Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sobre bananas e outras frutas

Hoje comi uma banana no café da manhã. Não, não foi por causa do Daniel Alves, embora tenha, por um breve momento, pensado nele. Se você esteve em uma caverna nas últimas semanas, e não foi contaminado pela enxurrada midiática que derramou a atitude do jogador pelo globo, eu esclareço: Daniel comeu uma banana atirada por um torcedor do Villarreal, durante um jogo do campeonato espanhol.

Esta foi, sem dúvida, uma cena digna de entrar para a história. Alegro-me em reprisar mentalmente a irônica descascada que ele deu em campo. Foi tão inusitado e, o melhor: espontâneo. Infelizmente não consigo aplicar à macacada de plantão essa mesma característica, a qual tanto aprecio. Pulando de galho em galho e de rede em rede os famosos (e os não tão famosos assim) manifestam seu apoio cibernético e sua indignação virtual. “Somos todos macacos!” – eles dizem. E compartilham fotos, e arquitetam propagandas, e proliferam as incansáveis hashtags. Um discurso muito lindo, muito politizado, muito engajado, mas que na grande maioria nasce e morre na rolagem de uma timeline.

Dentro de toda a sua ignorância, o racismo nos campos de futebol, assim como no mundo, sempre esteve presente. E agora, na véspera de abrigar uma Copa do Mundo, engolimos (embora não com a mesma dignidade de Daniel Alves) a conversinha de que nós, brasileiros, somos vítimas desta atrocidade. Somos vítimas e, em muitos países da Europa, brasileiro é visto como a mosca do cocô do cavalo do bandido. É verdade, e digo isso como alguém que já viveu esta situação.

Ajuda com as câimbras

Esquecemos facilmente que também somos racistas, preconceituosos e ignorantes. Desculpe, leitor(a), se você se ofende com estas palavras, mas a realidade é esta, não adianta disfarçar.

O antropofagismo de Daniel Alves deveria servir para alertar sobre a natureza ridícula do racismo, e não para apontarmos o dedo pra grama do vizinho e esquecer de varrer o nosso próprio quintal.

Vou continuar comendo banana em outras manhãs da minha vida e não faço questão de tirar foto e disparar nas redes. Prezo pela intimidade, pela unidade de cada momento. A verdade é que a fruta me ajuda com as câimbras. Mas, em tempos de bananas por todos os lados, é fácil desviar os olhos alheios do baita abacaxi que plantaram no nosso quintal.

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Ana Maria Ghizzo é jornalista, São José dos Campos, SP