Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

O Estado de S. Paulo

TV PÚBLICA
Wilson Tosta

TV Brasil atinge menos de 1% do País

‘A TV Brasil, emissora estatal federal, que faz um ano esta semana, planeja instalar, a partir de 2009, 39 repetidoras, para espalhar pelo País seu sinal aberto, que atualmente só chega a Rio, Maranhão e Brasília, e entra em São Paulo a partir de terça-feira só por recepção digital. As retransmissoras anunciadas pela presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), jornalista Tereza Cruvinel, se somarão a uma rede de 24 televisões públicas que compartilhará um mínimo de 10 horas de programação diária.

Elas podem engrossar a lista de polêmicas que cercaram a ‘TV Lula’ – como o PSDB e o DEM a batizaram, acusando-a de oficialismo – e envolveram a saída de diretores por divergências, um editor denunciando suposta censura e até uma greve de funcionários.

‘Há localidades do Brasil aonde a rede pública não chega’, diz Tereza. ‘Nesses lugares, estamos requisitando canais analógicos de retransmissão. É só um transmissor, e aí você faz um acordo com alguém que tenha uma torre ou um prédio elevado, instala e retransmite a programação naquela área.’ Ela estima em R$ 800 mil o custo de cada retransmissora.

O orçamento da empresa é de R$ 350 milhões, valor que deverá ser mantido em 2009. Somado aos cerca de R$ 20 milhões de patrocínios e prováveis R$ 80 milhões da Contribuição para a Comunicação Social, a ser deduzida do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e ainda a ser regulamentada, deverá garantir recursos para a empresa tocar seus planos, mesmo em tempos de crise econômica. No total, a EBC está investindo R$ 100 milhões em equipamentos. Tem 1.440 funcionários, dos quais 250 na TV Brasil.

Atualmente, a TV Brasil só atinge a maior parte do território nacional por antena parabólica. Seu sinal aberto chega a menos de 1% das cidades: apenas 52 dos 5.564 municípios brasileiros. O público potencial é de pouco mais de 26 milhões de telespectadores, mas a audiência só supera o traço em alguns programas especiais.

Criada pela fusão da estatal Radiobrás (criada pela ditadura militar para reunir emissoras oficiais de rádio e um canal de TV em Brasília) com a TV Educativa, que tinha canais no Rio e no Maranhão, a nova emissora começou transmitindo para essas praças em VHF, UHF e emissoras a cabo. Levou um ano para montar uma estrutura que lhe permitisse colocar no ar seu canal aberto em São Paulo.

BALANÇO

A emissora viveu um parto sobressaltado. No começo, preencheu sua grade mantendo muitos programas de suas antecessoras. ‘Tivemos resultados bastante críticos no primeiro semestre’, conta Tereza.

Depois da aprovação, em março, a estatal viveu a incerteza da incorporação da Radiobrás pela EBC. ‘Enquanto a EBC não incorporou a Radiobrás, não teve orçamento, não teve quadro de pessoal e seus diretores não puderam praticar nenhum ato de gestão.’ Ela ressalta que a EBC existia nominalmente e seu orçamento era o da Radiobrás.

Depois da incorporação, divergências internas levaram à saída de Orlando Senna do cargo de diretor-geral, e de Mário Borgneth da diretoria de Relacionamento e Rede. ‘Foi um momento muito ruim’, diz Tereza. Ainda no primeiro semestre, o jornalista Luiz Lobo, então editor-chefe do Repórter Brasil, foi demitido e denunciou supostas pressões do Palácio do Planalto para censurar matérias sobre temas que desagradariam ao governo.

Em 29 de outubro, funcionários da EBC (basicamente, ex-integrantes da Radiobrás, incluindo rádios controladas pela empresa) decidiram entrar em greve. O movimento durou apenas um dia, mas o problema que o gerou permanece: a diferença salarial entre os empregados de carreira da antiga estatal, com piso para repórteres de R$ 2.760, e os contratados já pela nova empresa, que ganham até R$ 7 mil. Uma comissão de empregados ainda discute a questão com a direção da EBC.’

 

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Transmissão para São Paulo começa na terça

‘Burocracia para importação de equipamentos e espaço para distribuição de sinais congestionado tornaram mais longo o caminho para a TV Brasil plantar seu sinal na cidade de São Paulo. O sinal só chega à capital paulista (canal 63) a partir das 20 horas de terça-feira, quando a estação completa um ano, e só para quem tiver TV digital.

Quem tiver receptor analógico – a imensa maioria dos paulistanos -, só conseguirá ver a TV Brasil dentro de alguns meses (pelo canal 62), se acoplar uma pequena antena especial à sua TV. O problema se explica: a geração do sinal será em UHF, sistema que é original da TV digital, mas não é bem captado pela TV analógica.

Tereza explica que os transmissores importados para a TV Brasil de São Paulo inicialmente ficaram um bom tempo presos na alfândega. Após o cumprimento das exigências burocráticas, a emissora começou os testes na faixa que lhe fora destinada originalmente e topou com novos problemas.

