Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Globo

SARAMAGO
José Saramago, 87, o Nobel da língua portuguesa

‘Um cético que manteve até o fim sua crença na literatura e no comunismo, José Saramago tornou-se durante as últimas três décadas a figura central da literatura contemporânea em português. Já era um autor consagrado e traduzido em diversos países quando recebeu em 1998 o Prêmio Nobel de Literatura — o primeiro, e até agora único, concedido pela Academia Sueca a um escritor da língua portuguesa —, mas foi nos anos seguintes à premiação que recebeu um reconhecimento crítico quase consensual como um dos maiores escritores de nosso tempo.

Entre os pesos-pesados da literatura atual, foi talvez o mais empenhado em manifestar suas opiniões políticas, e cer tamente um dos mais comprometidos com a militância de esquerda, à qual, no entanto, muitas vezes emprestou a ironia típica de sua obra literária. Exceção numa época de escritores-celebridades, manteve sua atuação pública circunscrita ao modelo do escritor-intelectual público estabelecido no século XIX pelo francês Émile Zola.

Seus artigos e críticas lhe valeram confrontos com o Vaticano, com Israel e com o governo de Portugal.

Apesar de um romance publicado aos 25 anos (‘Terra do pecado’, 1947), a vocação de Saramago para a escrita se realizou tardiamente. ‘Foi em 1980 que eu me tornei um escritor de verdade’, repetia nas entrevistas, referindo-se ao ano de publicação de seu romance’ Levantado do chão’, história sobre três gerações de uma família de camponeses.

A supressão de parte dos sinais de pontuação — ideia que segundo o escritor lhe surgiu de repente, um pouco depois da página 20 do livro —, e as novas formas de dar ritmo ao texto decorrentes desse gesto tornaram-se o ponto de partida de um estilo inconfundível, em que o virtuosismo das longas frases se combinava à ironia, à digressão e à metalinguagem. ‘Memorial do convento’, publicado dois anos depois, representa a consumação dessa escrita, que combinava mordacidade, crítica social e imaginação a uma sintaxe complexa e exuberante.

Depurada em seus livros seguintes, a escrita de Saramago foi um dos mais importantes momentos de renovação e ampliação do repertório expressivo do romance contemporâneo.

Sobrenome foi acrescentado pelo tabelião Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922, na aldeia de Azinhaga. Seus pais queriam chamá-lo José de Sousa, mas o tabelião responsável pelo registro resolveu acrescentar ao nome o apelido do pai do autor: ‘Saramago’, denominação de uma planta silvestre da região.

Aos 2 anos, José de Sousa Saramago foi viver em Lisboa com a família, embora ainda passasse férias com os avós na cidade natal (o período foi relembrado por ele na autobiografia ‘Pequenas memórias’, de 2006). Nessa época, morreu seu irmão Francisco. A busca por seu registro de óbito, empreendida anos depois, serviria de inspiração para seu romance ‘Todos os nomes’ (1997).

Saramago deixou a escola antes de completar o ginásio e ainda jovem foi trabalhar numa oficina para ajudar a família.

Por muito tempo, lia apenas o que pegava emprestado em bibliotecas públicas, pois não tinha dinheiro para comprar livros.

Trabalhou em hospitais, num serviço de previdência e numa companhia de seguros até tornar-se editor, em 1959.

Na década de 1960, publicou críticas literárias, e nos anos 1970 foi editorialista e cronista político. Em 1975, decidiu dedicarse apenas à literatura.’

 

José Castello

Um homem que inventou a si mesmo

‘O escritor José Saramago experimentou muitas mortes antes de morrer. Poucos autores tiveram sua imagem borrada por tantos equívocos, poucos foram tão retalhados e tratados pelo que não eram.

O destino em pedaços de Saramago me faz recordar uma difícil pergunta deixada pelo escritor mineiro Herbert Daniel, falecido em 1992: ‘A questão não é saber se há vida depois da morte, mas se há vida antes da morte’.

Mas que vida? E qual Saramago? Por ser filiado ao Partido Comunista Português, foi muitas vezes tratado — foi discriminado — como um ‘autor comunista’. Clichê que serviu para explicar (na verdade, para adulterar) muitas de suas atitudes e ideias. Outras vezes, por não fugir do debate contemporâneo, e também por causa de sua escrita sinuosa, com frases em serpente, ele foi estigmatizado — foi morto — como um autor retórico e prolixo.

