Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Olimpianos da modernidade e a cultura da celebridade

Já dizia o jornalista e estudioso de comunicação Luís Mauro Sá Martinho: os Beatles esforçaram-se, laboraram antes de gravar e conquistaram, “a duras penas”, a fama mundial que perdura até os dias hodiernos, enquanto as Spice Girls foram montadas por produtores musicais com o propósito já premeditado de angariarem os tão falados “quinze minutos de fama”. Importante que se realce não se tratar de gosto musical. Numa sociedade plural e democrática, o público tem todo direito de ter suas preferências musicais como bem entender; mas o que se discute é a criação do olimpiano por meio exclusivo da mídia.

Com base no nosso aprendizado das leituras dos livros de História, é de praxe que indiquemos como personalidades notórias e dignas de serem lembradas, aquelas que realizaram grandes feitos e se destacaram nos ramos da ciência, da literatura, da política, da filosofia. Elas se tornaram célebres em decorrência de um ato memorável e de relevância para a humanidade. Contudo, no mundo atual, as celebridades conquistam tal posto simplesmente porque são conhecidas e têm visibilidade.

Com o advento da internet e das novas plataformas sociais digitais, então, é possível tornar-se um homem célebre de forma quase imediata, bastando, muitas vezes, postar um vídeo no YouTube e obter muitas visualizações. Depois vêm as publicações e compartilhamentos para uma outra mídia social, o Facebook, e aí nasce uma nova estrela. Não podemos esquecer de mencionar também os olimpianos fabricados pelos, tão em voga, reality shows, dos quais, no âmbito nacional, temos o Big Brother como o mais profanado. Trata-se de competições veiculadas pela televisão nas quais o público tem autonomia para julgar e escolher o participante que será eliminado, o protegido, o repulsivo e aquele que será agraciado e mudará para sempre o rumo de sua vida: tornar-se-á um milionário. Quem dera ter esse merecimento!

Os jogos de relação de pessoas, verdadeiros simulacros da televisão brasileira, combinam elementos responsáveis pela fórmula do sucesso, que garante audiência entre o público receptor: exposição da intimidade, teledramaturgia e muita competição. Aliás, não é de hoje que as pessoas têm afeição e curiosidade para assistir aos outros se digladiando, são os coliseus da modernidade. Desta feita, pode-se dizer que os reality shows alteraram o formato da cultura da celebridade que existe desde o início do cinema hollywoodiano. Outrora, pessoas normais tornavam-se públicas e conhecidas por uma questão de mérito e de ação, calcada no talento. Hoje, as estrelas fabricadas pela mídia ganham visibilidade e o status de celebridade por qualquer razão e por não terem o pudor de expor sua imagem e vida cotidiana.

As novas celebridades, nascidas não a partir do que elas fazem, mas pelo que elas se expõem, proporcionaram, nos dizeres de Martino, a alteração da própria ideia de celebridade relação entre mídia e construção dessas personalidades. Desde 1990, os meios de comunicação deixaram de constituir um espaço para a divulgação do trabalho dos olimpianos para serem um elemento criador das celebridades instantâneas. Contudo, é interessante que se frise que depois de se tornarem conhecidas e alvos dos holofotes da mídia, a criação dela mesma pode ser lembrada por algo que resulte do esforço próprio daquela. Nada impede, a título de exemplo, que um brother após sair da “casa mais vigiada do Brasil”, venha a ser, no porvir, uma estrela da dramaturgia ator da novela das nove ou apresentador do Vídeo Show. Que o diga a Sabrina Sato.

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Ana Karla Farias é jornalista