‘Quando colocamos no ar no canal 69, houve interferência na banda de operação telefônica da Nextel’, afirma. ‘Tivemos que trocar de canal, e isso levou quatro meses. Mas aí tiveram que achar um canal, porque São Paulo é uma cidade com espectro eletromagnético bastante congestionado.’

Do 69, o canal digital da TV Brasil passou ao 63. O analógico, que era o 68, virou o 62. Tereza se queixa da existência de emissoras irregulares no Estado, ocupando lugares ‘bons’ no espectro, e pede providências ao Ministério Público. ‘A TV Pública brasileira poderia ter um lugar melhor, né?’, reclama.

Muito pouca coisa da programação da TV Brasil deverá ser produzida em São Paulo, segundo Tereza. Mas há previsão de que alguns programas ao vivo, como o de Leda Nagle e o Atitude.com, atualmente apresentados do Rio, façam algumas transmissões a partir de São Paulo, para possibilitar a participação de convidados locais. ‘E vamos produzir uma revista cultural chamada Deslocado, que procura focar acontecimentos culturais fora do eixo convencional e será feita de São Paulo’, explica ela.

AUDIÊNCIA

Na transição para a nova programação, alguns programas das emissoras anteriores foram extintos. Foi o caso do Recorte Cultural e do Espaço Público, da TV Educativa do Rio, cujos cancelamentos geraram protestos na internet. A emissora também procurou inovar, fazendo transmissões do carnaval de rua no Rio, na Bahia e em Minas, das festas de São João no Nordeste e do Sete de Setembro em várias partes do Brasil. Outra transmissão da TV Brasil que o comando da empresa considera inovadora foi a das Paraolimpíadas.

Tereza evita avaliar a audiência da TV estatal segundo padrões tradicionais, por considerar que a emissora tem muitos telespectadores espalhados que usam antenas parabólicas, que não entram na medição convencional de audiência. ‘O Faixa de Cinema já fez 4,9, já chegou a 7,5’, diz, referindo-se aos índices no Ibope. ‘Quando exibimos Leila Diniz, foi de 4,9. A programação infantil, herdada da TV Educativa, com Menino Maluquinho, Turma do Pererê, Janela Janelinha, dá de 4 a 4,5. É uma audiência espetacular para os padrões da TV pública no Brasil, que sempre foi 1 ou menos de 1.’

Dados do Ibope fornecidos oficialmente pela EBC indicam que, entre 20 e 26 de novembro, o share do Repórter Brasil foi de 1,83%. ‘Então, não gosto da palavra traço, porque teria que ser bem perto de zero’, diz Tereza.’

 

ELEIÇÃO
Ricardo Brandt

Sob sigilo, PF investiga marqueteiro de Lula por movimentação suspeita

‘João Santana, o marqueteiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é investigado desde 2006 pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal por movimentações financeiras suspeitas durante a campanha eleitoral de 2004. Transações entre a Santana & Associados Marketing e Propaganda Ltda., o PT e a NDEC (Núcleo de Desenvolvimento Estratégico de Comunicação), uma produtora de vídeo envolvida em escândalos com governos petistas desde 2003, estão sendo esmiuçadas na Bahia, sob segredo de Justiça.

As investigações começaram após a comunicação feita pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que registrou em seu relatório ‘movimentação suspeita’ em conta corrente da Santana & Associados. O órgão detectou o recebimento de R$ 950 mil do PT e R$ 600 mil da NDEC – em dois pagamentos, de R$ 300 mil -, em setembro e outubro de 2004, véspera do primeiro e segundo turnos das eleições.

As transações deram origem ao inquérito policial número 326/2006 para apurar crime de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos ou valores. Um laudo pericial feito pela PF, que faz parte do inquérito, é considerado peça fundamental para a defesa da Santana & Associados para provar que os recebimentos decorreram de serviços legalmente prestados a três campanhas eleitorais naquele ano e que tudo foi registrado contabilmente e informado à Receita Federal.

Enquanto não for concluído o inquérito, no entanto, a procuradoria considera que a empresa de Santana, o PT e a NDEC podem ter se envolvido em uma triangulação financeira para ocultar a movimentação de dinheiro não-declarado na campanha eleitoral de 2004. A investigação, ainda não relatada pela PF, pode virar uma denúncia criminal do Ministério Público Federal ou ser arquivada.

INQUÉRITO

O caminho do dinheiro que a PF e a procuradoria tentam refazer no inquérito parte de três campanhas eleitorais que a Santana & Associados fez para candidatos a prefeito apoiados pelo PT, dois anos antes de assumir oficialmente a campanha do presidente Lula, no lugar do publicitário Duda Mendonça – afastado em decorrência do escândalo do mensalão.

Foram feitas as campanhas de Gilberto Maggioni, em Ribeirão Preto, Vander Loubet, em Campo Grande (MS), ambos petistas, e do ex-deputado Hélio de Oliveira Santos (PDT), o Dr. Hélio, de Campinas – apoiado e patrocinado pelo Diretório Nacional do PT.