Pelos mesmos motivos, repetiuse, à exaustão e sem nenhum critério, que José Saramago era um escritor ‘barroco’ — marca que sua nacionalidade portuguesa, isto é, católica, reforçava. Isso apesar de ele se declarar, sempre, ateu. É verdade: Saramago admitia a influência cristã em sua literatura, ainda que por contraposição. Ascendência que se evidencia em um romance radical, e muitas vezes mal compreendido, como ‘O evangelho segundo Jesus Cristo’, publicado em 1991.

O interesse pela História, matéria-prima de várias de suas narrativas, como ‘Memorial do convento’, de 1982, e ‘História do cerco de Lisboa’, de 1989, justifi cou, com frequência, a redução de sua imagem à da figura burocrática e sem sal do autor de romances históricos. A esses, em 1997, Saramago deu uma resposta sutil (que poucos, no entanto, compreenderam), quando publicou ‘Todos os nomes’, romance que trata dos devaneios de um escriturário do Registro Civil e de suas consequências imprevisíveis.

Por sustentar com firmeza as próprias ideias, o escritor foi, com frequência, tachado de panfletário, outras de arrogante, outras ainda — vamos usar a palavra nefasta — de chato.

Com a diminuição de Saramago à estampa banal do ‘escritor político’, ou então do ‘historiador interessado em literatura’, dele se subtrai a característica mais importante: a prodigiosa imaginação. Em um colóquio sobre sua obra realizado em Madri, ainda nos anos 90, o argentino Javier Alfaya observou que Saramago é um desses escritores autônomos, ‘que não descrevem a realidade, mas a inventam’.

Sua insistência em divergir das interpretações oficiais serviu, tantas vezes, de argumento para aprisioná-lo no rótulo de ‘escritor pessimista’.

Isso só porque, sempre em busca de transformar a realidade, ele nunca aceitou as fórmulas convencionais; ao contrário, as pulverizou.

Seus romances são exercícios dolorosos, mas persistentes, de desconfiança. Não porque ele abdicasse de mudar o mundo, mas porque sempre insistiu, contra tudo e contra todos, em fazer isso.

Por causa das críticas atrozes a ‘O evangelho segundo Jesus Cristo’, que o relegaram à posição de um traidor da tradição espiritual portuguesa, Saramago preferiu exilarse na Ilha de Lanzarote, nas Canárias. Como era um escritor que gostava de pensar, e que escrevia bem porque pensava bem, e não porque fosse um mero repetidor de doutrinas, ele foi, algumas vezes, reduzido à figura do ensaísta introvertido — que, por timidez, por engano, por fraqueza, disfarçou-se de romancista.

Mas o suposto escritor racional, ‘homem de ideias’, declarouse, várias vezes, atordoado pela força dos sonhos, e em particular dos pesadelos, em sua vida. ‘O que interessa é que há um momento em que o escritor se aceita a si mesmo’, disse, registrando sua perplexidade diante do desconhecido.

Nem o prestígio internacional incontestável, nem o Nobel de Literatura em 1998, nem os prêmios e as traduções intermináveis bastaram para livrá-lo das sucessivas mortes que foi obrigado a suportar.

Agora que a morte real chegou (se é que há algo de real na morte), ela nos obriga a juntar, e quem sabe a reparar, os pedaços em que Saramago foi dividido.

José Saramago só se tornou o escritor Saramago às vésperas dos 58 anos de idade. Isso ocorreu quando, em 1980, depois de muitos anos de jornalismo e uns poucos livros sem importância, ele publicou, enfim, o romance ‘Levantado do chão’. É nesta história que, pela primeira vez, se firma sua voz inconfundível.

O escritor que nasceu 58 anos depois de nascer e que morreu várias vezes antes de, finalmente, morrer só podia se tornar um escritor genial.

Dono de seu destino, Saramago, indiferente à longa e paciente espera e à miopia de muitos intérpretes, foi um homem que inventou a si mesmo.

E, por isso, é um escritor que não se parece com qualquer outro.

