Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O show da vida

O Brasil inteiro está acompanhado semana após semana a saga do ex-jogador Ronaldo – Fenômeno – para emagrecer e do jogador Adriano – o imperador –, que ainda tenta se recuperar de uma lesão no tendão de Aquiles. As histórias, apesar de parecerem opostas, caminham de mãos dadas. Ronaldo sempre foi um obstinado, além de ser um jogador de talentoso. Parece que foi talhado para vencer os grandes desafios e sua redenção foi a Copa do Japão e Coreia em 2002, onde se tornou o maior artilheiro em Copas do Mundo. Conseguiu recuperar a imagem e a credibilidade após a derrota na final da Copa de 98, quando sofreu um ataque epilético antes do jogo, e das graves lesões nos joelhos. Com o fim da vitoriosa carreira de jogador, Ronaldo abriu uma empresa de marketing esportivo que agencia e cuida da carreira de atletas de ponta e tem em sua carteira de clientes nomes de peso como o jogador Neymar e o lutador Anderson Silva. Seu prestígio e sua fama lhe concederam o cargo de presidente do COL (Comitê Organizador Local).

Na outra ponta da história temos Adriano. O jogador foi revelado pelo Flamengo, logo em seguida se transferiu para o futebol italiano e por lá fez fama e fortuna. Passou a atuar pela Inter de Milão e ganhou da imprensa italiana o apelido de imperador. Adriano, um jogador forte com um impressionante faro para fazer gol, acabou convocado para disputar a Copa de 2006 na Alemanha. Suas apresentações antológicas contra a Argentina na Copa América e na Copa das Confederações transformaram o imperador em um dos maiores carrascos do maior adversário da seleção brasileira.

Função básica

Nos últimos tempos os dois jogadores têm tido bastante destaque na mídia. Além, de ser presidente do COL, Ronaldo faz parte de uma espécie de reality show apresentado todos os domingos onde temos visto o ex-jogador lutando contra o excesso de peso em pleno horário nobre. Já Adriano vira e mexe está envolvido em algum imbróglio. Ronaldo, mesmo expondo o tempo todo a sua vida, reclama de falta privacidade, diz que a imprensa é invasiva e não respeita os limites. Assim que começou a carreira no Cruzeiro, o craque, ainda jovem, teve um encontro com Tostão, o maior ídolo do clube mineiro, e foi aconselhado a tentar preservar sua intimidade, mas o então jogador nunca teve habilidade suficiente para separar a vida pública da privada.

Uma grande parte da imprensa está acostumada a trabalhar com os estereótipos, tipificar e rotular. Adriano e Ronaldo estão no mesmo patamar e a relação entre eles e a mídia é retroalimentar. Esse é o jogo de uma imprensa que abre mão da informação de qualidade por uma informação sem aprofundamento, o que é característico da indústria cultural. Só que enquanto Ronaldo transforma em números a sua exposição, Adriano denuncia que as coisas não caminham tão bem quanto parece. Todas as vezes que foi cobrado pela sua falta de compromisso, o imperador se diz pressionado, não sabe se irá voltar a jogar futebol, mas sempre recua na hora de definir. Já o Fenômeno resolveu mostrar-se mais uma vez um olimpiano na tentativa de superar todas as agruras para conseguir entrar em forma, e assim representar o Brasil na Copa de 2014.

O que ambos parecem não perceber é o massacre a que se submetem. Constata-se que existe uma real dificuldade em aceitar o fim de suas prósperas carreiras, por isso a busca é frenética para se manterem em evidência. A relação de troca entre o real e a ficção é minuciosamente calculada pela mídia. Ao excluir a dimensão de referência, acaba-se por excluir elementos que são inerentes à condição humana, como se não existisse o sofrimento ou a frustração. Em um mundo encantado como esse, a fascinação é o resultado da aniquilação e da implosão do sentido.

A pretensão não é mais informar, mas de fazer da informação algo puro e vazio. Adriano e Ronaldo, Pelé e Garrincha, os personagens podem mudar de nome, mas na verdade atendem ao mesmo propósito. Enquanto isso, se continuam seguindo sem discutir as questões que são relevantes para o esporte e o jornalismo a cada dia perde a sua função básica e primordial, como prestador de serviço.

***

[Thiago Corrêa Silva é estudante de Jornalismo, Rio de Janeiro, RJ]