Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Pedro Dória

‘Sem querer, naquilo que deveria ser uma reflexão corriqueira e não muito mais, o ‘New York Times’ acabou provocando uma pequena tempestade na blogosfera que trouxe à tona as mudanças sociais do novo século. A responsável é a jornalista Helaine Olen, autora do artigo ‘The new nanny diaries are online’ – Os novos diários das babás estão online –, publicado no último dia 17.

Babás novaiorquinas não costumam ser como babás da maior parte do mundo: são jovens de classe média, bem educadas, que precisam de um emprego que não lhes comprometa demais com uma carreira futura. É o jeito de fazer um troco. A de Olen tinha 26 anos, recém-formada em Literatura. E, como cabe a uma moça novaiorquina desta faixa, Tessy escrevia um blog. Num momento de doença do bebê, a babá dedicou-lhe um poema e por cortesia passou à patroa o endereço de onde estava publicado.

Virou a obsessão de Helaine Olen. Começa assim seu artigo: ‘Nossa última babá, uma ex-professora com ótimas referências, gostava de tocar os próprios seios enquanto lia The New Yorker e costumava acordar seus amantes à noite mordiscando-lhes as orelhas. Ela tomava remédio para dormir, brincava com fantasias eróticas envolvendo Tucker Carlson e chegou à conclusão de que teve mais parceiras mulheres que seu namorado.’

Tucker Carlson é um comentarista político conservador da televisão conhecido por ser o único sujeito que usa gravata borboleta aos 35. A princípio, Olen tentou lidar de forma crescida com a vida agitada fora de casa de sua babá. Afinal, ela mesma havia sido jovem um dia, também conheceu uma vida aventureira e até teve sua queda por literatura inglesa romântica, embora hoje já não tenha mais tempo para Henry James.

O blog da babá, na verdade, deixou-a insegura. Ao deparar-se com o cotidiano de uma jovem solteira que poderia ter sido ela, encarou suas próprias decisões passadas; Olen sentiu saudades dos tempos em que não tinha filhos para cuidar, ou trabalho demais com que lidar e então sentiu-se julgada.

Os pequenos trechos, aqui e ali, em que a jovem escrevia sobre uma briga ou outra entre o casal de patrões, pareceram-lhe invasões desmedidas. ‘Meus problemas’, ela fez publicar no Times, ‘minhas questões, minhas escolhas, todo meu ser pareciam ser vistos por ela como um desperdício de vida.’ Daí, percebeu os pequenos descuidos – a moça era o inimigo trazido para dentro de casa, não tão cuidadosa como deveria com as crianças, carinhosa de menos. Ser babá não deveria ser um trabalho qualquer, tem um compromisso ali. Tessy foi demitida.

Num mundo em que a privacidade é relativa, blogs representam a auto-expressão, aquele momento em que os diários de meninas deixaram os cadeados que ostentaram até finais dos anos 80 para tornarem-se públicos. E jornais, bem, jornais são a coisa que conhecemos, o meio de expressão que circula pelas ruas do Ocidente diariamente há uns dois séculos. Quais os limites de um e de outro?

Tessy, de quem não sabemos o sobrenome, publicou uma resposta virulenta ao artigo da ex-patroa. Não no maior jornal do mundo, mas em seu blog. ‘Se você veio para este pequeno blog hoje em busca de detalhes promíscuos de uma ‘babá muito louca’, ela publicou na rede, ‘ou outro ‘diário de babá’ detalhando a vida sórdida da família para a qual trabalha, sinto desapontá-los. Diferentemente do que diz o artigo publicado no caderno Style do ‘New York Times’, não sou uma alcoólatra que precisa de remédios para dormir enquanto faz sexo de forma promíscua e não se preocupa com as crianças de quem cuida. Se você olhar com cuidado pelos arquivos, ao invés disso encontrará uma jovem de vinte e tantos que decidiu trabalhar por um ano como babá enquanto se prepara para a nova fase de sua vida: uma carreira acadêmica, doutorando-se em Literatura Inglesa com ênfase nos romances do final do Período Vitoriano.’

E, de fato, Tessy rebate item por item. Cada pequeno detalhe que a ex-patroa havia pinçado ao traçar-lhe o perfil estava no blog, que trata também de sua vida sexual, mas sempre de passagem, nada que determine o perfil. O pinçar específico coube à jornalista, talvez à má-fé, mais provável que a uma certa paranóia. Ela reclamava de que não queria saber tanto assim da intimidade de sua babá – o que é muito justo. Certas coisas, em certas relações, melhor não ditas.

