses à falência.

Gibson acredita, porém, que o drama humano do declínio – seus esforços contínuos para liderar a Igreja até seus últimos momentos – ‘ajuda as pessoas a deixar no passado muita agonia, muitas discussões, dor e escândalos desses anos recentes’.

País de maioria ortodoxa, com uma população de apenas 500 mil católicos, a Rússia viveu ontem situação excepcional: todos os seus canais de televisão abriram os noticiários com João Paulo II, um papa que contribuiu para a queda dos regimes comunistas no Leste da Europa, mas nunca pôde visitar a Rússia, onde a Igreja Ortodoxa o acusava de ‘proselitismo’.

Normalmente, a primeira notícia dos telejornais dos canais públicos é dedicada ao presidente Vladimir Putin e aos seus compromissos. Nem o tsunami, que no fim de dezembro matou milhares de pessoas na Ásia, conseguiu tal posto. A única exceção, nos últimos anos, foi o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos.

Também os americanos se voltaram para a figura do papa. Os jornais, emissoras de rádio e redes de televisão deram grande destaque às notícias sobre sua saúde e às reações dos fiéis à agonia.

A CNN, uma das maiores redes de TV a cabo, enviou ao Vaticano seus jornalistas mais famosos, dedicou boa parte de sua cobertura à transmissão de cenas de fiéis que rezavam e choravam. E, nas últimas 24 horas de vida dele, foi o único fato que noticiou.

The New York Times e The Washington Post coincidiram, nas edições de ontem, na capa, que trouxe a mesma foto. Nos dois jornais, as reportagens sobre João Paulo II, as preces dos católicos e a análise do que a Igreja aguarda com um novo papa ocupavam dois terços da primeira página. Já o Los Angeles Times informava também que o arcebispo dessa cidade californiana, John Mahony, já ‘havia se unido aos seus pares no Vaticano’.’

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‘Nos jornais, afeto e poucas críticas’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/04/05

‘A imprensa mundial se despediu de João Paulo II com um adeus emotivo. Encartes especiais, publicanos nos principais jornais do mundo, ressaltaram a importância de um papa histórico e destacaram suas contradições nas posições adotadas em relação à política, em defesa da democracia e da liberdade, e nas questões morais, adotando um discurso rígido e conservador.

Nos jornais italianos, ficou claro o afeto demonstrado pelo papa polonês – que Roma adotou como sendo seu. ‘Adeus Woytila’, resumiu La Repubblica. ‘O papa que mudou o mundo’, enfatizou o Corriere della Sera. ‘Ciao papa Karol’, abriu com simplicidade La Sicilia. Na Polônia, seu país natal, os jornais, que não saem aos domingos, colocaram nas bancas uma edição especial. O Fakt, mais importante do país, anunciou em sua capa: ‘Retornou a Deus’. O jornal deu eco à vontade dos poloneses e pediu que o coração do papa ‘descanse’ no país.

Os jornais franceses chamaram atenção para o período final de agonia e a influência de João Paulo II na política, colocando, no entanto, que às vezes suas batalhas pareciam ser de outros tempos. Na Espanha e em Portugal, o tom de admiração predominou na imprensa, que trouxe análises e reportagens sobre o legado e a importância de João Paulo II. O mesmo aconteceu com as edições dos jornais da América Latina, que publicaram encartes especiais, com repercussões e amplas reportagens sobre o fato.

Já a imprensa londrina, apesar das homenagens e saudações, ressaltou as posições conservadoras do papa. The Independent escreveu: ‘Sua obstinada obstrução às mudanças foi um preço alto que a Igreja teve de pagar’. Vários meios impressos do Oriente Médio deram a notícia na capa, mas sem fazer comentários. Até mesmo em Cuba a notícia foi dada, chamando João Paulo II de um ‘amigo do povo cubano’.

Nos Estados Unidos, The New York Times trouxe na manchete: ‘Papa João Paulo II morre aos 84 anos’. A maior parte da imprensa americana dedicou sua capa e várias de suas páginas para contar a trajetória do terceiro maior papado da história. AP e EFE’



Folha de S. Paulo

‘João Paulo 2º’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 3/04/05

‘Karol Wojtyla sobreviveu em pouco mais de quatro anos o final do século 20, que ele, como poucos, ajudou a moldar. Sua ascensão ao trono de Pedro, em outubro de 1978, foi o início do terceiro pontificado mais longo da história, durante o qual visitou 129 países, redigiu 14 encíclicas, canonizou 476 santos e beatificou 1.318 católicos.