No inquérito, a defesa apresentou três notas fiscais ‘relativas a serviços de publicidade tidos por prestados’, de números 001, 002 e 006. Mesmo assim, a procuradoria levantou suspeita sobre os negócios, por detectar problemas de discrepância de valores entre as notas emitidas e as declarações de gastos feitas à Justiça Eleitoral, movimentação financeira incompatível de uma das empresas envolvidas e numeração baixa das notas fiscais.

CAMPANHAS

No caso da campanha de Ribeirão Preto, a sócia de Santana, sua mulher Mônica Regina Cunha Moura, explicou no inquérito que uma nota de R$ 700 mil, em nome do PT, e outra de R$ 500 mil, em nome do próprio candidato, foram emitidas pelo serviço prestado ao candidato Gilberto Maggioni, em um total de R$ 1,2 milhão.

Registro das contas de campanha de 2004, disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que a Santana & Associados consta como prestadora de serviços do PT em Ribeirão, mas registra recebimento de R$ 500 mil, em três pagamentos (R$ 250 mil, R$ 150 mil e R$ 100 mil), todos do dia 23 de setembro. Chama atenção também o fato de a campanha ter informado gasto total de R$ 1,2 milhão, mesma quantia que a Santana & Associados diz ter recebido apenas para os serviços de propaganda.

No caso de Campinas, levantou suspeita o fato de a Santana & Associados ter recebido pelos serviços por intermédio da NDEC, uma produtora de vídeo criada em Campo Grande (MS), já envolvida em outros escândalos com o PT.

Lá, apesar de o candidato não ser petista, foi patrocinado pelo Diretório Nacional do PT, que efetuou três repasses para seu comitê, um total de R$ 207 mil. Há ainda, no caso, uma divergência entre os valores em nota e no balanço informado ao Tribunal Superior Eleitoral.

Para a PF, a Santana & Associados entregou nota de R$ 600 mil, pagos pela NDEC, referentes a serviços prestados para a campanha de Dr. Hélio.

No TSE, a ‘intermediária’ aparece como contratada, mas recebendo dois pagamentos de R$ 85 mil e R$ 465 mil, em um total de R$ 550 mil, nos dias 28 e 29 de outubro.

Curiosamente, em Campo Grande, sede da NDEC, a Santana & Associados também recebeu recursos do PT referentes a serviços prestados para a campanha de Loubet, sobrinho do ex-governador Zeca do PT. Nova coincidência. O ex-governador e a NDEC têm fortes ligações. A produtora é acusada na Justiça por fornecer ‘notas frias’ para o ex-governador entre 2005 e 2006 para ocultar desvios de recursos.

Em Campo Grande, a Santana & Associados informou ter recebido R$ 320 mil em dois pagamentos (R$ 250 mil e R$ 70 mil). Nesse caso, os valores batem com o declarado ao TSE.’

 

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João Santana substituiu Duda após mensalão

‘O baiano João Santana de Cerqueira Filho foi escalado em 2006 para comandar o marketing eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na disputa vitoriosa de reeleição, em substituição a Duda Mendonça, seu ex-sócio, após ser flagrado em remessas ilegais de dinheiro ao exterior. A principal ponte foi o ex-ministro da Fazenda e hoje deputado Antonio Palocci, para quem fez a campanha vitoriosa de prefeito em 2000, em Ribeirão Preto. Atual conselheiro de Lula, Santana foi responsável pela última campanha de Marta Suplicy, em São Paulo. Além da Santana & Associados, ele possui a Polis Propaganda e a JF Comunicação, no Jardim Apipema, em Salvador (BA), onde vive.’

 

TELES
O Estado de S. Paulo

Anatel avalia compra da Brt pela Oi

‘O ministro das comunicações, Hélio Costa, disse que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidirá até o dia 15 de dezembro o pedido de autorização para a conclusão da compra da Brasil Telecom pela Oi. Caso o negócio não seja concluído até 21 de dezembro, a Oi terá de pagar uma multa de R$ 490 milhões à BrT. A Oi deu entrada no pedido, que está sendo analisado pela área técnica da Anatel, na sexta-feira passada. O processo seguirá depois para a Procuradoria Geral do órgão e em seguida para o Conselho Diretor. Depois, o processo segue para o Conselho Administrativo de defesa Econômica (Cade).’

 

TV DIGITAL
Renato Cruz

TV digital faz um ano e continua incompleta

‘Na terça-feira, a TV aberta digital faz um ano no Brasil. Ela chega a seu primeiro aniversário ainda incompleta e vista por poucos. O software de interatividade Ginga, único componente genuinamente local do padrão que foi chamado de nipo-brasileiro, ainda não está disponível oficialmente. A multiprogramação, possibilidade de se transmitir mais de um programa num único canal, ainda precisa ser regulamentada, segundo o Ministério das Comunicações. Somente seis cidades têm o sinal e apenas São Paulo, onde o sistema estreou, está com todos canais no ar.

