Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo

‘‘Dirigismo cultural’ é uma expressão insuficiente para definir os estragos que o anteprojeto de 141 artigos do Ministério da Cultura, criando a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) para controlar a produção cinematográfica, a programação e as concessões de emissoras de televisão, poderá fazer na liberdade de artistas e produtores culturais e no direito de todos a entretenimento e cultura. Dado a conhecer graças a um vazamento na internet pelo site PayTV, o anteprojeto é, como definiu o cineasta Cacá Diegues em artigo no Globo, ‘autoritário, burocratizante, concentracionista e estatizante, tirando de uma vez do horizonte do cinema brasileiro a possibilidade de sua auto-sustentabilidade, pois ele nunca mais deixará de depender do Estado, viverá eternamente da boa vontade e da iluminação dos sabichões ministeriais encarregados de decidir que filmes devem ser feitos no país’.

A reação do diretor de Deus é brasileiro ecoa a indignação da comunidade ‘audiovisual’, que levou o governo não a recuar, mas a admitir discutir por mais um mês mudanças no projeto, em particular no que se refere ao artigo 43. Como foi redigido, este permitirá que os cinco membros da Ancinav, que terá o papel (com mais poder) da Agência Nacional de Cinema (Ancine) hoje, decidam sobre a ‘responsabilidade editorial’ de emissoras de TV, em cuja programação o Ministério da Cultura passaria a intervir, se o projeto de lei for aprovado sem modificações.

Também circula na internet o arrazoado que serviu de base a mais essa tentativa governamental de avançar com mão grande sobre a criação artística e cultural no País. Intitulado Subdesenvolvimento e cultura, o texto, da lavra do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães – eminência parda da política externa do atual governo e a quem se atribui também a inédita substituição de três dos quatro juízes brasileiros acreditados na Corte Internacional de Haia -, atribui à indústria cultural dos EUA culpa pelo que ele chama de ‘vulnerabilidade ideológica’ da sociedade brasileira, responsável, por sua vez, pela ‘consciência colonizada’ das elites dirigentes, que gera manifestações de impotência e baixa auto-estima do povo. Daí, ele tira a conclusão de que cabe ao Estado substituir a cultura exógena por outra, autóctone, ‘combatendo a hegemonia cultural de qualquer origem no Brasil’.

Esse raciocínio é que inspirou o parágrafo XIV do artigo 4.º do anteprojeto da Lei Geral do Audiovisual, que define como papel do Estado ‘fomentar a participação diversificada de obras cinematográficas e videocinematográficas de outra nacionalidade no mercado brasileiro’. Como se fosse possível a este governo (ou a qualquer governo) determinar do alto de sua sapiência de que filme, telenovela ou minissérie o povo deve gostar – o sonho megalomaníaco do burocrata stalinista Jdanov que manteve os súditos do império soviético ignorantes da moda e das manifestações de arte e cultura ‘capitalistas’ do Ocidente, mas não imunes à sedução das mesmas, o que os fazia disputar camisolas de jérsei e tênis comuns como se fossem o ouro do Alasca.

O vezo stalinista se faz apresentar logo na introdução do texto de 44 páginas, que submete cinema e televisão aos valores éticos e sociais determinados pelo governante de plantão; à valorização de tendências artísticas, culturais ou regionais determinadas pelo gosto dos políticos no poder; e, como já havia determinado antes o secretário de Comunicação da Presidência, Luís Gushiken, ao fixar critérios para financiamento de produções artísticas por empresas estatais, a ‘vínculos com finalidades públicas relevantes’. Tudo isso evidentemente seria determinado pelo burocrata carimbador de plantão, nomeado pelo ‘comissário do povo’ da ocasião. Em seu detalhamento caprichoso e leviano, o projeto também taxa em 10% os ingressos de cinema, aumentando-lhes o preço e afugentando o pobre de uma das poucas diversões baratas com que ainda conta.

A divulgação, no mesmo dia, desse projeto e do projeto de criação do Conselho de Jornalismo é uma prova assustadora do dinamismo do Projeto de Poder do PT. Vamos ver se o Congresso está consciente da ameaça que ronda a democracia brasileira.’