Seus romances são exercícios dolorosos, mas persistentes, de desconfiança’

 

Uma obra política, mas nunca panfletária

‘O começo dos anos 1970 foi de intensa atividade política para José Saramago. Já em 1969, ele se filiara ao Partido Comunista Português, considerado um dos mais ortodoxos da Europa. Nos anos seguintes, ele se tornaria um cronista político contundente, escrevendo no ‘Diário de Lisboa’ e no ‘Diário de Notícias’. Em abril de 1975, um ano após a Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura salazarista, assumiu o cargo de diretor adjunto do ‘Diário de Notícias’. Lá, escreveu artigos em defesa da implementação do socialismo em Portugal e apoiou a demissão de funcionários que criticaram a linha editorial da publicação.

Em novembro de 1975, os militares intervieram contra o que consideravam exageros da esquerda do país, e Saramago foi demitido do jornal. ‘Esse é o momento decisivo da minha vida, em que decido me sentar e escrever’, disse em 1989 ao ‘Estado de S. Paulo’.

Saramago nunca abandonou o Partido Comunista Português, pelo qual chegou a ser eleito, em 1989, presidente da Assembleia Municipal de Lisboa.

Já em 1975, porém, numa entrevista à revista ‘Status’, criticava a ideia de que os autores de esquerda devessem fazer uma literatura acessível a todos: ‘Panfleto é panfleto; literatura é literatura. Eu me considero perfeitamente capaz de escrever um panfleto, se ele for necessário; mas isso não é a minha criação literária’.

‘Uma obra que funde História e fantasia’ Isso não quer dizer que ao escrever seus livros ele pusesse de lado suas convicções. A crítica social é um dos motores de sua obra, mas em vez de resultar num cerceamento da imaginação ela se desenvolve em alegorias inventivas, exploradas com engenho e sutileza, como observa a professora emérita da PUC-Rio e da UFRJ Cleonice Berardinelli, especialista em literatura portuguesa: — Um dos segredos da obra de Saramago é a fusão de História e fantasia em romances de grande beleza inventiva.

Penso em ‘Memorial do convento’, por exemplo, onde a criação poética está profundamente ligada à consciência política — avalia Cleonice, leitora de primeira hora e amiga de muitos anos de Saramago, que disse ao GLOBO por telefone ter recebido a notícia da morte do escritor ‘como um tapa no peito, na altura do coração’.

A união entre fantasia e política é a marca de romances como ‘A jangada de pedra’ (1986), no qual a Península Ibérica se desprende da Europa e navega pelo oceano rumo à América Latina: uma situação insólita que permitiu ao escritor questionar as políticas da União Europeia e a relação de Portugal e Espanha com suas ex-colônias. Já ‘Ensaio sobre a cegueira’ (1995) — a história de uma cidade em que todos os habitantes, menos um, perdem a visão —, como o próprio Saramago explicou, era ao mesmo tempo sátira do comportamento humano e tentativa de responder a uma questão: ‘Por que, sendo nós seres dotados de razão, nos comportamos de maneira tão irracional?’

Criticada pelo autor ateu, Igreja elogia sua obra No final da década de 1980 — durante a qual, além de ‘A jangada de pedra’, publicou mais dois romances: ‘O ano da morte de Ricardo Reis’ (1984) e ‘História do cerco de Lisboa’ (1989) —, críticos em Portugal e no Brasil já consideravam Saramago o mais importante autor vivo da língua portuguesa.

Mas o nome do escritor ganharia uma projeção inédita com a publicação de ‘O evangelho segundo Jesus Cristo’ (1991).

Condenada pela Igreja Católica, que teria chegado a considerar a excomunhão do escritor, a narrativa ‘herética’ sobre a vida de Jesus foi traduzida em 16 países e se tornou best-seller.

O escritor ateu voltou a abordar temas religiosos em ‘Caim’ (2009), sua última obra publicada, que recria a passagem bíblica sobre o assassinato de Abel. Em entrevista ao GLOBO por ocasião do lançamento do livro no Brasil, Saramago resumiu sua visão sobre as religiões: — No fundo, o problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama.

Denuncio as religiões, todas as religiões, por nocivas à Humanidade.

Ontem, a Igreja Católica, por meio do Secretariado da Pastoral da Cultura de Portugal, divulgou nota oficial de pesar, elogiando a ‘exigência e beleza’ de suas recriações literárias de textos bíblicos e ‘a vivacidade do debate que a sua importante obra instaura’.