Primeiro eslavo a assumir a Santa Sé, João Paulo 2º trazia em sua biografia a tenacidade que marcou a história do catolicismo em sua Polônia natal. Naquela nação sem Estado, submetida a uma sucessão de breves e longas anexações, o catolicismo constituiu-se em vigoroso instrumento de afirmação da identidade nacional. A religião desempenhou ali um papel relevante durante a ocupação nazista e ao longo do período em que o país esteve sob o jugo do império soviético. Católicos encontravam na fé uma forma silenciosa e ativa de resistência à opressão. Wojtyla, bispo de Cracóvia e um dos homens mais cultos na hierarquia eclesiástica polonesa, tornar-se-ia um papa firme e atuante.

Não se dedicou, porém, ao combate daqueles que procuravam aproximar o sacerdócio da política laica. Para o papa, as questões sociais precisavam ser enfrentadas dentro de uma perspectiva estritamente católica. A visão de mundo de que o grupo de João Paulo 2º comungava no final da década de 1970 identificava nas desavenças ideológicas um fator de desagregação e enfraquecimento da igreja. Tratava-se de reencontrar o caminho da unidade em torno dos preceitos essenciais da religião e de reconquistar o terreno que se perdia para outras confissões ou para a descrença de uma sociedade marcada pelo materialismo e o consumismo.

Com João Paulo 2º, a autoridade centralizadora do papa fortaleceu-se de maneira acentuada, e a evangelização renovou-se como militância no sentido de um retorno a valores dos quais a igreja não havia propriamente se afastado, mas que, desde o Concílio Vaticano 2º, diluíam-se na pregação de cunho social.

O papa anteviu com impressionante discernimento a desagregação do mundo socialista e preocupou-se com a crise moral que, a seu juízo, ameaçava as sociedades ocidentais em tempos de escassa espiritualidade e de excessos hedonistas.

Com extrema habilidade, entregou-se à tarefa de modificar o perfil predominante do escalão mais elevado de sua igreja, deixando de promover bispos comprometidos com teses e movimentos de esquerda, enquanto, paralelamente, cuidava da ascensão dos que acreditavam que era preciso revalorizar as linhas fundamentais da fé cristã.

Também os novos santos de seu pontificado assumiram a face dos valores que pretendia revigorar. Uma italiana que morreu no parto por se recusar a abortar foi privilegiada com relação a um religioso centro-americano venerado por movimentos de esquerda, que tombou, no altar, num atentado de extrema direita.

Suas teses conservadoras não deixaram, entretanto, de despertar críticas entre católicos mais liberais. A mais polêmica delas talvez tenha sido a de condenar, com reiterada rigidez, a difusão do uso de preservativos num mundo surpreendido pela epidemia de Aids.

O sumo pontífice manteve-se incondicionalmente ao lado da defesa dos direitos humanos, mas não deixou de visitar países submetidos a tiranias -o Chile do general Augusto Pinochet, o Iraque de Saddam Hussein- e não subordinou a diplomacia do Vaticano ao que pareceria a alguns a alternativa politicamente correta. Opôs-se a embargos econômicos que atingiam populações desamparadas, como os decretados contra Cuba e Iraque, e não deixou de usar palavras duras para criticar certos aspectos das sociedades capitalistas.

Seu pontificado oscilou entre uma concepção atemporal de valores que o catolicismo acredita eternos -a fé, a vida, a família tradicional- e uma concepção da política temporal que desprezava tanto a opressão coletivista como os exageros do individualismo. João Paulo 2º defendeu essas teses com coerência e determinação que não poderiam ser negadas nem mesmo por seus adversários de dentro ou de fora da igreja.

Arrojado em seus esforços de comunicar-se com os fiéis, compreendeu o papel dos meios de informação contemporâneos e fez de suas peregrinações internacionais e aparições públicas ritos globalizados de divulgação da fé católica. Nesse sentido, pode-se considerar João Paulo 2º um papa ‘midiático’ -característica que preservou mesmo nos momentos em que se viu enfraquecido pela doença. Vítima de um grave atentado que contribuiu para debilitar sua saúde, nem por isso abandonou o contato com os fiéis -apenas tomou a precaução de blindar o automóvel em que se deslocava.