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‘A imprensa do projeto petista de poder’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 9/08/04

‘Depois de ter ameaçado revogar o visto de um jornalista norte-americano só porque publicou no New York Times uma reportagem desfavorável ao presidente Lula, o governo petista voltou a reagir de forma antidemocrática ao que classifica como ‘futricas’ da imprensa, ou seja, as denúncias contra membros do governo, como José Dirceu no caso Waldomiro e, agora, Henrique Meirelles. Desta vez, a pretexto de ‘zelar pela fiel observância dos princípios da ética’, propõe a criação de um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), atribuindo-lhe a prerrogativa de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da profissão de jornalista e a atividade jornalística no País.

Elaborado com discrição pelo Ministério do Trabalho e pela Casa Civil, o que já é uma atitude suspeita, dada a importância dessa matéria para a plenitude do regime democrático, o projeto enviado ao Congresso é marcado pelo seu viés centralizador e burocratizante. Entre as competências que esse Conselho terá, todas apresentadas de modo preocupantemente vago, uma é ‘definir as condições para a inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas, bem como revisão dos registros existentes’ e ‘deliberar’ sobre os pedidos apresentados pelos jornalistas (art. 2.º, inciso XVI e art. 3.º, inciso 7). Na prática, isso significa que o CFJ definirá quem estará habilitado a exercer a profissão.

Outras competências são as de editar um ‘Código de Ética’, estabelecer procedimentos disciplinares e ‘supervisionar a fiscalização’ da atividade jornalística (art. 2.º, incisos III, IV e V), podendo punir as condutas que julgar inadequadas com sanções que vão de uma simples advertência à ‘censura’ e até à cassação do registro profissional (art. 7.º). E, como o Conselho também terá a incumbência de emitir a carteira de trabalho para quem quiser atuar nos meios de comunicação, na prática ele poderá deter o controle absoluto de uma atividade em cuja essência estão as liberdades de expressão e de informação asseguradas pela Constituição no capítulo relativo aos direitos fundamentais.

É justamente esse o maior perigo do projeto. Só a ditadura militar ousou tanto na tentativa de intimidar jornalistas e calar a imprensa. A diferença está na forma utilizada. Enquanto os generais recorriam à truculência, o governo do PT optou pela sutileza retórica, valendo-se de um projeto que confunde deliberadamente a auto-regulação de profissionais liberais, da qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é o exemplo mais conhecido, com a tutela de profissionais assalariados.

Além disso, ao recorrer a um sem-número de lugares-comuns, abusando do conceito de ética sem em momento algum defini-lo, o projeto dá ao CFJ o poder de fazer o que quiser, em nome da ‘valorização’ do jornalismo. A própria exposição de motivos assinada pelo ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, evidencia esse risco. ‘A sociedade tem o direito à informação prestada com qualidade, correção e precisão, baseada em apuração ética dos fatos’, diz o texto.

Diante de tanta vagueza, como classificar as reportagens sobre os achaques do ex-braço direito do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz, e sobre os expedientes aos quais o sr. Delúbio Soares recorre para reforçar o caixa do PT? Na lógica moralista e punitiva dessa exposição de motivos, esse noticiário seria ‘ético’ ou ‘antiético’?

Ainda em matéria de ética, o projeto também peca por carecer daquilo que quer cobrar da imprensa livre. Em princípio, o CNJ seria um órgão representativo dos jornalistas e por eles dirigido. Mas, enquanto jornais, revistas, rádios e tevês privadas vêm diminuindo o tamanho de suas redações, por razões de sobrevivência econômica, o governo reinaugurou a Rádio Nacional e vem ampliando o quadro da Radiobrás e planejando uma TV Pública internacional. Em que medida essas duas situações opostas não podem desequilibrar a representatividade do tal Conselho? Até que ponto um órgão dominado por jornalistas do setor público e a serviço de um partido político não teria, na atribuição de ‘disciplinar’ o jornalismo, pretexto para interferir nas empresas privadas de comunicação?