Em 1992, o governo português retirou ‘O evangelho segundo Jesus Cristo’ da lista de indicados ao Prêmio Literário Europeu, por considerá-lo ofensivo aos católicos. Em reação, Saramago foi viver num exílio voluntário em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, território espanhol.

No episódio, o autor recebeu apoio unânime de jornais e intelectuais europeus.

O mesmo não ocorreu com suas opiniões sobre os governos de Israel e Cuba. Em 2002, após uma visita à Cisjordânia com o líder palestino Yasser Arafat, o autor comparou a situação dos palestinos à dos judeus enviados para o campo de concentração de Auschwitz.

Mais tarde, admitiu ter feito uma ‘comparação forçada’, mas a declaração já desencadeara críticas no mundo todo.

Em 2003, após o governo cubano fuzilar três sequestradores de um barco, Saramago escreveu um artigo no jornal espanhol ‘El Pais’ anunciando seu rompimento com o regime de Fidel Castro, do qual até então fora ferrenho defensor: ‘Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho.

Eu fico’. Comentaristas questionaram sua demora em reconhecer os desrespeitos aos direitos humanos na ilha.

Em 1992, escritor trocou Portugal pela Espanha Saramago casou-se três vezes ao longo da vida. Em 1944, com a pintora Ilda Reis, com quem teve uma filha, Violante.

Separou-se em 1970, quando iniciou um relacionamento com a escritora Isabel da Nóbrega que duraria 16 anos. Em 1988, casou-se com a jornalista Pilar del Rio, com quem se mudou para Lanzarote, em 1992.

Nos anos seguintes, publicou oito romances que consolidaram sua reputação internacional, como ‘A caverna’ (2000), ‘As intermitências da morte’ (2005), e ‘A viagem do elefante’ (2008). Em 2007, surpreendeu os leitores criando um blog, cujos textos foram reunidos em ‘O caderno’ (2009).

Se suas opiniões políticas e religiosas seguiram causando polêmica, o consenso em torno de sua obra só cresceu. Em 1995, recebeu o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa. Em 1998, ao receber o Nobel, um prêmio pelo qual já havia demonstrado desejo e desdém em proporções semelhantes, iniciou seu discurso com uma homenagem ao avô, o camponês Jerónimo Melrinho, que também pode ser lida como uma crítica à pompa das instituições literárias: ‘O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever’.

Saramago morreu ontem, por volta das 8h (horário de Brasília), aos 87 anos, cercado pela família e amigos. No fim de 2007, ele já havia sido internado em Lanzarote por conta de uma insuficiência respiratória que o manteve em observação até janeiro de 2008. Em comunicado, a Fundação José Saramago, informou que ele não resistiu a uma falência múltipla de órgãos, após prolongada doença.

O corpo do escritor será levado para Lisboa.’

 

Sandra Cohen

Relação de amor e ódio com a terra natal

‘Muitas vezes incompreendido em sua terra natal, José Saramago sempre nutriu uma conturbada relação de amor e ódio com Portugal. E isso ficou claro ontem na hora do almoço, quando os portugueses souberam de sua morte, aos 87 anos, na ilha de Lanzarote, na Espanha, país que o escritor adotou há duas décadas.

Controverso e polêmico foram os adjetivos mais usados durante toda a tarde para definilo, mas, desta vez, sempre com conotação positiva. Intelectuais e políticos o louvaram como escritor com o gosto pelo debate. E à noite, veio a redenção: o governo decretou dois dias de luto nacional pela morte de seu maior escritor, o único agraciado com o Nobel de Literatura.

Na Feira do Livro do Porto, exemplares de obras de Saramago ganharam mais destaque nas prateleiras, e, diante da procura de leitores emocionados, a editora Caminho teve que reforçar encomendas.

— Estive com ele no fim de semana. Estava muito debilitado, mas escrevia um novo romance — contou o editor Zeferino Coelho.

O ex-presidente Mário Soares defendeu que o escritor deveria ser sepultado no Panteão Nacional, porque era um ‘português ilustríssimo’. Um avião da Força Aérea Portuguesa, levando a ministra da Cultura e parentes do escritor, decolou à noite para trazer o corpo de Saramago, que será velado hoje no salão nobre da Câmara de Lisboa e cremado amanhã.