Para os católicos humildes, alheios às disputas internas do clero e às suas implicações doutrinárias, o papa ficará na história como um homem de gestos afáveis e simples. Era o sacerdote que se curvava e beijava o solo ao desembarcar em suas visitas apostólicas, como fez no Brasil. Era também o homem perseverante que, mesmo com as dificuldades de um ancião castigado por moléstias, jamais abdicou de cumprir aquilo que acreditava ser a sua missão.

A igreja de Karol Wojtyla não viverá na memória como a igreja ambígua diante dos totalitarismos, uma característica que ainda hoje compromete a imagem do pontificado de Pio 12, o papa que não protestou contra a deportação dos judeus pelo 3º Reich ou que conviveu sem conflitos agudos com o fascismo. Ela também não será a igreja do ‘aggiornamento’ promovido por João 23, que submeteu à apreciação dos cardeais um conjunto de tradições permitindo-lhes afastar-se de algumas delas, como o emprego do latim como idioma litúrgico.

A de João Paulo 2º terá sido a igreja que não acreditou no declínio da religiosidade no mundo da ciência e do ceticismo. Terá sido também a igreja que buscou o diálogo inter-religioso, teve a coragem de pedir perdão por erros pretéritos e procurou apaziguar ressentimentos históricos.

Abre-se agora para os católicos um período de expectativa em torno da indicação do próximo papa. Três objetivos, segundo observadores, devem pesar na escolha: uma maior descentralização do poder papal, o aprofundamento do diálogo inter-religioso e o reforço da atuação social da igreja, sem que isso signifique, no entanto, reincidir nos excessos combatidos por João Paulo 2º.’



Veja

‘Trinta voltas ao redor da Terra’, copyright Veja, 5/04/05

‘Os números do pontificado de João Paulo II, que durou 26 anos e foi o terceiro mais longo da história, impressionam. Por ter feito nove visitas ao exterior em quinze anos, de 1963 a 1978, o antecessor Paulo VI ficou conhecido como ‘o papa peregrino’. Pois bem, João Paulo II saiu 104 vezes da Itália, o que dá uma média de quatro viagens por ano. No total, ele permaneceu mais de 550 dias no exterior – não à toa, alguns cardeais o apelidaram de ‘Giovanni Paolo Fuori Le Mura’, um trocadilho com o nome em italiano da Basílica de San Paolo Fuori Le Mura, localizada fora do perímetro delimitado pelas muralhas históricas de Roma. Só no Brasil esteve em três ocasiões: 1980, 1991 e 1997. No total, o papa polonês visitou 129 países e percorreu mais de 1,2 milhão de quilômetros, o suficiente para dar quase trinta voltas ao redor da Terra. Na qualidade de chefe de Estado do Vaticano (e nunca houve um papa tão empenhado em seu papel político), João Paulo II fez-se ouvir em todos os foros sobre problemas mundiais, recuperando uma projeção que havia sido perdida pelo papado.

Ao todo, foram 982 encontros com governantes. O papa tomou parte nos acontecimentos que levaram à queda do Muro de Berlim e atuou como árbitro em delicadas questões internacionais, como a disputa pelo Canal de Beagle entre Argentina e Chile. Em seu pontificado, o Vaticano estabeleceu relações diplomáticas formais com mais de sessenta países, entre os quais Estados Unidos, Rússia, Israel, Líbia e México, e abriu diálogo com o ditador Fidel Castro, de Cuba. João Paulo II foi interlocutor privilegiado de três presidentes americanos, Ronald Reagan, George Bush e Bill Clinton, e do último líder da ex-União Soviética, Mikhail Gorbachev. Nenhum deles católico, enfatize-se.

A essa atividade febril, some-se a fecundidade no plano intelectual. Uma das funções de um pontífice é, com a ajuda dos cardeais mais próximos, elaborar documentos que, com base na sua própria reflexão sobre a doutrina católica e a realidade circunstante, norteiam o trabalho pastoral da Igreja ou ajustam o funcionamento do aparato burocrático da instituição, a Cúria Romana. São as encíclicas e as constituições, exortações e cartas apostólicas. Redigidas originalmente em latim, assim como todos os outros documentos do Vaticano, as encíclicas são os escritos papais que exigem mais fôlego, por serem ensaios extensos sobre um tema profundo. Exigem, assim, não só erudição como um longo período de meditação. Fides et Ratio, por exemplo, tem nada menos do que nove capítulos, incluindo a introdução e a conclusão. Pois bem, em 26 anos de pontificado, o papa Wojtyla publicou catorze encíclicas, afora onze constituições apostólicas, quinze exortações e 45 cartas apostólicas. Para se ter uma idéia do que isso representa em termos de produção, Paulo VI, um homem de refinada formação filosófica, publicou sete encíclicas, treze constituições, nove exortações e dezesseis cartas.