Por tudo isso, e mais a ominosa ‘coincidência’ de ter sido divulgado no mesmo dia em que veio à luz o projeto do Audiovisual, o melhor a se fazer com esse projeto do governo, de viés stalinista, com seus jornais sem redações e sua imprensa alimentada pelas sinopses aprovadas pelos ditadores de plantão, é jogá-lo no lixo, impedindo assim mais um perigoso avanço do Projeto de Poder do PT.’

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‘Crítica a dirigismo cultural faz governo adiar projeto’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/08/04

‘A divulgação do texto sobre a criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), no qual o governo propõe várias medidas de controle dessas atividades no País, desencadeou ontem novos protestos de setores políticos e culturais. Em resposta, o Conselho Superior de Cinema e Audiovisual decidiu prorrogar por 30 dias a definição da proposta, para ampliar os debates a respeito – assim, o texto definitivo só sairá daqui a 60 dias.

Algumas das idéias apresentadas no projeto – nas quais os críticos vêem uma forma de dirigismo cultural pelo Estado – despertaram fortes reações. Entre elas, a taxação das TVs, a reprodução de cópias de filmes apenas por laboratórios brasileiros, a extensão das medidas a setores de telecomunicações. Como destacou o cineasta Cacá Diegues, o texto ‘submete a obra visual (cinema e televisão) a diferentes valores éticos e sociais que fica a cargo do governante definir e julgar’. Na crítica, divulgada ontem no jornal O Globo, Diegues adverte também que, ‘não satisfeito em mandar no cinema, o Ministério da Cultura passaria a ter também o direito de intervir na programação das televisões’.

Ingressos – Além disso, como alertou o presidente da Associação Brasileira das Empresas Multiplex, Valdir Fernandes, o decreto poderá provocar o encarecimento imediato dos ingressos de cinema em todo o País. Fernandes calcula que o setor de exibição terá um aumento brutal da carga de impostos (de 25% para 35%) e que a tendência do aumento de custos das empresas será o repasse de preço ao consumidor – no caso, o espectador.

O espírito do texto, voltado para reduzir o impacto da indústria audiovisual americana no Brasil, seria um documento escrito pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, sob o título ‘Subdesenvolvimento e Cultura’. Nesse estudo, Guimarães menciona que a construção da identidade cultural brasileira se contrapõe ‘à hegemonia das manifestações culturais estrangeiras sobre a cultura brasileira no próprio território brasileiro’.

O ministro da Cultura, Gilberto Gil (leia entrevista ao lado) admitiu ao Estado que pode haver imperfeições, e que isso pode determinar mudanças, mas que o espírito da lei vai permanecer. ‘Ainda bem que veio a público. Vai se discutir a questão do conteúdo nacional, do cinema estrangeiro que compete com vantagens em relação ao cinema brasileiro’, disse Gil. Ontem, o ministério começou a enviar o texto definitivo – que até então circulava na internet – para entidades de classe do setor cinematográfico. Na segunda-feira, às 16h30, essas entidades irão a Brasília discutir as propostas.’



O Globo

‘Surto autoritário’, Editorial, copyright O Globo, 8/08/04

‘Há um mês, cineastas, jornalistas, escritores e artistas entregaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um documento com propostas de valorização da produção cultural brasileira. Pediam incentivos, investimento, ações pela educação e em defesa da cultura nacional, sem – registrava o texto – ‘cair em tentações autoritárias’. O anteprojeto da nova Lei do Audiovisual, que cria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), mostra que o Ministério da Cultura optou exatamente pelo rumo oposto —- o do dirigismo e intervencionismo.

Se aprovada, a proposta, em vez de valorizar, desestimulará a produção cultural de massa. Mas vai além o efeito danoso do projeto. A sua linha centralizadora fica visível na idéia de entregar o destino de boa parte da produção cultural brasileira a três pessoas – a maioria simples das cinco que formarão o Conselho Diretor da Ancinav. A eles caberá, segundo o projeto, planejar, regulamentar, administrar e fiscalizar as atividades cinematográficas e audiovisuais.

