Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os dias contados do jornalismo chapa-branca

Não há mais como o governo tapar o sol com a peneira: a crise política brasileira se aprofunda cada vez mais e a mídia brasileira, quanto menos olha para as demandas sociais latentes ou reprimidas, mais se aproxima da surdez governamental. Basta ver a primeira página dos jornais impressos e virtuais para essa realidade se realçar. Foi necessário um protesto violento de muitos usuários do pontilhão de Santa Catarina, que liga Florianópolis a Vila Velha, para o país tomar conhecimento de um eterno e crescente pedágio que nada resolve, inclusive não tapa nem os buracos da ponte.

O aprofundamento da democracia brasileira está acontecendo a duras penas, aos solavancos e, uma pena, a contribuição do jornalismo tem sido muito aquém da realidade social do país, com as raras exceção de sempre, nas quais se inclui este Observatório da Imprensa.

Na hora em que as redes sociais se impõem com um oceano de informações, muitas das quais deturpadas, para não dizer desqualificadas, a ação da nossa categoria tem deixado muito a desejar e, a não ser por iniciativas isoladas, bem poucas correções são feitas. Para se ter uma melhor noção disso, basta anotar essa: no Facebook difundiu-se como grande feito o fim do analfabetismo – e um aumento social de renda – como se a marca da existência de 23 milhões de analfabetos ocultasse a inescondível existência de 30 milhões de analfabetos funcionais – aqueles que aprenderam a ler e a escrever o nome mas cuja falta de exercício contínuo os devolveram à condição anterior.

Mais perigoso do que escrever é saber ler

O mínimo que o jornalismo deveria questionar era a origem dessa estatística. O fim do analfabetismo, segundo quem? Como: a inclusão de milhões de pessoas na classe média, segundo quem? Pergunta-se: desde quando a inclusão de uma família no Bolsa Família significa a inclusão dela na classe média?

A presidenta da República, Dilma Rousseff, insiste na luta em acabar com a miséria. Essa missão começou no Brasil com Josué de Castro, em Geografia da Fome, (1956). Mas em tempo algum saiu uma só linha na imprensa nacional na última década sobre a luta histórica desse sociólogo brasileiro que escreveu um livro paradigmático sobre a miséria no Brasil.

Em outra época, o jornalismo brasileiro parecia à frente do seu tempo. Hoje estamos correndo o risco de ter que escrever para as futuras gerações tudo que ocorreu no passado já que não somos capazes de acompanhar o que ocorre no presente. Percebemos tardiamente os motivos que nos levaram a ser um país que não gosta de ler, muito menos jornais onde não vemos as noticias que nos interessa hoje. E assim obtemos a explicação para a nossa baixíssima tiragem dos jornais.

No Brasil, mais perigoso do que escrever é saber ler. Quem sabe ler está a um passo de aprender a pensar. Quem pensa, escolhe.

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Reinaldo Cabral é jornalista e escritor