Mas há um dilema, aí. A babá oferece à patroa o endereço de seu blog onde detalhes que a patroa prefere não conhecer estão publicados. É um abuso de intimidade, um abuso da relação – claro que é. E, a partir de tanta coisa pessoal revelada, qualquer blogueiro tem de lidar com o fato de que não agradará a todos os conhecidos. Ainda mais quando cita outros em seus textos.

Por outro lado, um artigo no ‘New York Times’ é pior. Lança um blog dentre centenas de milhares na ribalta. E, embora não houvesse ali o nome da moça ou qualquer endereço, os detalhes eram tantos que o blog estava lá a um Google de distância. Há uma diferença entre a publicação pessoal na Internet e as páginas de um jornal grande. Muito pouca gente vai parar num blog pouco divulgado, está na casa dos poucos milhares e só. Já a resenha de um blog íntimo na grande imprensa o expõe repentinamente a milhões.

Naturalmente, do ponto de vista legal não há nada de errado. O que está publicado na rede o foi porque quem quis, publicou. É público, jogo jogado. Se uma jornalista pinça alguns dados e o expõe nas páginas impressas, não há o que fazer. É o risco de escrever online sobre a própria vida.

Só que Helaine Olen lidava, justamente, com a questão da privacidade, com a sensação de estar sendo julgada e, sem perceber, fez exatamente isto. Na verdade, segundo Tessy, muito desta impressão era, bem, impressão, mal entendido e um quê de neurose da ex-patroa. O episódio talvez não tenha nada demais, só motivo para mais uma coluna sobre comportamento de rede e assim toca-se a vida.

É só que a privacidade acabou. Ou, ao menos, a privacidade mudou, e já não é tão privada como foi um dia. Isto já ocorreu, mas ainda não nos adaptamos. É do que reclamam, com toda razão, Tessy e Olen. Talvez o mais difícil de lidar com o fim da privacidade, muitas vezes, não é tanto quando as coisas da gente são expostas em excesso. Mas quando, e isso acontece toda hora, começamos a saber demais sobre quem, no fundo, preferíamos não conhecer tanto.

Vivemos tempos interessantes. Uma revolução de costumes muito mais sutil, mas tão grande quanto a Revolução Sexual, está em curso.’



INTERNET
Cora Rónai

‘Orkut: a máquina de conhecer gente’, copyright O Globo, 25/07/05

‘Na semana passada, o Orkut ficou mal na fita: a Polícia Federal descobriu uma rede de traficantes vendendo drogas tranqüilamente através de algumas comunidades. Resultado: a essa altura, pais e mães preocupados estão subindo parede de costas ao ver os filhos adolescentes colados na familiar telinha azul clara.

Mas, se posso dar um conselho a esses pais, o conselho é: sosseguem. Como o resto da internet, o Orkut é um espelho do mundo real: há de tudo lá, bom e mau, exatamente como aqui fora. Mas há duas características do Orkut que, bem utilizadas, podem transformá-lo na melhor máquina de conhecer filho jamais inventada, depois da boa e velha atenção cuidadosa. Estou falando das listas de amigos e de comunidades, a partir das quais se pode chegar a um retrato bastante fiel das companhias e gostos pessoais de cada um.

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Além de ler os perfis dos amigos, entrem nas comunidades e tentem ficar em dia com o que seus filhos têm escrito naquelas das quais participam. Vale lembrar, porém, que freqüentemente elas funcionam apenas como referência de hábitos e de preferências; nem sempre são, necessariamente, locais de encontro ou de bate-papo. A idéia geral por trás dessa aparente contradição é compor um mosaico virtual da personalidade, uma colcha de afinidades que sinaliza, para outros orkuteiros, o tipo de pessoa que se é – ou, pelo menos, que se gostaria de ser.

Eu mesma quase não participo da vida das inúmeras comunidades às quais pertenço, por exemplo, mas uma visita à minha lista revela muito a meu respeito: através delas, é possível saber que sou jornalista de tecnologia, que mantenho um blog, que tenho insônia, que esqueço tudo, torço pelo touro (nas touradas), acho software livre fundamental, nasci no dia 31 de julho, moro na Lagoa, amo o Rio, os gatos e uma certa capivara, faço foto digital e, até, que adoro o milkshake de Ovomaltine do Bob’s.

Sim, pasmem, até sobre isso existe comunidade no Orkut. Aliás, comunidades, no plural – mais especificamente oito, sendo que a mais populosa tinha, até a noite de sexta-feira, exatos 191.608 participantes. Êta milkshake popular, hein?

