Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Culturas como ‘pharmakon’ para o preconceito na mídia

A farsa e a falácia apresentadas nos meios de comunicação, nos últimos tempos, pelos grupos que se dizem contra questões relacionadas aos direitos humanos (união estável entre pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, cotas raciais, diminuição da maioridade penal) são posições políticas reacionárias que parecem fortalecidas pelo preconceito, a falta de pluralidade nos meios de comunicação e a má qualidade da educação no Brasil, cujas instituições negam a crítica, o debate e a formação humanitária plural.

Tem-se, na atualidade, uma das mais selvagens doenças acometidas à sociedade: o preconceito. Este malefício tira a dignidade e qualidade da vida humana. Esta doença consiste em algo anormal e maléfico que debilita o sujeito, deixando-o sob a tutela da ignorância e das falácias oportunistas. Tal ignorância é instrumentalizada por discursos anacrônicos, fomentadores de ódio e mais preconceitos. Por sua vez, a força da ignorância está na opinião antidemocrática, no mero contentamento das sombras (alegoria da caverna), das respostas prontas e opiniões pré-formatadas ou mal formatadas pelos sistemas de educação e meios de comunicação, cada vez mais alienados do projeto humanitário. Negam-se os temas democráticos, os direitos humanos a partir da instrumentalização da comunicação, por estratégias obscuras para satisfazer os nódulos da miséria e da ignorância que assolam o país há tempos.

Canais de TV tornam-se verdadeiros púlpitos anacrônicos contra a diversidade em que ministros religiosos apresentam suas ideias/valores como verdades objetivas, agravando cada vez mais a doença do preconceito. Nas escolas, tem-se a negação da liberdade e da criatividade, valores fundamentalistas tornam-se verdades absolutas, salas de aula parecem mais igrejas que escolas, professores comportam-se como sectários religiosos e bibliotecas tornam-se espaço para cultos evangélicos.

Novos paradigmas

No ensino superior, as teorias críticas (filosóficas e sociais) são rarefeitas em meros “eu acho” e a turma reacionária procura se filiar a teorias mais ou menos de autoajuda para fortalecer seus preconceitos amplamente divulgados pelos padres, pastores e outros mais sobre os direitos humanos, igualdade e justiça social. As ideias do Estado laico e plural estão cada vez mais distantes tanto nos meios de comunicação como nas instituições. O que se percebe é a negação da negação, o uso político das anomalias antidemocráticas e a instrumentalização da polêmica sobre os temas: união estável entre pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, cotas raciais e diminuição da maioridade penal.

Sobra o oportunismo, tem-se o vergonhoso apelo sensacionalista nos programas da tarde/noite, a concentração dos meios de produção de cultura e a venda no mercado simbólico das velhas formas de dominar as minorias em folhetins grotescos. Falta o debate, a crítica, a educação e as culturas em suas formas mais diversificadas, versão pungente e relativa de vivacidade das manifestações culturais com seus valores plurais, diversos, tolerantes e atuais nas interfaces das escolas, das praças e das casas.

As culturas ligam os seres humanos a si e à sua realidade, dando dignificado ao termo “ser humano”. Assim, a vida cultural leva à humanidade, à excelência da sabedoria e à autorrealização, proporcionando desse modo encontrar a felicidade completa e, como diria Vitor Frankl, “a essência da existência humana se encontra na própria autotranscendência”. Nesse turno, os valores tradicionais são julgados e se produz uma crise de gerações. Então, o sujeito se autointerpreta criando novos paradigmas: direitos humanos, democracia, solidariedade, paz e autorrealização.

Política preconceituosa

Fazer cultura, viver suas manifestações (ethos, linguagem, símbolo, sociedade) é libertar-se do objeto, é tornar-se sujeito e responder acertadamente sobre o fenômeno humano em suas diversificadas manifestações. Desse modo a reflexão, o debate e a crítica são importantes na busca da humanidade, respeitando as diferenças, relativizando valores e encontrando a universalidade necessária para a dignidade das pessoas, independente do credo, da condição sexual e da forma de compreender e viver no mundo.

As culturas em suas pluralidades são um bom remédio para o declínio considerável dos meios de comunicação. Pois elas trazem a dignidade da vida humana, seu caráter de ânimo cujo desdobramento transcende de sentido às coisas, de ser um ser cultural. Nas culturas a humanidade sobrevive e se reconhece, interrogar-se para criar um discurso racional de si mesmo como consciência doadora originária para sustentar valores universais que ultrapassam os preconceitos, as hipocrisias e moralismos oportunistas.

Cabe, por fim, à luta pela democratização dos meios de comunicação a democratização do acesso aos bens culturais, ao desenvolvimento da crítica e das estruturalização das manifestações culturais. Remédio? Sim! Melhor que o veneno dado nos últimos tempos para povo brasileiro em forma de valores e moralidades instrumentalizadas para uma política opressora e preconceituosa.

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Moisés dos Santos Viana é jornalista e professor universitário