Para Frederico Nogueira, presidente do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), a TV digital teve êxito em seu primeiro ano. ‘Temos mais conteúdo em alta definição hoje e os preços dos equipamentos estão caindo assustadoramente’, disse Nogueira. Houve mesmo avanços durante o último ano. Não havia celulares que recebiam sinal de TV aberta digital no fim de 2007 e agora eles estão no mercado. Na época, o conversor (equipamento que permite receber o sinal digital em televisores analógicos) mais barato custava R$ 500. Hoje, sai por R$ 290.

A tecnologia, no entanto, ainda é para poucos. O próprio fórum projeta chegar a 645 mil espectadores de TV digital em todo o País este ano, com a venda de 150 mil receptores fixos (conversores e televisores com receptor embutido) e 150 mil móveis (celulares, aparelhos portáteis e receptores USB para computadores). ‘Não vamos querer criar uma cultura de TV digital em um ano’, afirmou o presidente do fórum.

Um dos problemas da TV digital até agora é que pouca gente sabe o que mudou. Em 2006, quando as emissoras defenderam o sistema japonês ISDB, que acabou adotado no País, o principal objetivo delas era ter a alta definição, que garante uma qualidade de imagem seis vezes melhor do que os aparelhos convencionais, analógicos.

Por isso, a TV digital, principalmente no ponto de venda, acabou sendo associada aos televisores de tela grande, de LCD ou plasma, acessíveis a uma parcela restrita dos consumidores, de alta renda. E o que é pior: a uma parcela dos consumidores que é cliente das empresas de TV por assinatura. A TV aberta de alta definição acabou se tornando um produto para um consumidor que não existe.

A TV digital traz vantagens para pessoas de renda mais baixa. Uma delas é a possibilidade de melhorar a qualidade da imagem recebida na TV de tubo, em lugares com problemas de recepção, mas esse recurso é pouco mostrado quando o consumidor visita o varejo, mais interessado em vender televisores grandes. Esse cenário pode mudar com a chegada ao mercado de telas menores com receptor embutido. ‘A TV com receptor pode se tornar um produto mais importante que o conversor’, apontou José Roberto Campos, vice-presidente-executivo da Samsung.

O celular com TV digital é um objeto de desejo, mas ainda caro, com preço a partir de R$ 900, sem subsídios. A mobilidade é um recurso fácil de o consumidor entender e enxergar valor, mais que a alta definição. Os preços estão caindo. Nogueira, que também é vice-presidente da Bandeirantes, defende que, com o tempo, as emissoras passem a transmitir um conteúdo diferente no sinal recebido pelos celulares, que não é o mesmo da televisão, apesar de trafegar no mesmo canal.

‘O horário nobre da TV no celular no Japão é das 18 às 20 horas, e o da TV convencional é das 20 horas às 22 horas’, apontou o executivo. ‘A experiência com o OneSeg (como é chamada a TV no telefone móvel por lá) é mais intimista. O espectador aceita assistir a uma cena mais forte no celular, que não se sentiria confortável a assistir no televisor da sala com a família.’ No Japão, as emissoras já começam a experimentar com a transmissão de conteúdo diferenciado para o celular.

A TV no celular se chama OneSeg porque o canal é dividido em 13 segmentos e um deles é destinado ao sinal móvel. Transmitir um conteúdo diferente para o celular é uma forma de multiprogramação e Nogueira não concorda com a interpretação de que isso é proibido: ‘Não está escrito em nenhum lugar que não pode’.’

 

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Interatividade é postergada mais uma vez

‘As empresas de software que trabalham com interatividade para TV estão muito preocupadas. O lançamento do Ginga, software brasileiro que permite serviços parecidos com os da internet no televisor, teve seu lançamento adiado no ano passado, na estréia da TV digital, com a promessa de que chegaria para este Natal. Mais uma vez ele não veio. Em 2007, a explicação era que, de última hora, a indústria descobriu que ele exigiria o pagamento de royalties internacionais.

Este ano, foi fechado um acordo com a empresa americana Sun Microsystems para a substituição dessas partes do software por uma versão livre de royalties. Esse trabalho ainda está em curso. Nos últimos meses, alguns começaram a defender o lançamento de uma versão 1.0 do Ginga, sem a parte que exige pagamento de royalties. A proposta não prosperou. ‘Para nós, o importante é que a interatividade seja lançada logo, nem que fosse com Windows’, brincou um executivo de empresa de software. O Ginga é um middleware, programa que faz com que os aplicativos rodem em qualquer tipo de equipamento. Um problema no atraso do Ginga é que ele cria legado: quem comprar conversores e televisores antes de seu lançamento não conseguirá ter acesso a serviços interativos, como informações adicionais, envio de mensagens aos programas, compras pela televisão e jogos.

A interatividade poderia ser um diferencial e um argumento de venda importante para espectadores de menor renda, que possuem somente televisores pequenos em casa.’

 

TECNOLOGIA
Ethevaldo Siqueira

A estratégia japonesa para vencer a crise

‘Apostar cada dia mais em inovação tecnológica e na colaboração entre empresas operadoras e fornecedores é a estratégia japonesa para estes novos tempos de crise econômica mundial. Como em todo o mundo desenvolvido, a inovação tem sido prioridade do desenvolvimento tecnológico e econômico japonês. A novidade é esse novo tipo de colaboração – que entusiasma os executivos japoneses – como sinônimo de esforço solidário que se amplia entre operadoras, governo e indústria, diante dos desafios da crise econômica mundial.

