Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo, cada vez mais, uma profissão das mulheres

Os ícones do jornalismo brasileiro ainda são, em sua grande maioria, homens. De Hipólito da Costa, passando por Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Assis Chateaubriand, Samuel Wainer e, mais recentemente, Joelmir Beting, Carlos Heitor Cony e Joel da Silveira, dentre tantos outros, quase todos os referenciais ainda são masculinos.

Há muito, contudo, a profissão de jornalista foi, como dizem os técnicos, feminizada. Em bom português, significa dizer que há mais mulheres do que homens trabalhando na coleta, tratamento e disseminação de informações – seja nas redações tradicionais, seja nas estruturas de comunicação institucional, o que eu denomino jornalistas das fontes.

“Sem falsa modéstia, eles perceberam em pouco tempo nossa perspicácia, determinação e disciplina” escreveu, em 2000, a então chefe de Redação da revista IstoÉ em Brasília, Sonia Filgueiras, em um depoimento publicado no livro Elas fazem a Notícia, editado pelo Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, com apoio da Unesco e da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ). A publicação foi coordenada pelos jornalistas Edgard Tavares, Romário Schettino, Miguel Ribeiro e pelo autor deste artigo.

Comunicação institucional

A presença feminina nas redações e assessorias de imprensa vem num crescendo histórico importante. Ao longo dos 19 anos (1986-2004) pesquisados para minha tese de doutorado, a participação média dos jornalistas do sexo masculino foi de 58% dos empregos. Mas o mercado de trabalho experimentou um claro processo de feminização.

Se em 1986, pelos dados do Ministério do Trabalho, elas representavam 35,24% da categoria – ou seja, para, aproximadamente seis homens jornalistas existiam pouco mais de três mulheres –, em 2004 elas conseguiram superar as estatísticas masculinas: 52,49% de mulheres comandavam a notícia no Brasil.

Em 2007, último dado de que disponho, o gênero, demonstrando a crescente presença nas redações, já representava 53,49%. Dessa forma, o plantel praticamente dobrou desde o início da década de 1980.

Ao contrário do que muita gente pensa, as mídias eletrônicas, TV e rádio, são percentualmente as que menos empregam mulheres. Apesar da visibilidade televisiva e da linha estética das redes de televisão brasileira, que priorizam a beleza e a juventude, o segmento ainda é um reduto masculino. No rádio e na TV as mulheres jornalistas apresentam, a partir de 2000, queda no espaço ocupado. Entretanto, aí também já se percebe uma mudança permanente. Em 2004, as mulheres representavam 39,23% e, em 2007, 42,25%. Não tenho os dados de 2012, mas não seria surpresa se o quadro já tiver se invertido.

É na imprensa escrita, que existe um maior equilíbrio de gêneros nas redações. E nesse setor estaria ocorrendo um processo inverso, ou seja, a masculinização das redações. Pelos dados oficiais, em 2004, as jornalistas ocupavam quase a metade do plantel: 46,89%. Três anos depois, a presença delas havia se reduzido para 45,44%.

A maior presença feminina acontece no ramo das assessorias de imprensa e da comunicação institucional, os quais são responsáveis pela contratação de seis entre cada dez jornalistas no Brasil. Em 1986, elas representavam 38,96% dos profissionais contratados por este segmento. Em 2004, já eram absoluta maioria, 58,42% – mas aí a estabilização é mais visível: em 2007, elas representavam 58,82%.

Salário menor

Uma maior presença feminina no segmento de jornalistas das fontes pode ser atribuída ao perfil dos empregos. Tradicionalmente, neste segmento há uma rotina de trabalho mais adequada às normas trabalhistas, tais como jornada de trabalho regular, inexistência de plantões em fins de semana e feriados, horários de trabalho em períodos diurnos e sem extensão da jornada – os chamados “pescoções”, conforme o jargão profissional. Para a mulher, que normalmente tem uma dupla jornada de trabalho – casa e emprego – são condições mais favoráveis do que a turbulência das redações.

Independente dos motivos que levam uma maior presença das mulheres no segmento de comunicação institucional, os dados nos levam a concluir que a tendência de feminização do jornalismo brasileiro é fortemente impulsionada pelas estruturas de comunicação existentes fora das redações tradicionais.

Todos esses dados alcançam no máximo o ano de 2007. Passados oito anos, certamente os percentuais já são outros, mas dificilmente foi revertido o processo de feminização da profissão. Estudos acadêmicos e científicos buscam identificar se o majoritário olhar feminino sobre os fatos alterou o perfil informativo. Para Sônia Filgueiras, as mulheres abriram espaço em decorrência do perfil de curiosidade e do perfeccionismo ao produzir o jornalismo. Na mesma publicação do Sindicato dos Jornalistas, ressaltou-se que a opinião pública considera a mulher mais confiável e honesta, firme e responsável.

Os motivos podem ser muitos, inclusive até o salarial, pois pesquisas demonstram que o salário feminino no meio jornalístico é menor do que o masculino, o que revela que se as mulheres conseguiram espaço no setor, não conseguiram, de todo, eliminar as discriminações entre gêneros. Mas o certo é que hoje, como salientou Sônia Filgueiras, “estamos próximos de um equilíbrio saudável, civilizado, entre homens e mulheres” na busca da notícia.

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Chico Sant’Anna é jornalista