Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os equívocos que levaram ao fechamento do jornal

A imprensa brasileira perdeu mais um jornal impresso no dia 24 de julho de 2013, quando circulou a última edição do jornal Mais, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. Foram 1.444 edições publicadas na capital paulista e participei de 17 delas, trabalhando na redação até o seu final e lá pude perceber o porquê da falência do jornal, a falta de estratégia do Grupo Lance! e o uso da velha desculpa de colocar em outros fatores a responsabilidade que pertence a si.

O objetivo do Mais era ser um veículo que comunicasse com a classe mais baixa da sociedade – que soa diferente se usadas as letras C e D. Não é por ser um classe de nível inferior que o produto entregue seja necessariamente baixo. A ânsia de usar manchetes apelativas e abordagens polêmicas de matérias onde não há espaço para tanto, é uma fórmula jornalística errada; e mesmo que isso for aplicado, deve pelo menos ser eficiente. O que o jornal não conseguiu.

O Mais foi criado dentro do seguinte princípio: se as grandes cidades do mundo têm fortes jornais populares – o Rio tem o Meia Hora –, por que São Paulo não pode ter um desses? Sim, mas é necessário qualidade para que o projeto vigore, e não apenas imprimir um diário e colocar à venda. Uma das razões do fechamento do Mais é a redução de custos. Não que o jornal não desse lucro ao Grupo Lance!, porém a decisão foi de encerrar as atividades para concentrar esforços – principalmente – nas plataformas digitais. Também a fatídica ladainha de que há restrição para o jornal impresso foi usada. Contudo, não tem segredo: só vai vender bem o jornal que apresentar coisas interessantes ao leitor.

Pragmatismo sempre vencia

É inegável desconsiderar o impacto da internet na propagação das informações de uma maneira mais inovadora e dinâmica. Contudo não há como negar que o jornal impresso tem seu espaço, basta entendê-lo qual. Quem diz que as pessoas não leem mais material impresso precisa rever esse conceito. Logo, para atingir o tal público, não é suficiente somente um preço acessível (e pensar no lucro), mas pensar no conteúdo que vem atrelado. Utilizar o artifício das “notícias bombásticas” e as manchetes sem consistência é subestimar o leitor. Por que associar o público popular com um material de gosto duvidoso?

O jornal dependia da cabeça de um único editor. Lógico, alguém precisa ser responsável pela publicação. O problema é que a estratégia tomada para o jornal era de sobremaneira inflexível, por mais que se pregava a criatividade e sugestões de pauta. A estrutura da linha editorial tinha uma fragilidade latente, preocupada com as questões polêmicas e chamativas. Fora que não havia reportagem de campo. A redação dependia do que outros veículos publicavam. Imagina um jornal impresso que era condicionado ao que sites de notícias veiculavam no dia anterior? A tática do “crtl-c/crtl-v” era comum, não literalmente, mas na reprodução de matérias. Reportagens de programas televisivos, como Cidade Alerta e Brasil Urgente eram usadas no caderno Cidades. Será que a classe C e D não assistem a esses programas? Ou não tem acesso à internet?

No setor do caderno de Esportes, no qual eu trabalhei, era mais grave a produção das notícias. Isso porque tudo o que era publicado deveria vir do site do Lance!, o Lancenet. Assim o espaço para escrever algo diferente era extremamente escasso. A orientação dada era de não fugir do que estava ali publicado no Lancenet. E também não havia a possibilidade de ousar e ser criativo, visto que o pragmatismo do editor sempre vencia, pois o diálogo era pouco – e quando existia só um lado prevalecia.

A má estratégia planejada

O resultado, de um jornal que fechava às 18h30, eram edições sem personalidade. O Grupo Lance! pode ser considerado um sobrevivente. Deixou para trás a tradicional Gazeta Esportiva, forçou a revista Placar a retornar a ser semanal (antes de encerrar as atividades momentaneamente e voltar a ser mensal) e viu desaparecer o péssimo jornal Marca. Agora a baixa vem de dentro, por erros próprios (não adianta por a culpa em causas externas).

O Mais teria melhor proveito se funcionasse como um experimento do Grupo Lance!, devido à logística que possui. Um jornal para garimpar novos talentos em todas as áreas de produção de um diário. Contudo a confusão de caminhos traçados e a fraca comunicação entre os envolvidos (diretoria, editor, jornalistas e leitores) levou ao final previsível pela má estratégia planejada.

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João da Paz é jornalista, São Paulo, SP