Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O desperdício de recursos públicos no Estado democrático

O comportamento da mídia brasileira, em geral, e do Congresso em particular, mais de um mês depois dos protestos de junho, com as raras exceções de sempre, oscila entre a indiferença e a surdez. Bem poucos foram os momentos em que a mídia brasileira se debruçou com seriedade e profundidade sobre questões levantadas nas ruas.

É preciso reconhecer, sob esse aspecto, que o jornalismo do programa Bom dia Brasil, da TV Globo, marcou um tento ao apresentar a partir de segunda-feira (12/8) uma série sobre o desperdício de recursos públicos com obras mal planejadas, inacabadas, abandonadas, sem fiscalização e com a impunidade e sem fiscalização de agentes públicos.

O longo período de censura política vivenciado pelos meios de comunicação durante a ditadura militar anestesiou de tal forma a mídia brasileira a ponto de ter-se perdido o hábito do questionamento.

Perplexidade e amadorismo

Quem poderia supor que a redemocratização dos meios de comunicação, para alcançar sua plenitude, fosse exigir tantos exercícios de toda a sociedade, dos produtores aos consumidores de informações? O Congresso, de um modo geral, e a mídia brasileira, em particular, espantam-se ainda hoje com as manifestações e as legitimam. Mas, ao não desenvolverem os temas transmitidos fingem não ouvi-los, não entendê-los. E nada parece tão claro o que os protestos das ruas em junho como os de hoje: milhares de pessoas pedem melhorias e menores preços nas passagens dos transportes públicos, mais segurança, educação, saúde, e reclamavam como reclamam contra o desinteresse dos políticos na busca de solução para os problemas da sociedade.

Qual a reação do Congresso? Quase nenhuma. E do governo? Tergiversou com uma proposta para encher linguiça: a realização de um plebiscito, logo rejeitada pelo congresso; e a criação de um programa, Mais Médicos, igualmente detonado pelos médicos e inviabilizado pelo congresso mas que, com baixa adesão será tocado precariamente.

E o que fez a mídia? Fora a cobertura do crescimento da criminalidade em todo o país, com a notória difusão das estatísticas das autoridades da área de segurança, a mídia continuou com pautas quase sempre dissociadas das exigências da sociedade.

Sonolência interrompida

Só na segunda-feira, 12/8, a Rede Globo “acordou” para a existência de milhões de reais desperdiçados, nos últimos 20 anos, com obras mal planejadas, inacabadas, mal feitas, prontas e não entregues, não fiscalizadas, que vão de aeroportos a rodovias, passando por escolas, hospitais, transportes coletivos – tudo que o povo reivindica.

A irritabilidade popular com a surdez do Congresso e governamental fermentou e aumentou mais e mais de junho para cá. Com esse comportamento, a turma do “quanto pior melhor”, os mascarados, compostos por anarquistas, bandidos, oportunistas de direita e esquerda, foram municiados para voltar às ruas com novos protestos. Nem o mínimo os políticos fizeram: descer às próprias bases para ouvi-las e fixar regras para as manifestações como locais, ruas, avenidas, rodovias, horários e dias.

Para se perceber a vantagem disso basta perguntar: qual a vantagem para a população, a para o próprio movimento, com a depredação de prédios públicos? Qual a vantagem do bloqueio de estradas, da liberdade de ir e vir? Será que a população não sabe que os prédios públicos são construídos com os recursos oriundos dos impostos pagos pelos contribuintes? Será que os veículos e ambulâncias proibidos de circular pelos bloqueios de rodovias não estariam conduzindo pessoas cujos parentes poderiam estar nas manifestações?

Uma quantidade inimaginável de recursos públicos foi desperdiçada pelo regime ditatorial na construção de obras fantasiosas como a Transamazônica. O período da redemocratização parece não ter ainda permitido o surgimento no país de administradores e políticos sérios, competentes e responsáveis: com a aprovação na terça-feira (13/8) do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a liberar as emendas parlamentares, com a fixação de um teto de R$ 10 milhões no orçamento para cada um parlamentar usar nas suas emendas, já se pode imaginar o tamanho da bagaceira pela frente.

Essa decisão mostrou que o governo é minoritário no Congresso, onde só teve 28 votos, sendo derrotado por 378 votos. Se os órgãos que deveriam fiscalizar não cumprem suas funções, por que pelo menos a mídia não investiga e divulga os resultados da aplicação desses recursos?

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Reinaldo Cabral é jornalista e escritor