Também jamais houve um papa tão preocupado em povoar a coorte celeste: foram 482 canonizações e 1.338 beatificações, marcas recordes desde que o Vaticano começou a computar esses números, em 1588. Até João Paulo II, o papa com a maior quantidade de canonizações era Paulo VI, que fez 86 santos. Já o recordista em beatificações era Pio XI (1922-1939), com 380. A fúria santificadora do polonês, que curiosamente não rendeu nenhum santo brasileiro nato (madre Paulina, canonizada em 2002, era italiana de nascimento), tinha dois objetivos estratégicos. O primeiro: mostrar, por intermédio dos novos santos e beatos, muitos dos quais do século XX, que é possível obedecer aos rígidos ditames morais da Igreja numa época liberal em matéria de valores e costumes. O segundo: reforçar o caráter místico do catolicismo, uma religião que se tornara secular em demasia após os ventos modernizadores do Concílio Vaticano II. Ventos que, para continuar na metáfora utilizada por João XXIII, que abriu o concílio em 1962, ‘deveriam varrer a poeira que recobria o Trono de Pedro’. Um pouco de poeira, na visão de João Paulo II, não fazia assim tão mal.’



O Globo

‘‘Pai-nosso’ em ritmo pop’, copyright O Globo, 3/04/05

‘Como líder religioso e comunicador, João Paulo II não tinha rivais. Nenhum outro Papa usou sem medo a modernidade para preservar a tradição, lançando mão da música para orientar seu rebanho. Depois de ter feito um CD duplo recitando orações do terço, o Pontífice tornou-se ‘pop’ com o CD ‘Abbà Pater’, no qual canta um ‘Pai-nosso’ em ritmo moderninho.

Com tiragem inicial de 25 milhões de cópias, o CD foi lançado em março de 1999, e fez o Papa entrar para o seleto clube de contratados da Sony Music, ao lado de artistas como Pearl Jam, George Michael, Celine Dion e os Fugees. O ‘New York Times’ saudou o lançamento com a reportagem ‘The Pope goes pop’.

Tudo começa com um tranqüilo gregoriano, ‘Attende, Domine’. Os monges cantam, e de repente ouve-se a voz do Papa, falando em italiano: ‘Tu sei mio Figlio, Io oggi ti ho generato.’ É um sermão, sobre música ambiente.

Os monges cantam, então, a mais solene de todas as orações de Israel: ‘Schemà Israel’ – lembra-te, Israel, de que o teu deus é o único Deus. Oração que os judeus sempre rezaram nos momentos de maior aflição, desembarcando nos campos de extermínio.

Os monges repetem: ‘Schemà Israel’. Mas agora em batida pop. E o Papa começa a cantar com tranqüilidade o ‘Pai-nosso’ em latim, enquanto a batida vai ficando mais forte, em mistura que alguns classificariam como ‘world music’.’

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‘Peregrinação pelo mundo mudou o rosto da Igreja’, copyright O Globo, 3/04/05

‘O ritmo de viagens de João Paulo II não teve precedentes na História do Vaticano. As estatísticas são impressionantes: visitou 129 países e esteve em 715 cidades. Fez 3.288 discursos em suas 104 viagens ao exterior e mais de 900 na península. Os quilômetros percorridos na Itália, dentro da qual realizou 146 viagens, seriam suficientes para ir mais de 66 vezes do cano à ponta da bota desenhada pelo mapa do país. No total, percorreu mais de 1,2 milhão de quilômetros, o correspondente a quase três viagens à Lua.

Tantas viagens são consideradas uma revolução. Ao hipnotizar milhões de pessoas em todo o planeta – dominando a mídia como um mestre – João Paulo II deu um novo rosto a uma instituição milenar.

Em seus 26 anos de pontificado, encontrou-se com 245 primeiros-ministros e teve audiências com 737 chefes de Estado. Só dos Estados Unidos encontrou-se com quatro presidentes: Ronald Reagan, George Bush (pai), Bill Clinton e George W. Bush. No capítulo de encontros com personalidades fundamentais do mundo político internacional, ele não só teve atitudes inéditas, mas também impensáveis, como encontrar-se com o então chefe de governo de Israel, Shimon Peres (depois de quase dois mil anos de antagonismo entre católicos e judeus); com o líder da União Soviética, o ateu Mikhail Gorbatchov; e com o presidente iraniano, Mohammad Khatami.