‘Grandes operadoras de telecomunicações, como a NTT – concessionária dominante de telefonia fixa e móvel – passam a trabalhar em conjunto com a indústria, colaborando não apenas no desenvolvimento de novas plataformas, mas, em especial, de novos serviços. Felizmente, a maioria das grandes operadoras de telecomunicações no mundo não prevê reduzir seus investimentos em 2009’ – diz Botaro Hirosaki, vice-presidente executivo da NEC Corporation, que visitou o Brasil na semana passada.

Com a retração econômica mundial e a valorização do iene, Hirosaki reconhece as dificuldades do novo cenário para a economia japonesa e, em especial, para suas indústrias exportadoras. Mas o executivo japonês não revela nenhum pessimismo e defende a estratégia de que a crise cria novas oportunidades, permitindo que a indústria de telecomunicações se volte mais para o mercado interno, durante algum tempo, para fazer avançar o processo de informatização da sociedade japonesa.

AVANÇOS

O Japão tem um dos sistemas de telecomunicações mais avançados e modernos do mundo. De seus 104 milhões de celulares em serviço, 82% são de terceira geração (3G) e operados por 4 empresas: NTT DoCoMo, KDDI, SBM e e-Mobile. À exceção da última, as outras três já oferecem serviços com velocidade de 7,2 Megabits por segundo (Mbps), de acesso sem fio por pacotes de alta velocidade (High Speed Packet Access ou HSPA).

O país foi o primeiro do mundo a implantar a 3G, em 2001. Atualmente, um dos serviços de maior sucesso na área da telefonia móvel é a carteira eletrônica ou carteira virtual móvel (mobile wallet). Com esse serviço, o celular se transforma em meio de pagamento mais rápido e seguro do que os cartões de crédito.

O Japão já prepara a transição para a quarta geração do celular (4G), num horizonte de 2 a 3 anos, com o salto das velocidades de transmissão para a casa de 100 Mbps. ‘Essas velocidades – diz Hirosaki – equivalem à velocidade proporcionada pelo acesso via fibras ópticas. Não teremos que nos preocupar em saber se estamos fazendo uma comunicação sem fio ou via cabo. É um exemplo concreto de integração fixo-móvel. Imagine, então, quantos novos serviços de vídeo, TV digital, alta definição e videoconferência poderemos ter com velocidades da ordem de centenas de Megabits por segundo. Ou ainda para uma nova geração de serviços de internet, entre os quais os de cloud computing (computação na nuvem).’

REDES INTELIGENTES

O grande salto japonês, entretanto, está na área de redes de banda larga. As três maiores redes que servem aos domicílios do país são: redes digitais de assinante (Digital Subscriber Line ou DSL), com 12,7 milhões de assinantes; fibra óptica em domicílio, do tipo Fiber to the Home (FTTH), com 12,2 milhões de domicílios; e TV a cabo convencional, com 3,8 milhões de assinantes.

Para reduzir boa parte da capacidade ociosa de transmissão de suas redes de fibras ópticas, o Japão está desenvolvendo um conjunto de novos serviços, como televisão sobre protocolo IP (IPTV) de alta definição, vídeo sob demanda (VoD, de Video on Demand) e teletrabalho.

Segundo Hirosaki, o custo do aluguel de acesso de alta velocidade via fibra óptica no Japão é barato – da ordem de 500 ienes por mês, ou seja, de US$ 5 ou R$ 12. Essa é uma forma estimular o uso da fibra óptica e de sua elevada capacidade de transmissão.

Na área empresarial, o Japão talvez seja o país com maior grau de utilização das redes de nova geração (NGN, de New Generation Network). A designação internacional NGN se refere a diferentes tecnologias associadas, podendo tanto referir-se a redes metálicas, de fibras ópticas, como sem fio ou híbridas. Não importa muito sua infra-estrutura, mas, sim, duas características básicas: todas as NGNs são redes inteligentes e utilizam o protocolo IP. Um dos exemplos de colaboração entre operadoras e indústria é a aliança estratégica que a NTT e a NEC têm nessa área de redes de nova geração (NGNs).

A característica básica de uma rede inteligente é sua capacidade de oferecer novo tipo de gerenciamento e de utilização da informação por todos os players, bem como uma plataforma convergente que associa serviços e recursos de computadores e de comunicações.

O grupo NTT, antigo monopólio estatal das telecomunicações, foi privatizado em várias etapas a partir de 1985. Sua participação no mercado japonês, contudo, ainda é muito elevada. Por isso, as autoridades reguladoras japonesas decidiram reestruturar a empresa em 2010, para permitir mais competição nas telecomunicações do país.’

 

LITERATURA
Ubiratan Brasil

Um monólogo para Eurídice

‘O monólogo é intrigante: em uma casa de repouso, uma mulher expõe a um senhor oculto os motivos que a convencem a ficar ali. Ao contrário das demais, ela não quer contato com o mundo exterior, onde lá manteve grande paixão por um poeta admirado por muitos. É a partir desse desenrolar de fios que o escritor e crítico italiano Claudio Magris construiu, em O Senhor Vai Entender (Cia. das Letras, tradução de Maurício Santana Dias, 60 págs., R$ 28,50), uma nova versão do mito de Orfeu e Eurídice.

Uma versão, no entanto, invertida, uma vez que dá voz àquela que viveu sempre nas sombras, impulsionando a carreira do amado que, muitas vezes, cego pela vaidade, é capaz de se enamorar mais de um poema que da mulher que ama. A partir dessa escolha, Magris enobrece a força da mulher, considerada por ele muito mais valente do que o homem. ‘Ela quer poupar o amado e não privá-lo da capacidade de criar poesia’, comenta, em entrevista ao Estado.

Lançado em 2006, O Senhor Vai Entender é outro mergulho na introspecção proporcionado por Magris, reputado como um dos grandes escritores europeus vivos. Perto dos 70 anos, ele promove aqui, como em Danúbio, relançado agora pela Cia. das Letras em sua coleção de bolso, e Microcosmos, uma narração que funde o singular e o universal, além de costurar eventos particulares a outros mais abrangentes. ‘A palavra’, diz , ‘é a forma que a vida dá a si mesma para chegar à mente e ao coração.’ No livro, Magris explora as complexas relações entre o homem e a mulher nos dias atuais, subterfúgio para também falar de sua relação amorosa com a escritora Marisa Madieri, que morreu em 1996. Um diálogo impossível que busca exorcizar um fantasma familiar.

Não parece haver muita diferença entre a casa e a vida social, diz a mulher em O Senhor Vai Entender. A ilusão da felicidade é suficiente para preencher o vazio do homem?

Esse é um monólogo feminino, versão moderna do tema de Orfeu e Eurídice, na qual quem tem a palavra é a mulher. Foi ela que decidiu não voltar à vida, embora o deseje e nutra grande amor por seu companheiro. É ela que conta como e por que permaneceu no além, no reino das sombras, da morte. Segundo a tradicional condição subalterna da mulher, em geral o destino de Eurídice depende de Orfeu. Mas, aqui, a mulher fala numa misteriosa casa de repouso, símbolo do que há depois da morte. Ela fala a um presidente também misterioso, a figura de Deus que não se vê, mas é o grande construtor e o narrador, às vezes incompreensível, de toda a história. Dirige-se a ele para explicar por que decidiu não deixar aquela casa, embora o homem que ela ama tenha descido até lá para buscá-la. Escolhi a casa de repouso como metáfora da morte, mas, como sempre acontece em texto literário, há também um motivo biográfico. No texto há muitos ecos da minha história pessoal, mas transfigurados e modificados. Durante anos freqüentei uma casa de repouso, onde visitava uma senhora idosa, no centro de Trieste. E toda vez que saía ou entrava no edifício, ao ultrapassar a soleira da porta encontrava-me em um mundo diferente. Naquela casa, o tempo tinha outras dimensões, outra duração, havia outras relações, hierarquias, outros afetos, ressentimentos; outros códigos, outras luzes, outras sombras. E toda vez, ao entrar ou ao sair, eu me perguntava onde podia compreender um pouco mais o mundo e a vida, se dentro ou fora, na frente ou atrás do espelho. É por isso que surgiu daquele estado de espírito a decisão da mulher, em um extremo sacrifício de amor, de não seguir o amado, a fim de poupá-lo da terrível descoberta de que também do outro lado, no além, ainda que tão diferente, não é possível entender mais do que se entende do lado de cá, na vida. Claro, não quero expor uma concepção religiosa ou filosófica pessoal; trata-se de um estado de espírito fantástico, uma sensação, assim como às vezes podemos ter a impressão devastadora de que a vida é terrível e negativa, sem por isso professar uma filosofia pessimista, ou então achar a vida encantadora e cheia de graça, sem por isso professar necessariamente uma filosofia otimista. No fim, a mulher quer poupar ao amado a descoberta de que, se na vida vemos as coisas indiretamente como em um espelho e em um enigma, do outro lado, estamos do outro lado do espelho, que, por sua vez, é, ao mesmo tempo, um espelho e um enigma, de forma que desconhecemos o mistério da vida. Ela sabe que essa descoberta destruiria o seu amado, iria privá-lo da capacidade de criar poesia, por isso quer impedi-lo.

O homem ama a mulher ou simplesmente se sente só?

É claro que o homem ama a mulher. Mas a ama com o narcisismo que encontramos com freqüencia nos poetas que, como disse Milosz, muitas vezes têm ‘um coração frio’, ou seja, podem apaixonar-se mais pelo próprio sentimento e pelo próprio amor do que pela pessoa concreta. Ele é uma mescla de uma grande e profunda paixão, ela é a sua mulher, nela ele nasceu para a vida, para o amor, para o sexo, para tudo. É também um autêntico poeta, e, ao mesmo tempo, um narciso, um egoísta; com certeza é inferior a ela. Quis narrar uma história que seja também uma verdadeira e arrebatadora história de amor, mas cercada também por toda a mesquinhez, a obstinação, a capacidade de vingança que costumam fazer parte de um amor.’

