Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Villas Bôas-Corrêa

‘A proverbial e badalada facilidade com que esquecemos as doses amargas que o purgante da vida despeja na nossa goela e o contraponto da condescendência com que revemos conceitos e resgatamos a memória dos que execramos em vida explicam, em parte, a desatenção com que passou quase em branco um pequeno livro de modestas 116 páginas, editado pelos Cadernos de Comunicação, da Série Memória, da Secretaria Especial de Comunicação Social da Prefeitura carioca.

O título, no alto, em uma linha – ‘Getúlio Vargas e a imprensa’ – cutuca a curiosidade mas não chega a anunciar nada além de uma compilação de textos da época.

Quase passa em brancas nuvens, não fosse a atenção de Xico Vargas, no primoroso artigo ‘Vulgares e desonestos’, que desde a segunda-feira, dia 23 de agosto, está à disposição dos leitores de NoMínimo, no texto enxuto de um craque de seleção.

Mas sempre sobra alguma coisa para os retardatários. Pois o livro vale muito mais do que promete na simplicidade da sua apresentação. Mergulha de ponta no tema e puxa a toalha da generosa mistificação do silêncio, afinada com as vozes que destoaram da louvação dos 50 anos do suicídio do mais importante personagem da nossa história política republicana.

Sem pretensão de nítida divisão de períodos, o relacionamento de Vargas com a imprensa, suas obsessivas preocupações, o longo hiato do desinteresse abúlico, os anos dourados de censura e o retorno de 50 na crista do voto, os cuidados com tudo que se publicava sobre ele e o governo, passam pelas três fases aqui esboçadas.

Nas mais de mil páginas do seu ‘Diário’, editado pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas , com anotações de próprio punho cobrindo a larga faixa de 12 anos, entre 1930 e 1942, raras e superficiais referências citam matérias ou comentários de jornais e jornalistas. Mas, nos 13 cadernos dos diálogos com o papel em branco, Getúlio conversava com os seus botões de solitário sem amigos e confidentes.

A pesquisa da competente equipe dos Cadernos de Comunicação, no seu décimo volume, foi aos arquivos, às coleções dos jornais e revistas e catou preciosidades cobertas de poeira, com o mofo e as manchas da documentação.

Nos anos de deslumbramentos da fruição do poder, como presidente do consenso indicado pelos vitoriosos da revolução de 30, Getúlio mantêm o hábito da leitura dos jornais, mas não tem muitas razões para apoquentar-se com a boa vontade das expectativas despertadas com a varredura dos carcomidos da República Velha.

O golpe de 10 de novembro de 37, que inaugura o Estado Novo, encerrando o breve intervalo democrático da Constituição de 34 e a eleição indireta de Vargas pela Assembléia Constituinte, logo diria a que veio, sacando a máscara e instituindo a censura à imprensa.

Oficial, solene, arrogante, brutal e corruptora. De saída, a Polaca aboliu a liberdade de imprensa e de pensamento. Na linguagem rebarbativa de todas as ditaduras, com o caldo pomposo da adjetivação vazia e caduca, justificou a dissolução dos partidos, xingando a todos de ‘ameaça à unidade pátria’, que colocava em perigo ‘a existência da nação, extremando as competições e acendendo o facho da discórdia civil’.

E tome censura, inicialmente a cargo da polícia despreparada do malsinado Departamento de Ordem Política e Social, o DOP com som de surda pancada no peito.

A dois de dezembro de 1939 – uma data para não esquecer no oba-oba da amnésia -, por decreto presidencial, a ditadura modelou com requintes da repousada maturação o seu estilo estado-novista de censura, criando o Departamento de Imprensa e Propaganda, mais conhecido pela sigla sibilante de DIP, diretamente subordinado ao ditador.