É a planificação centralizada ao extremo, algo comparável aos tempos do DIP, de Getúlio Vargas, aos piores momentos dos governos militares ou mesmo ao stalinismo. Não se pode entender de outra maneira cláusulas como aquela que atribui à Ancinav a capacidade de ‘promover a articulação dos vários elos da cadeia produtiva da indústria cinematográfica e audiovisual brasileira’. Ou o artigo que lhe faculta dispor sobre a seleção e direção da programação das emissoras de rádio e TV. O texto investe contra a liberdade de expressão e comunicação e contraria a Constituição ao conferir ao conselho poderes que só cabem à Justiça e ao Legislativo. Até mesmo o direito à propriedade, gestão e operação das TVs abertas e de qualquer empreendimento no ramo audiovisual é afetado. E sequer haverá transparência absoluta nas decisões, pois o conselho poderá fazer reuniões secretas quando a divulgação dos assuntos que tratar ‘puder colocar em risco a segurança do país, ou violar segredo protegido ou a intimidade de alguém’. Mas como se decidirá que o parecer sobre alguma produção cultural será uma ameaça ao país?

E como se não bastasse tudo isso, o projeto cria um novo tributo – a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira. Ou seja, mais encargos indiretos sobre o setor que supostamente vem apoiar. Além do que esse imposto vai na direção oposta à da intenção manifesta do governo de reduzir a já insuportável carga tributária.

Diante da unânime reação negativa do setor cultural, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e assessores trataram de esclarecer que tudo será debatido, nada está decidido. Até ampliou-se o prazo para a discussão pública do projeto, antes do seu envio ao Congresso. Menos mal.

Gil, equipe e o próprio governo, porém, precisam estar preparados para fazer um projeto novo, que seja simplesmente de fomento do cinema e da indústria audiovisual. É imperioso evitar-se tamanho retrocesso inspirado num autoritarismo anacrônico que já não tem mais espaço no país, seja qual for o governante do momento.’

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‘Projeto cria o Conselho Federal de Jornalismo’, copyright O Globo, 7/08/04

‘O governo enviou ao Congresso projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e os Conselhos Regionais de Jornalismo (CRJ), com a função de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo. A criação destes conselhos é uma proposta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e consta do programa da diretoria eleita no início de julho.

O texto diz que todo jornalista, para exercício da profissão, terá que se inscrever no Conselho Regional e passará a ter uma carteira de identidade profissional, em que a exemplo da carteira de trabalho, ‘serão feitas anotações relativas à atividade do portador’.

A partir da aprovação da lei o jornalista terá de pagar ao Conselho para poder trabalhar. De acordo com o artigo sexto do projeto é infração disciplinar ‘deixar de pagar aos conselhos as contribuições a que esteja obrigado’. Para os jornalistas que se recusarem a pagar as taxas, o artigo sétimo prevê penas como advertência, multa, censura, suspensão ou cassação do registro profissional.’

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‘‘Pode ser um passo para a tragédia da censura’’, copyright O Globo, 7/08/04

‘O projeto de lei que o governo Lula mandou ao Congresso para criar o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e os conselhos regionais, com a função de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão e da atividade de jornalismo, foi duramente criticado ontem pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e especialistas. Ministro da Educação no primeiro ano do governo Lula e senador do PT, Cristovam Buarque também protestou em seu blog: ‘Precisamos estar atentos, todos os brasileiros, ainda mais nós do PT e o próprio governo. Em nome de uma boa intenção, podemos estar dando o primeiro passo para a tragédia da censura’.

O presidente da ABI, Maurício Azêdo, questionou a necessidade de um órgão para fiscalizar a profissão:

– Conselhos são naturais em profissões de caráter técnico, como medicina e química. Com o CFJ, vamos fazer como no tempo da ditadura, com uma comissão dizendo quem pode ou não ser jornalista. Isto é de uma violência inaudita.

Segundo Azêdo, a ABI apresentará ao Congresso as alterações que a associação julga necessárias no projeto.

O jornalista Alberto Dines, editor-responsável do site Observatório da Imprensa, vai ainda mais fundo nas críticas ao projeto do governo. No artigo ‘Contra o denuncismo, o peleguismo’, Dines classificou de desastrada a proposta de criação do conselho de jornalismo.

‘A iniciativa é a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985’, escreveu.

