Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quando o tema do dia desaparece pelo filtro ideológico

A rádio CBN possui um programa dominical chamado Revista CBN, no qual a âncora Tânia Morales recebe convidados para entrevistas. Muitas dessas entrevistas são anunciadas previamente na página do Facebook da CBN, como aconteceu no domingo (15/12/2013), quando foi então anunciado no Facebook uma entrevista com a professora Maria Aparecida de Aquino, da cadeira de História Contemporânea da USP, e o professor Antonio Carlos Alves dos Santos, economista e professor da PUC.

No anúncio da chamada do Facebook, há o seguinte destaque: “O Revista CBN de hoje é dedicado a Nelson Mandela…”. Mais à frente, é informado que outras entrevistas serão conduzidas ao longo do programa, como a sobre o tema “RevistaGalileu”, e finalmente uma entrevista com o oftalmologista Fabrício Witzel, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Nesse anúncio no Facebook é mostrada uma foto da jornalista Tânia Morales, ladeada pelos professores entrevistados e escalados para discorrer sobre o “tema do dia” – qual seja, Nelson Mandela e a importância de sua luta e do seu legado.

Quando sintonizei no programa pelo rádio do carro, em pleno trânsito caótico de um domingo paulistano, o mesmo já havia começado e lamentei ter perdido os trechos iniciais. Mas, de toda forma, com o programa já em andamento, percebi logo a riqueza da entrevista, com excelentes debates e análise iniciais de ambos os entrevistados.

Após ter passado as duas semanas anteriores nos Estados Unidos, e ter acompanhado o noticiário nas principais redes de notícias de lá, em que basicamente todas as reportagens tratavam da vida de Mandela após sua libertação em 1990, e que se alternavam a pontificar Mandela ora como “guerreiro da paz”, ora como “guerrilheiro da paz”, finalmente eu estava de volta e desejei acompanhar atento ao programa Revista CBN, até mesmo para comparar as análises daqui e de lá.

Aspectos muito interessantes da vida de Mandela foram abordados pelo professor Antonio Carlos com relação ao seu passado, sua origem, seu status social, sua formação como advogado, sua opção pela luta armada etc, sempre ressaltando a importância da opção desse líder pela luta posteriormente pacífica com relação aos direitos dos negros na África do Sul, culminando com sua ascensão à Presidência do país.

Houve então o momento crítico da entrevista, com uma provocação da âncora sobre comparações de Mandela com outros líderes de expressão no cenário mundial, e então foi solicitado que os entrevistados fizessem suas análises comparativas da história e trajetória de Mandela com a de outros líderes políticos globais.

A professora Maria Aparecida, então pelo questionamento proposto pela entrevistadora, passou a traçar uma análise que, mesmo sendo um ponto de vista pessoal, expressava a opinião de uma professora de História Contemporânea de um curso universitário de inquestionável prestígio, de uma universidade também de reconhecido prestígio.

As observações e análises da professora certamente se chocaram com o que a própria entrevistadora e o público ouvinte opinavam a respeito, e isso causou outro questionamento da âncora do programa à professora Maria Aparecida, motivado por uma intervenção via internet de um ouvinte que questionava se a entrevistada era “petista”. A pergunta foi então formulada à entrevistada, como se a opinião de uma professora de uma das mais renomadas intituições de ensino do país tivesse que ser contextualizada, relativizada ou mesmo ponderada por suas opções e posições políticas e ideológicas.

Seguiram-se excelentes análises de assuntos importantes, como a discussão do significado da palavra “terrorista”, alcunha pela qual Mandela foi levado à prisão, com o professor Antonio Carlos pontuando a relatividade da expressão “terrorista” e a mudança de significado que o termo recebeu ao longo da história, principalmente no caso de Mandela, que liderou, segundo o professor, ações e revoltas que levaram à morte milhares de pessoas – o que, entretanto, deve ser contextualizado em uma época da revoltas raciais na África do Sul, que ainda assim colocaram Mandela como um líder da paz. Tanto é verdade que Mandela recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1993.