Com as exceções que se contam pelos dedos de uma das mãos, os grandes jornais vergaram o cangote e acataram as ordens de quem mandava com o dedo no gatilho. Censores, muitos semi-alfabetizados, aboletados nas redações, cortavam textos, substituíam títulos, vetavam matérias. ‘O Estado de S. Paulo’ reagiu e, em março de 1940, teve a redação invadida e foi proibido de circular até a intervenção do DIP, em 5 de abril de 1940. Os intrusos para substituir os Mesquitas foram indicados pelo Conselho Nacional de Imprensa. Não há nada de novo no balaio da censura.

A máquina publicitária do DIP impunha aos jornais a publicação de matérias que chegavam prontas, com títulos e fotos e ocupavam cerca de 60% do espaço. Os mais dóceis faturavam como matéria paga ou levavam algum por fora.

Com a concorrência dos colegas do DIP encolheu o mercado de trabalho: ‘Quatro ou cinco pessoas preparavam uma edição, pois os jornais já recebiam tudo praticamente pronto da Agência Nacional’ – conta o livro supimpa.

O DIP gerou filhotes, mantidos debaixo da saia, para a censura especializada às rádios, revistas e demais publicações ou para patrocinar concursos, com prêmios em moeda sonante, aos textos de mais inventiva bajulação ao ditador risonho, com fotos obrigatórias até nos botequins da Praça Tiradentes.

Mas lá no 29 de outubro de 1945 o Estado Novo caduca e, senil, despenca. Getúlio recolhe-se ao exílio voluntário nas estâncias da família nos pampas e volta por cima na desforra do voto em 1950, como presidente legitimamente eleito, que se empossa em 31 de janeiro de l951. Até o desgaste, o escândalo da ‘Última Hora’, o vespertino de Samuel Wainer financiado pelo Banco do Brasil; o crime da rua Tonelero, o impacto do rio de lama nos porões do Palácio do Catete e o tiro que muda, retificando, o curso da História. O golpe genial do suicídio que arrancou de Carlos Lacerda o comentário de profética lucidez: ‘O suicídio de Getúlio estragou a nossa festa’.

Antes do fim, nos amargos dois anos e sete meses de grandes realizações e da implacável queda de popularidade, carimbada com a vaia no Jóquei Clube, das tribunas sociais às arquibancadas populares, o presidente acompanhou, obsessivo e infatigável, tudo que a imprensa publicava a seu respeito. Bombardeando assessores com bilhetes exigindo corretivos às informações equivocadas ou rezingando queixas e desabafos quando se considerava injustiçado.

Depõe Lourival Fontes, que saltou do DIP para a Chefia da Casa Civil no governo constitucional, que ‘não sabe como o presidente distinguia os jornais. Tinha com eles, apesar das divergências, boas relações. Mas preferia, por tradição ou como uma lembrança do passado, o Jornal do Brasil’.’



TODA MÍDIA
Nelson de Sá

‘Um suspeito’, copyright Folha de S. Paulo, 3/09/04

‘A ansiedade represada levou a notícia, vaga, à primeira manchete na Record:

– Segurança particular é preso como suspeito pelo massacre de moradores de rua.

Também no Jornal da Band:

– Segurança que age no centro de São Paulo é detido.

Nem ‘preso’ nem ‘detido’ -alguns, na cobertura on line, informavam que ele estaria tão-somente sendo ‘ouvido’.

Mas ao que parece a tensão era demais para TV e rádio.

No SPTV, ele foi apontado como ‘integrante de um grupo clandestino de seguranças, conhecido pela violência que usaria para espantar moradores de rua das portas das lojas’.

A partir dos vazamentos sem fim da Polícia Civil, seu nome seria Paulo Paulada, anunciou a CBN; foi preso, detido ou alguma outra coisa num bar; ‘moreno, forte e careca’, lembraria o retrato falado da polícia.

Mas não, era apenas mais um -o terceiro- suspeito ouvido. Pouco depois, ele saía andando sem nada que o incriminasse. A cobertura é foi um crime.

O mesmo se pode dizer de outra manchete que despontou e sumiu ontem, no mesmo caso. No destaque de diversos sites, ‘mais um morador de rua é morto’. Foi a pauladas, mas não era mendigo, soube-se depois. Era outro assassinato na zona sul, entre tantos, diários.

Estavam os sites revendo suas páginas feridas quando, à noite, surgiu outro caso, este sim de morador de rua. Mas este, sem explicação, não foi manchete. Na maioria, nem notícia foi.

No instante em que tucanos e petistas se revelam afinal menos afeitos à exploração, a cobertura em tempo real tomou o papel.

CHANCE REAL

A revista ‘The Economist’ traz na nova edição um editorial em que compara o Brasil de Lula com a Argentina de Néstor Kirchner -e aprova o primeiro, com louvor ao ministro Antônio Palocci. Sob o título ‘Para crédito de Lula’, ladeado por foto sorridente do brasileiro, faz afirmações inusitadas para o centenário bastião liberal:

– O crescimento do Brasil parece mais sustentável. Os investimentos aumentaram drasticamente. Depois de uma década difícil, há uma chance real de que o balbuciante motor econômico da América do Sul comece a roncar.

Por outro lado, uma reportagem da revista cai sobre o Estado brasileiro, descrito já a partir do título como ‘Inchado, esbanjador, rígido e injusto’. Cita propostas para conter gastos feitas pelos ministros José Dirceu e Guido Mantega, mas elogia mesmo é o governo tucano de Aécio Neves, ‘citado amplamente como um futuro presidente’.

Bem, obrigado

Duda Mendonça, o marqueteiro de Marta Suplicy, saiu do silêncio ontem em ‘O Estado de S.Paulo’, num esforço flagrante de responder à informação de que a campanha rachou.

Disse que não partiu para o ataque contra José Serra contrariado, por pressão do PT:

– Meu contato com o PT é através do Favre [marido de Marta e um dos coordenadores] e eu e ele vamos bem, obrigado.

Mais Duda Mendonça:

– A estratégia até o fim será fazer propostas o tempo inteiro, rebatendo quando necessário.

Ultimamente, ‘quando necessário’ é todo dia. Ontem, lá estava José Genoino, no programa de Marta, dizendo que o Bilhete Único não teve apoio dos vereadores do PSDB, na votação.

Apenas 1%

Do blog de Ricardo Noblat:

– Avaliação do comando do PT: os votos que abandonam Erundina e Maluf são os que empurraram Serra para 34%. Cruzados, números assustam: apenas 1% aderiram a Marta.

Juntos os três

Foi um dia inusitado para a cobertura recente da Globo -e para as propagandas eleitoral de José Serra e institucional do governo Geraldo Alckmin.

Desde a manhã, os telejornais regionais destacaram as obras do metrô tucano. SPTV, à noite:

– Começaram as obras para a construção da linha 4 do metrô.

Nos intervalos do Jornal Nacional, lá estava a publicidade do governo estadual, com ilustrações quase iguais às da Globo.

Sem esquecer as imagens de Serra nas obras da mesma linha 4, no dia anterior, no horário eleitoral. E da visita conjunta de Serra e Alckmin à mesma linha, ontem na agenda da campanha.

Mas a novidade era a Globo.

Ainda é cedo

Do JN, ontem, na série histórica que comemora seus 35 anos:

– O presidente Lula assumiu com objetivos ambiciosos: acabar com a fome, aprovar emendas e pôr o país numa posição de liderança internacional. Ainda é cedo para saber em que medida as metas serão alcançadas.’

***

‘Ruim para o Brasil’, copyright Folha de S. Paulo, 2/09/04

‘Na ‘euforia’ do dia anterior, a Globo chegou a dizer que não apenas Lula, mas toda a economia estava ‘rindo à toa’ com o crescimento.

Faltou contar para o mercado, para ele rir também. A Bolsa ‘despencou’ ontem -e um analista da Globo News disse que o motivo era o aviso de ‘ajuste’ feito pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. ‘Ajuste’ que se entendeu como elevação dos juros.

Foi o que entendeu o novo presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Ele conversou com o ministro e saiu, cercado por câmeras, num discurso que mais parecia o do antecessor, Horácio Lafer Piva. Falou contra os juros altos, em aparente cobrança:

– A gente precisa parar com as expectativas… A expectativa de aumento de juros é ruim para o Brasil.

Skaf também falou à Globo em ‘agilizar os investimentos ao máximo’, como a saída para sustentar o crescimento.

O mesmo falou José Dirceu -mas à sua moda. Em defesa da Parceria Público-Privada, o ministro sublinhou que ‘foi aprovado em São Paulo, Minas, Goiás, um projeto praticamente igual’. Três PPPs criadas por três governos tucanos.

Mas não era o bastante, para Dirceu. Ele também rebateu as críticas atacando a ‘autoridade moral’ dos tucanos, ‘depois dos escândalos da privatização’. Ele não consegue se conter.

Ainda na Globo, ontem de manhã a comentarista Míriam Leitão se esforçava por criticar a falta de ‘rapidez da máquina’ ou então a situação dos portos. Mas exalava ‘euforia’:

– Tem muita notícia boa nos números do PIB… O Ipea deve rever o crescimento anual para 4,5%. Os números são melhores do que todos esperavam.

Selecionou um:

– Um dado excelente foi o aumento da formação de capital fixo: o investimento. Mede a construção civil, a produção e importação de equipamentos, a ampliação das fábricas.

Novamente, faltou apenas contar para a Bolsa.

MALUF FEZ Marta Suplicy e José Serra, que dividem a liderança em São Paulo e se distanciam de Paulo Maluf, passaram a canibalizar as antigas bandeiras malufistas. A própria petista surgiu para anunciar a duplicação da avenida Jacu-Pêssego, ‘iniciada pelo Maluf e que está sendo concluída e ampliada por mim’. O tucano que ‘faz acontecer’, que ‘fez mais’, que ‘falou e fez’, visitou piscinão estadual e prometeu mais, ‘junto com o governador’

MUITO ALÉM DA SAÚDE

Pelo que se viu desde segunda-feira, mas sobretudo ontem, o monotema da saúde não se tornou exaustivo só para os telespectadores. Também os dois favoritos estão à cata de novos assuntos, após esgotar -com marcas novas e críticas- uma área que, nas pesquisas, nem é aquela que mais assombra os paulistanos.

José Serra, à tarde na TV, entrou em ritmo de ‘obras’, do metrô às enchentes. A adversária vinha procurando colar nele a imagem de que paralisaria obras e projetos. No rádio, sobre as obras, o tucano disse expressamente que não vai parar. À noite na TV, disse que ‘os CEUs vão continuar’, ainda que não como ‘prioridade’.

Marta Suplicy, na TV, também saiu com obras ‘como o prolongamento da radial’, ‘conjuntos habitacionais’ e até um hospital que já ‘abre em 2005’. Voltada ontem à zona leste, a prefeita prometeu para a região ‘mais nove CEUs, além de 16 CEUs Saúde’.

Avanço 1

Foi José Serra defender, um dia antes, e ontem finalmente o SPTV noticiou:

– A Polícia Federal entrou nas investigações do assassinato de moradores de rua.

Vai ajudar.

Avanço 2

Outra boa nova: o secretário estadual de Segurança, Saulo de Castro, já adotava ontem na CBN um tom mais comedido do que nos dias anteriores, ao tratar das investigações.

O problema é que houve um novo ataque a mendigos, desta vez no interior paulista.

Mais Hollywood

Enquanto a cobertura ecoava o espetáculo do governador e ator Arnold Schwarzenegger, o diretor Michael Moore escrevia ontem o seu primeiro texto para o ‘USA Today’.

Falou de si mesmo. Ironizou o ‘pobre John McCain’, dizendo que o senador estragou o seu próprio discurso ao desviar toda a atenção para ele e seu filme. Agradeceu a publicidade.

Para estragar

Moore avisou que não desistiu de voltar à convenção. Deixou no ar que pode aparecer hoje no Madison Square Garden, para o discurso de George W. Bush.’

***

‘Da euforia aos juros’, copyright Folha de S. Paulo, 1/09/04

‘Segundo o Bom Dia Brasil, ‘o presidente está rindo à toa’. E ‘os sinais de recuperação da economia deixam Lula cada vez mais otimista’.

Para ser preciso, a manchete do Jornal Nacional:

– A economia surpreende. Cresce mais que o esperado.

O ministro Luiz Furlan não demorou para surgiu nos sites, à tarde, com nova previsão. Agora fala que o crescimento no ano poderá superar 5%.

Não surpreendem, portanto, no comentário do UOL News, os ‘governistas eufóricos sobre as eleições’. Cedo ou tarde, acham eles, o crescimento vai se refletir nos eleitores.

O problema é que campanhas em São Paulo e no Rio ameaçam terminar antes da hora.

Por outro lado, se Lula anda rindo à toa, o ministro Antônio Palocci faz cara feia. Manchete do Jornal da Record:

– O PIB cresce no primeiro semestre. Palocci diz que não se pode descuidar da inflação.

No destaque do JN, o ministro falou em ‘ajuste’ -como um sinônimo de aumento nos juros do Banco Central.

O aviso já serviu, ontem, para derrubar a Bolsa. Junto com a pesquisa Ibope, deve também ter derrubado o sorriso à toa do presidente Lula.

DEPOIS DOS ATAQUES No Rio, Cesar Maia já nem esconde que pode vencer no primeiro turno, depois da pesquisa Ibope divulgada ontem no Jornal Nacional. Em São Paulo, a polarização entre José Serra, agora na frente, e Marta Suplicy ameaça com uma decisão também no primeiro turno, até porque os demais desaparecem pesquisa após pesquisa. Para arriscar um motivo para o salto de Serra, ele veio após os ataques a Marta no final da semana passada. Ataques a que Marta só foi responder anteontem. (Para registro: o JN dedicou meio bloco para explicar a margem de erro da pesquisa Ibope. E passou a mostrar os resultados com a margem -veja acima)

Para logo

Os políticos, encabeçados por José Serra, parecem estar afinal acordando para um discurso responsável sobre a chacina dos mendigos. Serra, no SPTV:

– É bom que a Polícia Federal participe, pois é um crime que tem que ser descoberto logo.

Mais um

Mas da Bahia veio a notícia, na Globo News, do espancamento de outro morador de rua.

Segundo os agressores, foi por ‘vontade de bater’.

PPP todo dia

Dia após dia, um governista sai em defesa da Parceria Público-Privada. No Bom Dia Brasil, em meio às boas novas, o ministro Guido Mantega cobrou a PPP longamente, como alternativa quase única para investimentos em infra-estrutura.

Dele, comentando o bloqueio à aprovação no Senado, imposto pela oposição:

– Eu não sei por que há tanta resistência. [A PPP] está sendo usada na Inglaterra, Portugal, Chile, em vários países.

E em vários Estados, ele não disse, governados pela oposição.

Na Fox News, um dia todo dedicado a Schwarzenegger

FRENESI HOLLYWOODIANO

Os primeiros dois dias da convenção republicana em Nova York mostraram, uma vez mais, o quanto a política americana é obcecada por Hollywood. Ontem foi a vez do ator -e governador- Arnold Schwarzenegger subir ao palco, mas não para tratar de sua carreira no cinema, segundo o ‘New York Times’. Seu tema era como a América recebe bem os imigrantes, como ele.

No dia anterior, as estrelas não foram aquelas escaladas para falar -e sim o cineasta Michael Moore, vencedor do Oscar, hostilizado por delegados na convenção mas vítima, acima de tudo, do ‘frenesi da mídia’. Ao menos foi a desculpa do ‘USA Today’, ao anunciar ontem que ele não vai mais ao Madison Square Garden para a cobertura.’



COLUNISMO SOCIAL
Silviane Neno

’24 horas por minuto’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/09/04

‘A jornalista Silviane Neno conseguiu o que muitos duvidavam: uma dupla entrevista com os colunistas Ancelmo Gois (O Globo) e Mônica Bergamo (Folha de S. Paulo). Mas não é uma simples entrevista. É Ancelmo entrevistando Mônica e vice-versa. Nela, eles falam das dificuldades e do trabalho de um colunista. A conversa foi publicada pela revista TOP Magazine, na edição que está nas bancas.

O Comunique-se traz a entrevista na íntegra. Leia abaixo:

Deu na Mônica, deu no Ancelmo. Se você ouvir isso de alguém, prepare-se: trata-se de notícia de primeiríssima qualidade e, o melhor, exclusiva. Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, e Ancelmo Góis, n’O Globo, são dois dos maiores jornalistas do país. Suas colunas diárias são uma arma a serviço da verdade. Viraram referências em conversas de quem sabe das coisas. ‘Lá na Mônica, vi no Ancelmo’, diz a voz do povo quando se trata de explicar de onde saiu a informação de primeira. Mônica, falante e irrequieta, tem 37 anos e é mãe de Ana, de apenas 3. Faz jornalismo há 18 anos, está no colunismo há quatro. Começou ainda estudante de jornalismo num jornal de Osasco, na Grande São Paulo, cobrindo política e o que mais fosse preciso. Ali já demonstrava sua inesgotável capacidade de correr atrás de tudo e de todos, de dia e de noite. Em pouquíssimo tempo, foi para a grande imprensa. Em outros termos: se Mônica não consegue extrair uma notícia, é porque ela não existe. Ancelmo, de 55 anos, é uma lenda viva emoldurada por um vasto bigode e uma generosidade infinita. Tem dois filhos – um deles, Antônio, segue a trilha do pai. Começou a carreira na Gazeta de Sergipe e fez quase tudo na profissão até explodir como um dos mais influentes caçadores de notas do Brasil: primeiro no Informe JB, depois no ‘Radar’ da Veja e, agora, n’O Globo. Seus bordões, armas para atrair simpatia e guardiões de segredos, são insuperáveis. ‘Na platéia do meu coração você está na primeira fila.’ E lá vai Ancelmo, sempre na frente. TOP Magazine propôs um desafio à dupla. Mônica entrevistaria Ancelmo, Ancelmo faria perguntas a Mônica. A conversa foi realizada por telefone, entre sorrisos e inconfidências de ambos os lados. Ela estava em pleno fechamento de edição na redação da Folha, em São Paulo. Ele driblava o tempo na sede do jornal carioca.

DE MÔNICA PARA ANCELMO

ANCELMO – Alô! Mônica, como vai você? Parabéns pelo furo de hoje (quarta-feira 7 de julho) do namoro da Marieta Severo (com o diretor de teatro Aderbal Freire Filho).

MÔNICA – É, a gente já sabia há algum tempo, mas precisávamos confirmar primeiro.

ANCELMO – Nós aqui também já sabíamos, o Aderbal confirmou, mas pediu para não dar. Você deu a notícia de um jeito bom, a Marieta deve ter gostado.

MÔNICA – Então, vamos começar pelos grandes furos? Sei que você já deu muitos, mas qual foi o maior dele?

ANCELMO – Acho que a coisa da máfia do Propinoduto (esquema de corrupção envolvendo fiscais e auditores do Rio que teriam desviado dinheiro para uma conta na Suíça). Afinal é coisa muito grande, coisa de 28 milhões de dólares que eles roubaram. A gravidez da Luma de Oliveira também foi outro furo bacana (descobriu-se, depois, que fora invenção de Luma, supostamente envolvida com um bombeiro). Na área econômica houve outro, quando o grupo Pão de Açúcar comprou o Sendas. Mas a minha coluna é bairrista, muito a cara do Rio. O Globo tem ao todo 40 colunas, então, mais do que política e econômica, ela tem de ser carioca.

MÔNICA – Como você lida com a situação de ter uma notícia na mão e não poder dar, como no caso do namoro da Marieta?

ANCELMO – É muito difícil. Você se mexe na cadeira 20 vezes, escreve, joga fora. Mas temos muito cuidado em não machucar as pessoas.

MÔNICA – Qual é o seu critério na hora de decidir: isso eu dou, isso não dou ?

ANCELMO – Quando envolve gente pública a preocupação é menor, porque um servidor público, pago por nós, tem de estar sujeito à exposição. A posição que ocupa pressupõe que ele abre mão da individualidade. Mas o critério varia de caso a caso.

MÔNICA – Como você lida com os presentes e os convites que chegam? As pessoas pensam que a gente vive numa mordomia, não é?

ANCELMO – Tenho muito medo disso. No Natal é uma fila aqui de gente querendo entregar presente. A primeira coisa que faço é não olhar quem mandou. Assim não me considero devendo a ninguém. Depois distribuo. Às vezes fico com alguma coisa que gosto. Não considero um disco um problema, por exemplo. Mas tem de ser barato. Há normas que ficaram na minha cabeça desde o tempo da Editora Abril. Posso aceitar uma gravata de um, e não aceitar uma pipoca de outro.

MÔNICA – Nossa profissão tem muitos altos e baixos. Um dia você está no Globo e no outro num lugar com menos visibilidade. Você sentiu muita diferença quando foi para o portal iG?

ANCELMO – Demais. Entrei no jornalismo pela porta da economia. Fui da Gazeta Mercantil e, quando assumi o ‘Informe JB’, o Elio (o jornalista Elio Gaspari) me perguntou: ‘Quantos amigos você tem? Respondi que achava que uns 30. Ele me disse: ‘Então, prepare-se porque com o ‘Informe’ você vai ganhar mais 200 e, quando sair, vai perder os 200 e, se não se cuidar, perde também os 30’. A gente é tão paparicado, beijado, fotografado, mas de um modo geral encarei bem a mudança.

MÔNICA – Sentiu falta do paparico?

ANCELMO – Senti falta de algumas coisas e com outras fiquei aliviado. Sempre acho que um dia não vou mais sentar nessa cadeira e não vou mais ter de falar com alguns chatos que sou obrigado a falar sempre para conseguir aquela nota.

MÔNICA – Qual é o maior mico na vida de um colunista: Comandatuba (encontro anual de empresários promovido por João Dória Júnior) ou o camarote da Brahma?

ANCELMO – Camarote da Brahma, não, porque gosto de ver o Carnaval. Comandatuba foi o maior mico até agora. Eu me senti fora do meu ninho. Pensei que essa turma não é a minha e fugi no meio. Muita gente chata! Descobri que mulher de rico também é muito chata.

MÔNICA – O que você mais gosta no Rio?

ANCELMO – O Rio é a cidade mais generosa do universo. A única grande cidade que não tem bairro chinês. E aqui moram mais de 3 mil famílias chinesas e estão todas espalhadas. Sou apaixonado por esta mistura. O Rio é uma grande salada.

MÔNICA – E de São Paulo? Do que você mais gosta?

ANCELMO – Das pessoas. Tenho grandes amigos em São Paulo: o Roberto Benevides, o Elio, a Dorrit Harazim. Mexo com a rivalidade entre Rio e São Paulo, mas é tudo mentirinha.

MÔNICA – É, só não gosto quando você dá furo de São Paulo. Por falar nisso, quantos telefonemas você dá por dia?

ANCELMO – Depende. Uns dias mais, outros menos. Mas às sextas-feiras chego a dar mais de 100 telefonemas.

DE ANCELMO PARA MÔNICA

ANCELMO – Agora é a minha vez, Mônica. Vamos lá: que tipo de notas você mais gosta de dar?