Para Dines, ‘jornalistas não precisam ser protegidos pelo Executivo; ao contrário, precisam libertar-se das amarras do poder político’. Dines acredita que o governo Lula escolheu um mau momento para encaminhar o projeto ao Congresso.

‘A oportunidade é desastrosa. No momento em que o governo é acossado por denúncias, não pode propor um negócio desses, que prevê punições para jornalistas. Além disso, o projeto parte de uma premissa errada, de que o exercício do jornalismo é semelhante ao da medicina ou da engenharia. O jornalismo é uma atividade política, que não pode ser regulamentada pelo Estado’, escreveu Dines. Ele considerou a criação do CFJ mais grave do que a tentativa de expulsão, pelo presidente Lula, do jornalista americano Larry Rohter, do ‘New York Times’. ‘A proposta não vai passar e ainda deixará esta mácula no governo. E logo um governo do PT’, prevê.

O jornalista protestou ainda: ‘Ao invés de buscar as simpatias de uma parcela dos jornalistas, sobretudo os hospedados nas assessorias de comunicação dos órgãos públicos, o governo deveria buscar as simpatias dos leitores. São eles os principais interessados numa imprensa sadia, livre dos malabarismos do marketing e dos espasmos sensacionalistas’.

Fenaj: conselhos vão defender a sociedade

O petista Cristovam Buarque afirma que, embora a intenção possa ser defender o exercício da profissão de jornalista, ao longo do tempo a medida poderá, porém, ‘se transformar no controle da imprensa’. E acrescenta: ‘Um projeto como este não deveria ser enviado ao Congresso sem um cuidadoso debate com toda a sociedade, especialmente com os deputados e senadores’.

A criação do CFJ foi proposta pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Com a criação dos conselhos federal e regionais, os jornalistas passariam a pagar duas taxas, uma para o sindicato e outra para a nova entidade. O artigo sétimo prevê as penas para jornalistas que se recusarem a sustentar financeiramente os conselhos: advertência, multa, censura, suspensão do exercício profissional até 30 dias e cassação do registro profissional. O projeto, porém, ainda tem de ser aprovado pelo Congresso.

No site da Fenaj, a presidente Beth Costa diz que a criação do CFJ ‘não é uma luta corporativa, pois os conselhos vão atuar em defesa da sociedade ao disciplinar e fiscalizar a prática do jornalismo’.’



Veja

‘Censores, uni-vos!!’, copyright Veja, 9/08/04

‘Em meio às acusações de que a imprensa tem sido irresponsável na divulgação de denúncias sobre o presidente do Banco Central, o governo mandou um projeto ao Congresso Nacional propondo a criação de um Conselho Federal de Jornalismo. Pela proposta, a entidade ficaria encarregada de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a imprensa. Apresentado assim, o projeto até parece corriqueiro e bem-intencionado, mas analisado com um pouco mais de atenção descobre-se que se trata de uma idéia duplamente espantosa. Primeiro, porque é autoritária, pois um conselho de jornalismo não terá outra função a não ser cercear a liberdade de imprensa. ‘Isso pode ser uma violação da ordem democrática definida pela Constituição Federal’, analisa Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Segundo, porque é uma idéia cubana, já que reafirma a impressão de que o governo acha que deve – e pode – comandar todos os processos da sociedade, sem entender que o próprio mercado consumidor se encarrega de eliminar as publicações ruins e prestigiar as boas.

Em Cuba, o ditador Fidel Castro mandou fechar todos os jornais. Deixou circular apenas um, o Granma, órgão oficial do Partido Comunista. Seguindo-se seu pensamento rupestre, a decisão até que faz sentido. Fidel achava um desperdício de papel manter vários jornais para divulgar um mesmo fato. Ou seja: na cabeça do ditador cubano, não existem matizes, nuances, enfoques distintos, abordagens diversas, muito menos opiniões divergentes. É uma decisão lógica, portanto, deixar que circule apenas um jornal. Talvez o governo ganhasse em tempo, e sobretudo em transparência, se a proposta enviada ao Congresso decretasse o seguinte: de agora em diante, o Brasil se bastará com a leitura do Em Questão, informativo eletrônico distribuído pelo governo federal cujo conteúdo é tão eletrizante que ganhou o apelido de Pravda.’