Papamóvel foi outra marca do pontificado

Enquanto sua saúde permitiu, fez de cada viagem um acontecimento, reunindo milhares de fiéis que deliravam com a presença de um Papa carismático como nunca se vira. Inaugurou o gesto de beijar o solo do país que visitava e estabeleceu um novo estilo papal: o de ter o maior contato direto possível com seu rebanho.

Ele abençoava e beijava criancinhas e passeava entre a multidão com seu papamóvel – outra marca registrada – acenando e distribuindo bênçãos. Em sua primeira viagem internacional, ao México, João Paulo II não levou um papamóvel. O governo daquele país se encarregou de construir uma cópia do carro para a ocasião. O exemplo do México foi repetido nas outras viagens, até que aconteceu o atentado a bala quando ele passeava no papamóvel no meio da multidão da Praça de São Pedro, em maio de 1981. A partir daí o Vaticano construiu três papamóveis blindados que o acompanhavam em todas as viagens, dentro e fora da Itália.

Há tempos estacionados na garagem do Vaticano por causa da deterioração da saúde do Papa e de sua enorme dificuldade para se locomover, os papamóveis são forrados de veludo vermelho e têm o brasão papal na carroceria.

Em suas andanças pelo mundo, o Papa Wojtyla, como era carinhosamente chamado na Itália, obteve mais consenso do que críticas, mas estas não faltaram. As viagens mais controvertidas foram aos Estados Unidos, por causa de sua posição conservadora em relação a assuntos muito discutidos no país: a ordenação de mulheres, os métodos anticoncepcionais, aborto e o homossexualismo. Nas viagens que fez em 1993, 1995 e 1999 aos EUA, o Papa encontrou-se com um presidente (Bill Clinton) que apoiava o direito ao aborto. No discurso do primeiro encontro com Clinton, João Paulo II reafirmou suas idéias sobre o assunto e o presidente, anfitrião, teve o cuidado de não replicar. Mas o país não só discutiu o assunto como organizou manifestações contrárias ao Papa e às suas idéias. Forte opositor à guerra no Iraque e à política americana no país, o Papa também deixou bem clara sua posição ao receber Bush no Vaticano, no ano passado.

Uma das últimas viagens à França também foi marcada por protestos à sua rígida doutrina moral em assuntos sexuais. A França foi, até 1938, a maior nação católica do mundo. Hoje é a sexta, depois de Brasil, México, Estados Unidos, Filipinas e Itália. Na França, o percentual dos fiéis que acreditam que as respostas do Santo Padre a assuntos relativos ao sexo eram ultrapassadas é alto – no país e nos EUA chega a 70%. Mas a grande maioria apoiava o Papa no que diz respeito a seu papel mais amplo: de líder da Igreja.

Frustração de não ter ido à Rússia e à China

A viagem mais emocionante, segundo os especialistas, foi a primeira visita como Papa à Polônia natal, em junho de 1979. A multidão nas ruas de Varsóvia, com crucifixos e terços nas mãos, fez tremer os burocratas em Moscou. João Paulo II voltou outras vezes ao país, a nona e última delas em agosto de 2002, em meio a especulações sobre uma possível renúncia.

A maior multidão reunida pelo Papa foi de quatro milhões de pessoas, em Manila, nas Filipinas, em 15 de janeiro de 1995, quando era comemorado o Dia Mundial da Juventude. Dois anos depois, João Paulo II surpreendeu o mundo ao juntar 500 mil pessoas em Beirute, perto da antiga Linha Verde, que dividira os setores cristão e muçulmano durante 15 anos de guerra civil, encerrada sete anos antes. Não menos significativas foram as multidões reunidas na África (500 mil em Nairóbi, Nigéria, em 1995) e à América Latina (um milhão em Caracas, em 1996). Cuba, em 1998, foi outra viagem marcada por simbolismos.

Em 2001, novamente João Paulo II fez História: ao visitar a Síria, tornou-se o primeiro papa a entrar em uma mesquita.

Apesar de ter aterrissado em aeroportos do mundo inteiro, o Papa peregrino não conseguiu realizar seu sonho de visitar dois países específicos: Rússia e China nunca permitiram a João Paulo II entrar em seus territórios.’