Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A grande mídia não se importa com a corrupção

A Operação Lava Jato tem revelado a população o que aparenta ser o mais longo e abrangente esquema de corrupção já atuante no Brasil. Iniciado desde no mínimo a década de 90, o propinoduto organizou grandes empreiteiras e seus executivos, funcionários de carreira da Petrobras e políticos em torno de um cartel que fraudava licitações bilionárias.

As reportagens da velha imprensa não explicam claramente, porém, o modus operandi era relativamente simples. Grandes empreiteiras se articulavam em torno dos contratos públicos de forma a combinar os vencedores das licitações e superfaturar os preços das obras. Os recursos drenados do sobrepreço, por sua vez, beneficiavam operadores internos da estatal e partidos coniventes.

Somente alguns políticos e partidos são destacados pelas editorias e a impressão inicial é de que alguns agentes públicos, ao chegarem ao poder, iniciaram os mal feitos, obrigando empresários e funcionários da Petrobras a aderir. Uma análise mais apurada descarta essa tese e demonstra uma corrupção entranhada, inerente ao sistema político brasileiro. A tabela das 750 obras de Youssef e o alerta de Paulo Roberto Costa, declarando à CPI mista “Não se iludam. Isso que acontece na Petrobras acontece no Brasil inteiro. Em ferrovias, portos, aeroportos. Tudo. Acontece no Brasil inteiro”, são sérias pistas da magnitude do conluio entre o alto empresariado e políticos corrompidos/lobistas.

Alguns ingênuos, outros mal intencionados, logo trataram de pintar o poder econômico corruptor – encarnado nas empreiteiras e seus executivos – como vítima, pobres cidadãos que assaltaram os cofres públicos somente por não terem como trabalhar de outra forma. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rechaçou a tese em entrevista à Folha de S.Paulo: “Como a concussão te obriga a fazer um cartel, fraudar uma licitação e ganhar um dinheirão? Está sendo extorquido para ganhar dinheiro? Para ter que botar US$ 100 milhões no bolso?”, questionou.

Só querem trocar os saqueadores

Temos ainda os felizardos que dispõem de blindagem. Aécio Neves, senador e presidente do PSDB, é praticamente esquecido na hora das explicações. Há pouca ou nenhuma cobrança em torno no da suposta propina de 10 milhões que o ex-presidente do partido tucano e falecido, Sérgio Guerra, teria recebido para abafar uma CPI em 2009. Ainda menos comentadas são as anotações apreendidas num escritório da UTC Participações. Segundo elas, o principal líder da oposição e segundo colocado nas últimas eleições presidenciais foi procurado pela Odebrecht com o pedido de “não aprofundar” na CPI da Petrobras. Nelas também se lê que seus companheiros Álvaro Dias e Mário Couto teriam sido escalados para “fazer circo”.

Assim como na eleição, a cobertura dos desdobramentos da Lava Jato se dá de forma politicamente enviesada. A narrativa hegemônica lança cortina de fumaça sobre a realidade da corrupção estrutural do capitalismo e de nosso sistema político. Propagandeiam valores de livre mercado ao mesmo tempo que escondem que a ideologia do capital é o lucro máximo e o acúmulo, e que se pra isso for necessário cooptar Estados e governos, assim será.

O elemento de maior simbolismo, prova de que o financiamento milionário de campanhas por parte das grandes empresas é uma forma de cooptar agentes públicos para fins privados são as planilhas que a Polícia Federal apreendeu na sede da Queiroz Galvão. A empreiteira elaborava-as associando valores recebidos por obras públicas as correspondentes doações eleitorais a candidatos e partidos. Esses documentos evidenciam o círculo vicioso da corrupção, o dinheiro público saqueado pela cartelização e superfaturamento que beneficia tanto o empresariado quanto os políticos aderentes.

Mesmo com todos os elementos apontando para o fato do financiamento de campanhas por empresas corromper toda a República, o que se vê é o jornal O Globo defendê-lo em seus editoriais, ao mesmo tempo em que dá amplo espaço à militância reacionária do ministro do STF Gilmar Mendes, que pediu vistas e esqueceu da ação de inconstitucionalidade que extingue as doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais. Detalhe, os votos de seus colegas marcam o placar de 6 a 1, suficiente para decidir pela proibição.

O quadro expõe que a grande mídia não debate seriamente a corrupção no país, somente usa e fabrica escândalos a fim de atacar seus inimigos políticos. Quem assim atua não se importa com os roubos, só deseja trocar os saqueadores.

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Rennan Martins | Via Desenvolvimentistas