 

ENTREVISTA / MARIA ADELAIDE AMARAL
Sonia Racy

‘Minha obsessão são os afetos’

‘A primeira impressão que se tem da dramaturga Maria Adelaide Amaral é de uma personalidade dura. Mas ao longo da conversa, em seu apartamento em Higienópolis, lotado de porta-retratos, percebe-se que não é bem assim. Entre um afago e outro em sua gata angorá, ela mostra, por palavras e gestos, que são poucos os seus preconceitos ou julgamentos. Profunda conhecedora as emoções humanas, apaixonada pelo que faz, pelos amigos e pela vida, a virginiana tem os pés na terra.

Não é por acaso que a portuguêsa de nascença tem sua imaginação colada a fatos reais. Autora de minisséries como JK, As Setes Mulheres e de peças como a Mademoiselle Chanel – todas baseadas em fatos reais, Maria Adelaide tem a precisão como lema. E agora parte para um novo desafio: fazer cinema. Aqui vão trechos da entrevista:

Você vai fazer cinema pela primeira vez. Como foi isso?

Eu sempre relutei em fazer cinema pois essa é uma arte do diretor e não do escritor. Além disto, o roteirista de cinema é obrigado a dar vários tratamentos ao texto, coisa para a qual não tenho paciência. Mas, desta vez, aceitei.

Por quê?

O tema me interessou muito. O ponto de partida é a formação da Orquestra dos Meninos de Heliópolis, um trabalho extraordinário. O filme ainda não tem nome, mas o diretor será o Sérgio Machado, que também vai colaborar no roteiro.

Você é contratada da Globo. Onde vai achar tempo?

Eu só poderia escrever essa história com um grande braço direito, que tivesse competência para escrever nessa linguagem. É a Marta Nelling. Ela será de grande ajuda, até porque eu tenho que me preparar para eventualidades – como a Globo me chamar. Este ano, tive alguns momentos sabáticos que, de sabáticos, não tiveram nada. Do final da minissérie até agora escrevi três peças. Uma sobre a Dercy Gonçalves, pedida por ela mesma.

Quando estréia?

Em março do ano que vem, com direção da Marilia Pêra. Além dessa, fiz a adaptação de As Meninas, de Lygia Fagundes Telles. O que foi uma grande felicidade para mim. E também retrabalhei um texto meu, inédito, dos anos 80, sobre uma datilografa. O Marcos Paulo me ligou e pediu o texto.

Como você se organiza para fazer tudo?

Sou muito disciplinada. Quem trabalhou na imprensa e tem prazo se habitua a se organizar.

Você tem algum hábito na hora de escrever?

Raramente escrevo de manhã, hora em que me dedico à minha saúde: caminho, faço Pilates, vejo as minhas coisas. Aí, me sento para trabalhar 10, 10 e meia, e vou embora. Detesto quando me convidam para almoçar, porque tenho que quebrar meu dia. Adoro tomar um copo de vinho, por exemplo, mas não bebo durante o dia. Prefiro à noite. Geralmente janto fora.

Como você coleta material para os personagens?

Qual é o seu processo de criação? Depende. Na literatura e no teatro falo sobre mim e sobre pessoas que conheci. É um eterno retorno. A maior parte dos criadores faz isso. Fellini e Bergman falam sempre dos mesmos temas também – os temas que se tornam obsessão para cada um.

E qual é a sua obsessão?

No teatro e na literatura, minha obsessão são os afetos. Faço essa distinção porque minha trajetória ali é muito diferente da que tive na televisão, onde lidei com a realidade dos outros. Comecei como colaboradora de escritores, depois trabalhei com obras baseada em livros e com biografias. Por mais que eu criasse, a biografia limita um pouco, não me permite enlouquecer.

E foi interessante?

Muito. Toda vez que eu interferi, foi para dar mais emoção à vida dessas pessoas. Porque são pessoas da realidade. Já no teatro e na literatura, como disse, são os afetos – o amor, a paixão, os desencontros, desentendimento, as relações mãe e filho, extraconjugais. Paixões no sentido amplo da palavra.

E pelo que você é apaixonada?

Eu tenho uma natureza apaixonada. Eu me apaixono por projetos, pessoas, períodos históricos, escritores. Sou uma apaixonada pelo Proust, por exemplo. Mas minha paixão não se limita a ler, eu tive de ir lá para conhecer a casa dele e seus ambientes. Preciso disso. Me apaixono por amigos – eles são uma fonte de nutrição plena e perene para mim. É preciso ser muito mau caráter para eu eliminar uma pessoa da minha vida.

Nesse filme, você de novo vai lidar com a realidade.

Ela é o ponto de partida e o de chegada.

Você planeja a sua vida?

