Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A força da informação

Existe um consenso de que o jornalismo, quando bem praticado, exerce importante influência na formação da opinião pública. Esse processo deve correr na esteira da ética, pois informação é instrumento poderoso, capaz de construir ou destruir a imagem de um indivíduo ou de uma corporação. Na ficção, contudo, um jornalista pode viver de outros poderes, não apenas da notícia. Clark Kent é um profissional anônimo, tímido, habitante do imaginário de fãs do universo dos quadrinhos. Ele não é um personagem qualquer. Trata-se do Super Homem.

Diz a frase popular: “Advogado pensa que é Deus. Jornalista tem certeza”. No caso de Clark, o dito é literal. Agindo como um cidadão comum, o Homem de Aço veste uma roupa diferente da indumentária tradicional – aquela com a cueca vermelha. Ele põe seus óculos, usa jaqueta social e parte em direção à redação do Planeta Diário, a fim de encontrar boas histórias para reportar. De comum entre os dois trajes está a capacidade de transformar o mundo. Um vence pela força física. O outro, pela força que a verdade tem.

Como jornalista, o Super Homem não precisa dispor de suas habilidades extraterrestres. Por meio de papel, caneta e capacidade de apuração, ele ajuda as pessoas a conhecerem a realidade da forma mais aproximada possível. Nesse caso, o superpoder está no código de conduta que rege a atividade jornalística, isto é, na admirável incumbência de interpretar assuntos tão diversos quanto a própria existência humana na Terra.

Mas e se a estória do Homem de Aço fosse história? Talvez o enredo não rendesse uma película hollywoodiana, mas não deixaria de ter seus atrativos. Em primeiro lugar, o filme seria dinâmico, interativo. Não teria hora para começar e nem para terminar. Insuflaria a alma do espectador, permitindo-lhe observar os procedimentos que envolvem a construção da notícia.

Profissional como outro qualquer

Clark Kent seguiu a carreira no sentido de ficar próximo das pessoas que jurou proteger – os terráqueos. E acertou em cheio. O jornalismo carrega o maior senso de humanidade entre as ciências humanas, pois as representa por excelência. Realiza-se na paciência do contato, na disposição em ouvir os dois lados da moeda a fim de formular teses sobre as mazelas de uma sociedade.

Como empregado do Planeta Diário, o Super Homem não deixa de ser Super Homem. Apenas muda a forma de abordagem. Em vez de intimidar políticos corruptos, ele dá argumentos para que a opinião pública o faça no plano das ideias. Ao esconder o símbolo da divindade por baixo do terno social, assume outra carapaça – a de um homem curioso e questionador – por meio da qual expõe sua aptidão em informar. Em suma, o herói atua dentro da eficácia difusora dos meios de comunicação de massa.

Descortinando contradições, incertezas, injustiças e valorizando atos de lisura, a beleza das coisas, a interpretação de discursos, Clark Kent realiza um trabalho abrangente, técnico. A decisão de condenar um indivíduo por meio da imprensa requer aporte argumentativo e, especialmente, documental. Exige verossimilhança, caso contrário uma matéria vai parar nas salas dos tribunais. Quando Super Homem, a maior parte das decisões são tomadas de forma sumária, ou seja, individualmente. Foi Aristóteles quem disse: “Um homem bom não deve fazer concessões a si mesmo, ainda que julgue estar fazendo o certo.” Isso vale para todos os que trabalham com comunicação, especialmente a vertente investigativa.

Liga da Justiça

O jornalismo, por si só, não permite ao profissional uma vida linear. É impossível prever quando a notícia chegará às redações. Pode ser de manhã, pela noite ou no meio da ceia de Natal. Nesse sentido, é preciso disposição para abraçar a função. E se um Lex Luthor da vida cometesse maldades bem na hora do plantão? Clark abandonaria o posto, deixando o jornal a mercê da concorrência, ou se resignaria ao contrato de trabalho? O Super Homem também precisa viver e, em se tratando de um globo economicamente inflacionado, escolheria seu emprego, naturalmente. A conta do supermercado deve ser alta para um alienígena vigoroso…

Brincadeiras à parte, jornalista tem um grande poder nas mãos. Poder este que deve ser utilizado com cuidado e moderação – no sentido de contribuir para a liberdade das pessoas. Liberdade de expressão, liberdade de consciência. Com grandes vilões a serem denunciados, a batalha travada pela imprensa a favor dos interesses da maioria é digna de uma Liga da Justiça. Só que nessa luta, não é o super-herói que faz o jornalista, é o jornalista que faz o super-herói.

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Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo