Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Liberdade de imprensa no Brasil continua sob constantes e graves ameaças

(Foto: Divulgação)


Ataques contra jornalistas e tentativas de cerceamento da liberdade de expressão não são novidade. O problema é a falta de medidas efetivas do Estado para garantir e fazer cumprir os direitos dos profissionais e de seus veículos. O assunto fica ainda mais sério quando o aparelhamento do governo é utilizado para intensificar os abusos.
Na Classificação Mundial de Liberdade de Imprensa deste ano de 2019, o Brasil ocupa a 105ª posição, três abaixo em relação a 2018. O ranking é resultado de uma pesquisa realizada desde 2013 pela organização Repórteres Sem Fronteiras. Alguns exemplos aconteceram recentemente.
No dia 18 de setembro, a revista digital Azmina publicou uma reportagem sobre aborto seguro, baseada em informações públicas e recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde). “Como é feito um aborto seguro?” ainda mencionava o fato de a prática ser crime no Brasil, com exceção de três situações. As redes sociais do veículo foram atacadas por grupos antiaborto e personalidades da política, como a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.
Outra situação foi a do Intercept, meio jornalístico internacional que sofreu ataques, especialmente direcionados ao jornalista Glenn Greenwald, por conta da série de publicações da Vaza Jato. A investigação foi baseada em mensagens que demonstravam as irregularidades ocorridas durante a Operação Lava Jato, com personagens como Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
A jornalista Bianca Vasconcelos, que atualmente trabalha na TV Brasil, relatou uma situação vivida no período em que atuava na TV Record: “Já tive algumas (censuras). Não foram muitas, mas tive. Lá para trás, quando eu trabalhava na Record, com Boris Casoy, a gente estava investigando o Banestado, lavagem de dinheiro etc. A gente estava chegando perto de políticos que estavam no poder na ocasião. O Ministro da Justiça ligou para o Boris e falou assim: ‘Para com esse caso’. Era o Márcio Thomaz Bastos, do governo Lula. O Boris continuou, mas chegou uma hora que não deu. Na época, a Caixa Econômica Federal patrocinava a Record. O Boris se patrocinava, mas a ameaça era: se esse cara continuar falando aí, a gente vai tirar o patrocínio da TV. Logo depois, o Boris rescindiu o contrato, saiu, e a equipe que trabalhava com ele, incluindo eu, saiu na sequência. Essa é uma censura e eu estava exatamente no caso”.
O jornalista José Arbex Júnior, que marcou presença em veículos como a Folha de S.Paulo, o Brasil de Fato e a Caros Amigos, não acredita ter sofrido censura na sua carreira. Contudo, contou que em um texto escrito sobre o cenário do Haiti, teve uma parte que considerava extremamente importante cortada por Octávio Frias de Oliveira, fundador da Folha. A justificativa foi não achar que seria interessante para o leitor. “Pode chamar isso de censura? Mais ou menos”.
Também comentou que, na época em que trabalhava em Moscou, ficava preocupado com o que escrevia por ser tempo de uma ditadura “lascada”. “Tentaram uma vez me encostar na parede. Não é que eu deixava de escrever o que eu tinha que escrever. Isso nunca. Mas eu maneirei, vamos dizer assim. Ao invés de apresentar de uma forma direta, ao invés de eu falar a parede é branca, eu falava a parede não é vermelha, não é cinza, não é azul, não é verde… E o leitor que iria concluir que a parede era branca”.
Afirmou que os veículos tradicionais, hoje, no Brasil, incentivam a autocensura. “Inclusive, você tem normas. Na Folha, por exemplo, determinam que você jamais escreva uma ocupação de terra do MST como ocupação, exigem que escreva invasão. No Estadão e outros órgãos da imprensa também”.
Outro agravante recente é o das redes sociais. Ao invés de atacar os veículos, os agressores costumam perseguir os jornalistas em suas contas pessoais, não separando a questão profissional da pessoal. Ameaças contra eles e contra suas famílias têm o intuito de intimidar, incentivando a autocensura. A impunidade e a falta de investigações eficazes perpetua o problema, já histórico no país.
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Natasha Meneguelli é estudante de jornalismo da PUC-SP e colaboradora do jornal Contraponto e da revista Fala!Universidades.