Não. Tenho projetos, mas a vida é maior que eles. Só me dei bem com esses desvios da vida. Tive uma novela em 2002 que foi cancelada e por isso pude escrever Tarsila.

Você é do tipo ‘Maktub’?

Um pouco, mas eu não fico na cama esperando as coisas acontecerem. A minha vida profissional e pessoal é cercada de magia. Essa coisa de virar autora de minissérie foi algo fortuito. Quando o Jaime Monjardim veio me procurar e eu propus que fizéssemos A Casa das Sete Mulheres, eu ainda não tinha lido o livro. Procurei na orelha algo que pudéssemos usar, a minha vida é assim.

Darwin ou Deus?

Ambos. É sempre assim, estar aberta. E sobretudo, ser humilde.

Você é adepta da internet e de novas tecnologias?

Uso muito pouco. Pesquisas na internet, por exemplo, duvido. Pertenço à geração de Guttenberg, do livro impresso. Não exploro essas possibilidade porque fico muito intimidada. São grandes inovações, mas que envelhecem rapidamente. Eu tenho um aparelho de som de 96 que me satisfaz perfeitamente.

E o que pensa sobre mulheres transgressoras?

Não é fortuito que eu tenha escrito uma peça sobre Chiquinha Gonzaga, outra sobre Chanel e agora sobre Dercy. Eu me identifico muito com elas, acho que também sou transgressora. Elas são fruto do próprio esforço. Guerreiras.

Como é a sua história?

É uma história de transgressão. Desde pequena, eu falava coisas absurdas, palavrões. Sempre muito inquieta. Com 14 anos eu dizia que era a favor do amor livre.

O que você acha que transgrediu?

Eu fazia coisas antes dos anos 60 que só foram aceitas depois. No fim eu acabei casando na igreja, com uma vida dentro dos padrões. Mas a minha cabeça é diferente. Nunca tive preconceitos e nada me choca.

Nada mesmo?

Bem, a educação no Brasil me choca, por exemplo. Outro dia vi na TV uma menina da sétima série dando uma entrevista. O português dela era medonho, de uma indigência escandalosa. Em postos de saúde, as pessoas são muito maltratadas. Há muito pouco respeito pelo cidadão. Outra coisa que me escandaliza são pessoas que têm nível para consumir cultura e optam por não fazer isso.

E sobre política?

Não me considero a pessoa mais qualificada para falar disso. Mas eu e tantas outras pessoas esperávamos muito mais deste período democrático.

Estamos fechando esse ciclo com a crise?

Sim, uma boa parte das pessoas enlouqueceu com esse consumo maluco.’

 

REVISTA
João Luiz Sampaio

Um romântico ditando caminhos à vanguarda

‘‘Sua música pode soar como o século 20, mas, no coração, ele era um romântico.’ A definição de Christopher Dingle para a produção do compositor francês Olivier Messiaen é tão perfeita como vaga. Em uma era de inovações e abstrações, sua música, ele costumava dizer, era sempre ‘sobre algo’. No entanto, ele rechaçou qualquer volta gratuita ao passado, em que pesem seus temas preferidos – religião, amor, morte, natureza, eternidade. Sem contradições.

Em sua edição de novembro, a BBC Music Magazine elege o compositor como tema de uma longa análise, motivada pelo seu centenário de nascimento. Seria natural sugerir paralelos entre ele e o também centenário Elliot Carter. Com exceção de referências ao impacto provocado pela audição, na juventude, da Sagração da Primavera, o único elemento em comum a ser ressaltado entre eles é a busca por uma linguagem extremamente pessoal em um cenário que muitas vezes foi marcado pela pasteurização da revolução, canonizada no desejo de cada novo compositor de romper com a tradição.

Assim, a melhor maneira de conhecer a obra de Messiaen, morto em 1992, não é colocá-la em perspectiva ao lado da produção de seus colegas mas, sim, encontrar em suas partituras aquilo que o motivava. Em depoimento à revista, o compositor Pierre Boulez é enfático. ‘Suas aulas nada tinham de heterodoxo, assim como suas idéias, com as quais nem sempre era fácil concordar. No entanto, seguindo ou não suas sugestões, saíamos de suas classes com um desejo enorme de compor. Ele nos provocava a criar música – e isso é essencial se você quer ser um compositor.’

O texto de Dingle não é um esboço biográfico, nem está preocupado em listar as principais obras. Em vez disso, ele escolhe sete aspectos, sete temas que considera fundamentais em sua produção: Esperança e Alegria, Medo e Espanto, Amor, Romantismo e Modernismo, Criação, Eternidade e Céu. A cada tópico, ele reaparece como uma figura curiosamente interessante e a oposição entre romantismo e modernismo vai dando voltas na mente. Como se tornou ícone da vanguarda um homem que se recusou a aceitá-la como dogma? Talvez, mais do que um homem de seu tempo, Messiaen tenha criado dentro de si uma época própria, atemporal e, por isso mesmo, capaz de dialogar com qualquer tempo. E há uma espécie de frescor misterioso que surge dessa combinação.’

 

 

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