Esta entrevista, conduzida pela jornalista Tânia Morales, é portanto um documento histórico que mereceria um registro de acordo com a importância do assunto – a vida de Nelson Mandela – como também pela importância das análises dos entrevistados, que contribuíram em muito para enriquecer o conhecimento do público ouvinte a respeito da vida deste líder.

No entanto, houve uma tremenda decepção para o ouvinte que, como eu, não pôde de assistir à íntegra o programa: o assunto, que na página do Facebook da CBN era tratado como o “tema do dia” do programa Revista CBN, não aparece na lista de programas no site da própria CBN. Verifique, caro leitor(a), o seguinte: ao entrar no site da CBN, ao clicarmos na barra de menus em “Programas”, logo em seguida em “Revista CBN”, e na página seguinte em “Anteriores” (barra em vermelho logo abaixo do quadro em primeiro plano), é então apresentada a pauta das entrevistas veiculadas no dia 15/12/2013, mostrando-se no horário das 13h30 “Revista Galileu…”; às 14h12 “Maior causa de cegueiras…”, e no horário das 14h46 “Movimento Empreenda….” Verifique que não é mostrada a entrevista realizada com os professores Maria Aparecida de Aquino e Antonio Carlos Alves dos Santos, veiculada no rádio entre 11h40 e 13h00, que no entanto aparece nos destaques da Revista CBN em sua página do Facebook.

Na segunda-feira (16/12), na página da CBN era mostrado um link para um áudio com a chamada “Legado de Mandela é um caminho sem volta, diz professora”, referindo-se a um extrato de 1 minuto e 41 segundos daquela longa e interessante entrevista. E neste link não há menção ao professor Antonio Carlos.

Como entender?

Por meio de e-mail enviado do site da CBN, questionei a jornalista Tânia Morales sobre a ausência da menção a essa entrevista na lista de programas veiculados no domingo (15/12), e por qual razão a CBN não disponibilizou o áudio na íntegra aos leitores e ouvintes. A jornalista prontamente me respondeu, informando que seus programas não são realmente disponibilizados no site da CBN, talvez por questões de tamanho dos arquivos de áudio.

Pode ser que realmente a política editorial de divulgação seja assim na CBN, por questões internas de escolha de conteúdo, mas isso não explica a ausência de uma menção ao programa na lista de programas anteriores no site da CBN.

Também não explica o seguinte:

** O programa “Movimento Empreenda: dicas para empreendedor sair de férias tranquilo”, também veiculado no dia 15/12 às 14h46, tem no site um extrato de áudio com 9 minutos e 37 segundos de duração;

** O programa “Maior causa de cegueiras é a falta de idas ao oftalmologista”, com a entrevista com o Dr. Fabricio Witzel, também veiculado no dia 15/12 às 14h12, tem no site um extrato de áudio com 22 minutos e 4 segundos de duração, reproduzido em sua totalidade;

** O programa “Revista Galileu: Partido Pirata é oficializado no Brasil”, também veiculado no dia 15/12 às 13k38 (logo após a entrevista), tem no site um extrato de áudio com 5 minutos e 12 segundos de duração;

** E a entrevista com os professores não é mostrada.

Não questiono a importância dos outros programas veiculados no mesmo domingo (15/12) pela CBN, mas questiono o sumiço da entrevista sobre Mandela que, no entanto, antes de acontecer, era tratada como “tema do dia”.

Isso fez me lembrar de trechos do livro 1984, de George Orwell, quando o “partido” tratava de retirar de circulação edições anteriores do jornal oficial, e os reeditava modificando as notícias, como se fatos ocorridos nunca tivessem de fato ocorrido.

E para quem quer saber a razão do sumiço, como entender? Só quem ouviu a entrevista saberia por que a mesma desapareceu.

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José Albino é engenheiro (São Paulo, SP)