Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como o Brasil criou um tipo como o “rei do camarote”

A edição da Veja São Paulo do penúltimo fim de semana talvez tenha alcançado um número recorde de leitores e de acessos à sua versão online graças a um tipo que hoje é conhecido no Brasil inteiro como “rei do camarote”. O empresário Alexander de Almeida, de 39 anos, gravou um vídeo que acompanha a matéria bem mais extensa (ver aqui) sobre os excessos cometidos por jovens ricos – alguns nem tão jovens ou nem tão ricos assim – nas noitadas de luxo em São Paulo.

Entre as declarações de Alexander Almeida, encontramos nada mais nada menos que os mesmos clichês usados por Val Marchiori e outras socialites no programa Mulheres Ricas, da Rede Bandeirantes: a importância de andar bem vestido com roupas de grife, as festas regadas a champanhe, os guarda-costas particulares, os carrões, os jatinhos. A impressão que se tem ao informar-se sobre essas pessoas é de que suas vidas são uma sequência de festas exclusivas, mas também de excessos que os tornam, na verdade, motivo de chacota, e não de inveja.

Diante de uma Val e de um Alexander, os apressados formadores de opinião tendem a atirar pedras sobre o capitalismo, colocando a culpa da existência de tais indivíduos que torram dinheiro em futilidades no sistema que visa ao lucro acima de tudo. Tal pensamento rasteiro deixa de mencionar, contudo, que também existem milionários como Bill e Melinda Gates que doam bilhões de dólares para campanhas de vacinação no mundo inteiro, além de investir nas pesquisas científicas de várias universidades internacionais (inclusive aqui no Brasil). O lucro, se justo e se bem aplicado, não é um problema em si mesmo. O problema, na verdade, é que há muitas pessoas, aqui no Brasil e em outros países também, com uma visão muito estreita do que é viver e do que é ser relevante numa sociedade.

Cultura do superficial

O mais interessante dessa história é saber como a fortuna acumulada por Alexander surgiu: ele trabalha como “despachante” para bancos, um termo genérico para definir alguém que trabalha recuperando carros e outros bens financiados – e não quitados – por uma classe média altamente endividada. E qual é a razão de tais dívidas em muitos casos? Consumo além de suas reais possibilidades. Quantas pessoas nos últimos anos adquiriram seus carros em “suaves” 60 prestações sem se dar conta dos juros abusivos das instituições financeiras? Quantos compraram celulares e televisores de LED e LCD sem ter dinheiro para tal aquisição apenas para “ostentar” um poder de compra – símbolo de status em nossa sociedade – aos olhos de seus amigos, colegas de trabalho e vizinhos?

A verdade é que as motivações que levaram tais pessoas a se endividarem – e, por tabela, enriquecerem banqueiros e “despachantes” como Alexander – são as mesmas que levam os “sultões de camarote” da reportagem da Veja SP a gastarem absurdos nas noitadas: ter e ostentar símbolos de poder. É no mínimo preocupante viver numa época em que a futilidade impera soberana na mentalidade das pessoas como a única forma de chamar a atenção e assim sentir-se bem no papel que ocupa na sociedade.

Uma amiga, professora de escola pública, apenas disse o seguinte sobre o assunto dos sultões de camarote: “O que eu não faria com 50 mil reais investindo da minha escola!” Esta deveria ser a reflexão do momento: por que fazer o bem, investir na educação ou aplicar o dinheiro num trabalho voluntário sério não são símbolos de poder e não chamam a atenção? Muitos alegam que cada um tem a liberdade de fazer o que quiser com o dinheiro que ganha, mas não deixa de ser imoral comprar uma garrafa de champanhe de R$ 3.000,00 com um ridículo “foguinho” para sinalizar tal “poder de compra”. Na verdade, Alexander não é nada diferente daquela menina que fez uma dívida ao comprar um celular caríssimo “só porque todos os colegas também têm um” ou daquele adolescente que exige um “tênis de marca” mesmo que seus pais não tenham condição para tanto.

É a cultura do superficial, do aparente, do efêmero, do aqui e agora. Não há uma visão a longo prazo, não há uma preocupação em criar uma sociedade colaborativa, mas uma ênfase em pirâmides sociais, em que estar no topo e em evidência se torna um valor em si mesmo sem qualquer mérito real.

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Candice Soldatelli é jornalista e tradutora, São Marcos, RS