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Quando conheço alguém, uma das minhas primeiras providências é ver se este alguém está no Orkut. Não para saber com quem estou falando, porque isso ainda se descobre mais facilmente em pessoa, mas para cortar uma quantidade de atalhos que, na ‘vida real’, eu levaria meses para cobrir. O que lê o meu novo amigo, do que gosta, quais são seus principais interesses, como se sente em relação a coisa que considero importantes? Em geral, podem apostar: está tudo lá.

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Esta quantidade de informações pode ser uma mão na roda para aproximar pais e filhos ou, no mínimo, para deixar os pais mais conscientes do que vai pela cabeça dos filhos. Se antigamente era comum crianças e adolescentes com pouco diálogo com a família escreverem diários na esperança de que os pais os ‘descobrissem’, hoje este papel cabe aos blogs e ao Orkut.

A seleção de comunidades fala por si só; mas, para que dê seu recado, é preciso que seja vista, acompanhada e, discutida. Às vezes as comunidades funcionam como um sinal de alerta; e, quase sempre, dão ótimas dicas aos pais a respeito das atividades que os jovens gostam ou não de exercer, de quem são seus ídolos, do que admiram ou cobiçam.

O Orkut, como a internet, não é má companhia por si mesmo, nem leva ninguém para o mau caminho. Mais uma vez, vale o conselho de sempre: conversem com seus filhos, fiquem tão atentos ao que estão fazendo no computador quanto na rua e eles estarão a salvo – na medida em que é possível se estar a salvo no mundo de hoje.

Nova safra

Começam a chegar ao mercado os celulares que foram apresentados na última Telexpo. A maioria vem com câmeras digitais, mas o cálice sagrado da nova geração de aparelhos é o som. Memória de sobra, espaço para cartões e players de MP3 são padrão nos mais avançados. Todos querem um naco do bolo milionário do iPod…’



Jacqueline Costa

‘Mundo virtual sob controle’, copyright O Globo, 24/7/05

‘Mande o primeiro e-mail quem nunca usou a internet, no trabalho, para tratar de algum assunto pessoal. Seja para dar uma olhadinha num determinado site de notícias ou para repassar um e-mail com fotos do aniversário do filho. Mas há quem extrapole o bom-senso e perca hooooras procurando amigos no Orkut, olhando fotos de mulheres nuas ou até mesmo planejando as tão sonhadas férias. Como internet e correio eletrônico são ferramentas relativamente novas, ainda não existem leis que regulamentem a possibilidade ou não de as empresas monitorarem seu uso. Enquanto as regras não chegam, as organizações vêm criando as suas próprias.

Cronômetro para monitorar e-mail

Na Intelig, por exemplo, foi cortado o acesso a 150 mil sites, 99% ligados a sexo. Na Bradesco Seguros e Previdência, as regras de controle são bem claras e rígidas. Muitos sites de relacionamento — como Orkut e MSN — e de entretenimento foram bloqueados. Além disso, a companhia implantou, em seu sistema, um software de controle de acesso, cujo gerenciamento é feito por categorias de endereços, que são classificados por conteúdo e por tempo de uso. Dessa forma, sites de entretenimento ou que possam conter informações especificamente sobre pornografia e pedofilia foram desabilitados.

E mais: o envio de e-mail pessoal não chegou a ser proibido, só que a utilização é cronometrada. Segundo a empresa, ‘as regras permitem cumprir as recomendações contidas no manual de política e normas corporativas de segurança da informação do grupo, possibilitando maior segurança ao sistema, além do aumento da produtividade’.

— Quando você acessa seu e-mail pessoal, por exemplo, a cada minuto entra uma caixa dizendo que você está sendo monitorado. Aí, você é obrigado a clicar em continuar ou voltar. É chato se sentir controlado o tempo todo — diz um funcionário.

O controle do uso da internet não surgiu por acaso. Pesquisas que foram realizadas pelas empresas de segurança Cerberian e SonicWall, com mais de 2.400 americanos, mostram que 50% dos entrevistados passam mais de 10% do tempo em que estão no trabalho navegando para tratar de assuntos pessoais, o que equivale a cerca de quatro horas semanais — ou, aproximadamente, nove dias por ano.

Goiamy Filho, gerente de produto da CTT Telecon, empresa de consultoria em tecnologia da informação, em São Paulo, afirma que parte da produtividade é perdida em assuntos não pertinentes aos negócios:

— O mau uso da internet no trabalho representa um prejuízo para as empresas em torno de US$ 85 milhões ao ano, segundo dados fornecidos pela Web-sense.