O auge dessa conturbada relação se deu em 1992, quando ‘O Evangelho segundo Jesus Cristo’ foi excluído pelo então subsecretário da Cultura, António Sousa Lara, da lista de concorrentes ao Prêmio Literário Europeu. Saramago foi chamado de herege e blasfemo. No ano seguinte, ele se radicaria definitivamente com a mulher, Pilar del Rio, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias: ‘É o regresso da Inquisição’, disse o escritor.

Uma difícil reconciliação foi costurada após o Nobel, em 98.

Mas novas críticas vieram à tona recentemente durante a publicação de ‘Caim’.

Durante todo o dia personalidades distintas deram entrevistas à imprensa portuguesa sobre o escritor e sua relação com o país. O presidente, Anibal Cavaco Silva, que na época do ‘Evangelho’ era premier e manteve o subsecretário de Cultura no cargo, apressou-se a divulgar um comunicado enaltecendo a obra de Saramago: ‘Sua vasta obra literária deve ser lida e conhecida pelas gerações futuras e será sempre referência para a cultura portuguesa’, afirmou.

O primeiro-ministro socialista, José Sócrates, minimizou as polêmicas que marcaram o escritor: — Este é um momento para prestarmos homenagem à memória de Saramago. Neste momento, o meu espírito não tem recordação de amargura.

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, lembrou Saramago como ‘um escritor sempre insubmisso’ no estilo e nas causas que defendeu e ‘um homem que combateu a cegueira social’. Já o conservador CDS-PP assinalou as suas divergências ideológicas com Saramago, mas considerou que o prêmio Nobel ‘contribuiu decisivamente para dignificar e divulgar a língua portuguesa’.

Passagem polêmica pelo ‘Diário de Notícias’ O ex-presidente Mário Soares recordou Saramago como um homem ‘rígido, severo e senhor do seu nariz’, mas que se emocionava e que compreendia bem aquilo que o cercava.

— Tive um período da minha vida em que estive até de relações cortadas com ele, porque fiquei em oposição frontal às posições suas, quando era diretor do ‘Diário de Notícias’ — conta Soares.

A passagem de Saramago pelo jornal, durante dez meses, em 1975, foi conturbada. Quando assumiu, anunciou aos jornalistas: ‘Quem não está com a Revolução, é melhor não estar no ‘Diário de Notícias’. Trinta foram demitidos por protestarem contra a falta de pluralismo de opiniões, até a intervenção dos militares. Foi o mote para o jornalista Saramago ceder vez ao escritor. E recuperar a amizade de Mário Soares.’

 

Madalena Vaz-Pinto

Biografia mostra o ‘intelectual total’

‘A biografia de José Saramago recém-lançada no Brasil pela editora Leya é uma boa introdução à vida do escritor e intelectual. A habilidade de João Marques Lopes para apresentar a vida de Saramago inserida no panorama mais vasto dos acontecimentos de Portugal e do mundo — salazarismo, Revolução de 25 de abril, vitória do neoliberalismo — é uma das qualidades do livro. A outra é a análise detalhada dos textos, que mostram a intimidade do biógrafo português — formado em filosofia e doutorando em literatura — com o escritor e sua literatura.

Escreveu Hannah Arendt, em ‘Homens em tempos sombrios’, que a biografia é um dos gêneros mais admiráveis da historiografia por dizer mais, e de forma mais viva, que grande parte dos livros de história.

Adequada aos grandes estadistas, nem sempre funciona quando se trata da vida de artistas e escritores, pelo recolhimento e distância que estes guardam em relação ao mundo.

Saramago, entretanto, com sua tomada de posição frente a problemas atuais, encaixa-se bem no primeiro grupo. Por essa razão o autor propõe a definição de ‘intelectual total’ para o escritor português, tomando emprestada a expressão usada por Bernard Henri-Lévy em sua biografia de Sartre.

O autor mostra Saramago como um self-made-man, que conseguiu vencer a barreira da origem muito humilde e pobre.

Movido pela curiosidade e determinação, Saramago soube aproveitar cada oportunidade para expandir o mundo em que vivia, das idas ao cinema, desde muito jovem, às leituras em bibliotecas públicas.

João Marques propõe a separação da obra do escritor em ciclos, o que funciona como uma ferramenta didática e útil. O primeiro é composto por romances centrados na realidade portuguesa, presente ou passada, como ‘Levantado do chão’ e ‘Memorial do convento’, por exemplo.