MÔNICA – Gosto de furo político. Um com bastante repercussão foi o que revelou que o Lalau (Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do TRT-SP acusado de corrupção e roubalheira) iria se entregar. Outro furo da coluna foi o anúncio de que o Lula convidaria o Gilberto Gil para ser ministro da Cultura.

ANCELMO – Adorei quando você falou do namorado da embaixadora (Donna Hrinak, embaixadora dos EUA no Brasil, foi fotografada pela coluna ao lado do namorado brasileiro Raul Revkolevsky aos beijos no cinema).

MÔNICA – Pois é, esse tipo de notícia repercute mais do que se fizesse uma entrevista séria com ela, tratando de relações internacionais.

ANCELMO – Você mudou a cara de uma coluna que, antes, tinha mais o jeito de revista de celebridades. Foi cobrada por isso?

MÔNICA – A cobrança veio mais da turma que perdeu espaço. Mas o jornal ficou satisfeito.

ANCELMO – E você, se questionou?

MÔNICA – Acho que nasci para isso. Mas sinto falta de ter mais tempo para ir fundo em alguns assuntos que, às vezes, tenho nas mãos e poderiam render dez páginas de matéria. Não tenho mais como fazer isso. Ser colunista parece ser algo definitivo. Lilian Witte Fibe disse certa vez que se ela resolvesse sair do Jornal Nacional nunca iriam dizer que ela quis sair, e sim que foi demitida. Será que vou conseguir sair numa boa um dia, também? Será que vão esquecer que faço outras coisas?

ANCELMO – As pessoas acham que vida de colunista é mole. Quantas horas você trabalha por dia?

MÔNICA – Chego ao jornal às 10 horas. Fecho a coluna a 1 da tarde e saio para almoçar, geralmente, com uma fonte. Na verdade nem como direito, porque fico prestando atenção na pessoa. Volto para a redação e fico pendurada no telefone até as 20 horas.

ANCELMO – E depois disso você desliga?

MÔNICA – Não, nunca. Um dia, por exemplo, conversando com meu pai, ele me contou que foi a um cassino em Camboriú. Disse que o Ivo Noal era o dono do cassino. Deu primeira página. Notícia não tem hora. Você está em casa e, de repente, seu pai faz um comentário que é uma bomba.

ANCELMO – Muita gente liga pedindo notinha para você? Não é chato?

MÔNICA – A nota muito boa nunca caiu no meu colo. A do Lalau, por exemplo, veio de um amigo do advogado dele, com quem eu já tinha almoçado mais de cinco vezes.

ANCELMO – Na sua coluna de domingo você tem feito sociologia. Aquela sobre a mulher do Maluf parecia um tratado sobre a subserviência feminina no casamento. Como surgiu essa fórmula diferente para a coluna de domingo?

MÔNICA – Os leitores pediam e os editores do caderno ‘Ilustrada’ também. Pensamos em várias formas, e não vinha nada novo. Até que surgiu a primeira coluna mostrando um dia inteiro com a Marta Suplicy. Foi um sucesso. Quando a personagem foi a Maria Bethânia, passei dois dias e meio a seguindo, porque Bethânia é um pouco fechada. Não precisava perguntar para ninguém sobre ela. Só olhei e contei o que vi. Esse tipo de matéria é muito reveladora, mostra a pessoa como ela é. No caso da Sílvia Maluf, muitos leitores escreveram colocando-a abaixo de zero, mas ela gostou. Disse que fui imparcial. Então, se você acha que aquilo é um horror, não interessa. É aquilo.

ANCELMO – Você faz a fotografia da pessoa.

MÔNICA – Isso…

ANCELMO – Que coisa boa essa conversa, Mônica!

MÔNICA – Vê se não vai dar nenhum furo amanhã, hein??

ANCELMO (seguindo seu próprio estilo, despede-se com um bordão de improviso): ‘Com Mônica em campo não tem placar em branco’.

Fonte: TOP Magazine’