Regras bem claras já na hora de contratar

Há empresas que já tratam do assunto internet no momento das contratações. É o caso da Madis Rodbel, especializada na fabricação de marcadores de tempo. O diretor, Rodrigo Machado, explica que os novos funcionários ganham um manual de boas maneiras para acessar a rede. Além disso, foram estabelecidas faixas de horários em que a utilização da internet é livre (das 7h às 8h, das 12h às 13h e após as 17h30m):

— Nós conseguimos chegar a um meio-termo, em que o funcionário não é tolhido totalmente e a empresa não passa por queda de produtividade.’



Ricardo Kobashi

‘Administração pública via Orkut’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/07/05

‘Santa Cruz do Rio Pardo é uma cidade do oeste paulista, perto de Bauru e Ourinhos. Com 42 mil habitantes, vive da agricultura e da indústria de calçados. Não é um pólo turístico, e o evento mais popular na cidade é uma corrida de boiacross. O interessante é que a pequena e pacata Santa Cruz tem uma comunidade no Orkut com 1.654 membros, quase 4% da população. É muita gente.

A comunidade virtual da cidade foi criada em julho de 2004 por um de seus moradores, Rafael Salomão Cruz. Por mérito de seu criador e da população de Santa Cruz, a comunidade não parou de crescer e os tópicos começaram a abordar de maneira direta o cotidiano da cidade. Até aí, nada de novo. Mas um dia alguém teve a idéia, meio na brincadeira, de convidar o prefeito a participar das discussões. E ele aceitou.

Adilson Mira tem 38 anos, é o prefeito da cidade e está em seu segundo mandato. Confessa não ser um usuário fanático de computadores, mas usa a internet e o e-mail com freqüência. Só recentemente descobriu que o Orkut existia. Convidado, criou seu perfil, cadastrou-se na comunidade virtual de Santa Cruz e abriu o tópico ‘Fale com o Prefeito’. Há um mês vem trocando idéias com a população sobre sua administração.

No começo, muita gente duvidou que ele fosse ele mesmo. Perfis falsos são comuns no Orkut. Passada a desconfiança, a população virtual da cidade entrou no jogo e começou a dar a sua opinião sobre as questões colocadas pelo prefeito. De lá para cá, as discussões pela internet já ajudaram a decidir sobre a mudança do local de uma pista de skate, a criação de um evento para reunir bandas de música, a reabertura do único cinema da cidade e a preparação de um espaço para um evento de motociclismo. A população quis falar e o prefeito quis ouvir. Simples assim.

Nem todas as mensagens são construtivas ou elogios à administração. Muitos moradores reclamam e alguns pegam pesado. O prefeito chegou a receber mensagens ofensivas, mas ele prefere relevar. Está gostando do canal de comunicação que foi aberto com a população e apóia a iniciativa, que não foi dele, mas dos moradores da cidade. Uma vez por semana ele responde às questões colocadas e apresenta outras para consulta. Todos parecem animados.

É muito cedo para saber no que isso vai dar ou se vai resistir às pressões do próximo período eleitoral, mas tudo indica que é pra valer. Não conheço a administração da cidade. Não sei se Adilson Mira é um bom prefeito ou se as ações de seu governo estão levando o município ao crescimento e promovendo justiça social. Mas é bem provável que sua decisão de dialogar com a população de peito aberto o torne um governante melhor.

O diálogo do prefeito com a população em um ambiente virtual, se bem conduzido, pode estabelecer uma relação de confiança entre as partes. Não devemos reduzir essa conversação a uma mera prestação de contas por parte do poder público ou a uma ouvidoria popular digital. A relação de confiança em vias de se estabelecer irá mudar a atitude tanto do governante quanto dos governados. A população passará a ver a cidade com outros olhos e a se comportar como quem divide a responsabilidade por sua administração e futuro. Ao governante será mais difícil se afastar da noção democrática do mandato, sendo constantemente lembrado à quem serve e para que serve. Benefícios do diálogo. Cá entre nós, isso raramente dá errado.

Santa Cruz do Rio Pardo está provando que para colocar a tecnologia da informação a serviço da cidadania não é necessário envolver grandes investimentos ou ter projetos mirabolantes. É uma questão de ponto de vista, acima de tudo. O que a população e seu prefeito estão fazendo é um exemplo para outros municípios e para a administração pública como um todo. Ter um cargo no executivo e dar a cara a tapa em uma comunidade virtual é muito diferente de estrelar um programa de rádio ou dar entrevistas arranjadas. Torço para que a cidade consiga levar isso adiante e que outros governantes tomem atitudes similares. Quem sabe um de nossos subprefeitos não se anima com a idéia?’