No segundo ciclo ocorre ‘o corte com a realidade’. É a fase mais pessimista do escritor, em que põe em causa o futuro da Humanidade e seu abandono da razão. Inclui o ‘Ensaio sobre a cegueira’ e ‘As intermitências da morte’, entre outros. O terceiro e último ciclo mistura características dos dois anteriores. Dele fazem parte ‘A viagem do elefante’, que retoma fatos históricos, e ‘Caim’, o outro romance anticlerical depois de ‘O Evangelho segundo Jesus Cristo’.

Na contramão das teorias contemporâneas da subjetividade, caracterizadas pelo enfraquecimento do sujeito e desinvestimento na figura autoral, Saramago manteve-se irredutível em seu marxismo inabalável, o que ficava claro na presença de um narrador onisciente e autoritário. A relação entre ideologia e literatura, característica principal da ficção saramaguiana, é motivo de reações extremas, de amor e ódio.

Raramente indiferença.

É pena que uma biografia cuidada e exigente não discuta melhor este aspecto. Incomoda por vezes a neutralidade da abordagem e a opção do autor pela completa adesão às opiniões do biografado.

Talvez a morte do escritor provoque obras mais livres e contundentes.’

 

INTERNET
Banda larga: brasileiros já fazem mais acessos móveis que fixos

‘A banda larga móvel teve mais usuários que a fixa pela primeira vez no Brasil, de acordo com levantamento ‘Balanço da Banda Larga Móvel’, divulgado ontem pela empresa chinesa de soluções de telecomunicações Huawei, em parceria com a consultoria Teleco. O número de assinantes de acessos móveis nos três primeiros meses deste ano somou 11,9 milhões, 100 mil a mais que o de acesso fixo.

O crescimento da banda larga móvel levou a consultoria a rever suas estimativas para 2010. A Teleco prevê que em todo o ano 18 milhões de acessos à internet via banda larga serão móveis, 20% a mais que os 15 milhões inicialmente previstos. Já o total de assinantes de serviço fixo à internet de alta velocidade foi revisto para baixo, de 14 milhões para 13 milhões até dezembro.

Celulares 3G passaram de 1,5 milhão para 8,7 milhões A banda larga móvel no primeiro trimestre cresceu 70% em relação aos sete milhões do fim de 2009, segundo o estudo. A alta foi impulsionada, principalmente, pelos celulares com tecnologia de terceira geração (3G), que passaram de 1,5 milhão, no primeiro trimestre de 2009, para 8,7 milhões, no mesmo período deste ano. As conexões de banda larga com modem 3G tiveram um aumento no período analisado superior a 100%, atingindo 3,2 milhões de usuários.

Já a base de linhas fixas de banda larga cresceu apenas 3,5% de janeiro a março, na comparação com os 11,4 milhões do fim do ano passado. A tendência é que os smartphones se tornem o principal dispositivo de acesso à internet, superando o PC.

A Vivo, maior operadora celular do país, já anunciou plano para expandir sua cobertura de acesso 3G de 600 para cerca de 2.800 cidades até o fim de 2011.

De acordo com o levantamento da Teleco, a banda larga móvel representou no primeiro trimestre 15% da receita das operadoras celulares do país, ante 11,5% um ano antes.

Apesar do crescimento vigoroso, ‘a densidade de banda larga no Brasil está abaixo da média mundial’, afirma a pesquisa, citando ainda que os preços da banda larga móvel no Brasil são maiores que os praticados na América Latina e Europa, ‘influenciados pela carga tributária e pelo subdimensionamento das redes, em especial em relação à capacidade das redes de transmissão’. Planos com pacotes de 500 megabytes custam, em média, R$ 69,90. Na Argentina, saem por R$ 31,65.’

 

VENEZUELA
Venezuela pede à Interpol captura de presidente da TV Globovisión

‘O governo venezuelano solicitou à Interpol um pedido de captura internacional de Guillermo Zuloaga, presidente de rede de televisão independente Globovisión, informou ontem o ministro de Relações Internas, Tareck El Aissami. Zuloaga está foragido desde a semana passada, quando um tribunal venezuelano pediu a prisão do empresário e de seu filho, Guillermo Zuloaga Siso.

Eles são acusados de usura e formação de quadrilha depois que foram encontrados 24 veículos em uma propriedade do empresário, em maio de 2009. Os dois alegam inocência e afirmam que tudo não se passa de um ataque à postura crítica da Globovisión — última grande rede de televisão a seguir uma linha de oposição.

A ordem de prisão havia sido criticada por organizações a favor da liberdade de expressão.

No início da semana, Zuloaga havia dito que deixara o país e não pretendia voltar, temendo ser preso sem julgamento.

— Os tempos dos intocáveis, que cometiam delitos em detrimento do povo, ficaram no passado. Aqui temos uma revolução que garante a Justiça — afirmou El Aissami.

O ministro do Interior disse ainda acreditar que Zuloaga e Nelson Mezerhane, outro sócio da Globovisión e presidente do Banco Federal — que sofreu intervenção do governo no início da semana — estejam em Miami, ‘onde desfrutam das condições necessárias de cumplicidade e impunidade’.

Manifestação em frente à sede da emissora Em solidariedade à Globovisión, ativistas políticos e defensores da liberdade de imprensa compareceram ontem à sede da empresa para protestar contra as ameaças de fechamento da emissora.

Também ontem, o Instituto Internacional de Imprensa classificou como abuso e violação da Constituição a prisão de um jornalista venezuelano que denunciou em um artigo o nepotismo exercido pelo prefeito de Valência.

O colunista do diário ‘El Carahobeño’ Francisco Pérez foi condenado a uma pena de três anos e nove meses de reclusão por ter afirmado que a mulher, a filha e a nora do prefeito Edgardo Parra conseguiram cargos públicos durante seu mandato.’

 

Imprensa francesa não perdoa a seleção

‘Impostores, indignos, patético.

Esses foram alguns dos termos usados pelos jornais franceses ontem para desqualificar os jogadores de sua seleção e a derrota de quintafeira para o México, por 2 a 0, o que tornou praticamente inviável a classificação da França para a próxima fase do Mundial. A imprensa local não perdoou a segunda partida sem vitória na Copa e pegou pesado, criticando a atuação do time em jornais e programas de entrevistas. Lembrou até que os irlandeses, eliminados da disputa pela França durante a repescagem, com um gol irregular, teriam tido, enfim, sua revanche.

‘A França acordou olhando para um campo em ruínas — a seleção nacional — com um nó na garganta, algumas lágrimas nos olhos, mas os Azuis não mereceram isso’ — escreveu Fabrice Jouhaud, editorchefe do ‘L’Equipe’.

O jornal esportivo estampou na capa a manchete ‘Os impostores’ e chamou de humilhante a derrota para a seleção mexicana.

O jornal ‘Fígaro’ publicou: ‘Foi Waterloo no Limpopo’, uma alusão à derrota de Napoleão em 1815 e à província sul-africana onde o jogo foi realizado.

Toulalan crê em redenção O ‘France Soir’ afirmou que ‘os Azuis envergonharam a França’ e acrescentou: ‘Se todos os rumores que os rondam se confirmarem, merecerão o título dos piores jogos internacionais na história do futebol francês, talvez não como jogadores, mas sem dúvida como homens.’ O ‘Le Monde’, um dos jornais mais respeitados da França, traçou em seu editorial um paralelo entre o resultado do jogo e a situação do país.

‘Sua falta de liderança, estratégia, espírito de equipe (…). Todos esses talentos desperdiçados, esses recursos sem uso formam uma cruel metáfora de um país que costuma ter problemas para unirse, para superar o pessimismo e a divisão e para mobilizar sua força.’ O site do jornal também destacou uma frase do alemão Franz Beckenbauer: ‘Os franceses são, atualmente, a maior decepção do Mundial. A forma como eles jogaram é indigna de uma Copa do Mundo. O que realmente me chocou foi a maneira como eles aceitaram a derrota.’ O meia francês Jeremy Toulalan admitiu, após o treino de recuperação da equipe, que sua seleção não jogou bem contra os mexicanos.

— O México realmente jogou como um time. Nós fomos apenas 11 indivíduos em campo — disse. — Nós ainda temos uma pequena chance de classificação. É preciso acreditar, e temos de lutar por todas as pessoas que decepcionamos.

O terceiro jogo da França no Mundial será terça-feira, contra a África do Sul, às 11h. Com apenas um ponto, a equipe precisa vencer os donos da casa por uma boa diferença de gols e torcer para que a partida entre México e Uruguai não termine empatada.’

 

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