Tuesday, 07 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

A imprensa adora uma cirurgia plástica

O antes e depois da ministra Dilma Rousseff foi o grande destaque da semana em todos os jornais, revistas e noticiários de TV [ver ‘As legendas, onde as legendas?‘]. Todo mundo ficou sabendo que a ministra fez cirurgia plástica, trocou os óculos por lente de contato, mudou o corte e a cor do cabelo e perdeu 10 quilos.

A enxurrada de notícias continuou no fim de semana com uma longa matéria em Veja, um artigo na página 2 (reservada a articulistas sérios) do Estado de S.Paulo e uma matéria de página inteira no caderno ‘Aliás’ (do mesmo jornal), mostrando ao público quem é o médico responsável pelo novo visual da ministra.

Fica evidente que o sonho dos pauteiros seria fazer um reality show mostrando a cirurgia passo a passo. Mas, já que não deu, procuram o máximo de detalhes possíveis –o tipo de procedimento, o preço da cirurgia etc., etc. Nessa avalanche de matérias sobre a cirurgia da ministra-candidata, faltou um detalhe: procurar fotos de Dilma quando jovem e mostrar se o resultado da cirurgia foi eficiente. Seria interessante descobrir se Dilma está com o rosto que tinha aos 20, 30 anos, ou se é apenas mais uma mulher que trocou as marcas naturais do tempo por um rosto esticado e pouco expressivo.

A ‘dieta da Dilma’

Faltou também ouvir os eleitores e saber se o fato de a candidata ter uma aparência jovem faz diferença na hora de votar. Talvez a imprensa deva se perguntar se o eleitor acredita nos marqueteiros que convencem os candidatos que uma roupa bem cortada, um bom corte de cabelo e lentes de contato em vez de óculos são mais importantes do que conteúdo e carisma. Fosse assim, Marta Suplicy – com suas rejuvenescedoras aplicações de botox – seria uma candidata imbatível.

Fosse assim, Hillary Clinton teria que passar por uma reforma geral antes de ir ao Congresso ou antes de assumir seu posto no governo de Barack Obama. Na mesma semana em que fotos da Dilma eram o grande assunto dos jornais, nas páginas internacionais aparecia uma Hillary Clinton com o rosto marcado pelo tempo assumindo um dos cargos mais importantes do mundo.

Se o objetivo da ministra é ganhar votos, teremos que esperar dois anos para saber se funcionou. Mas, se o objetivo era apenas ganhar espaço na mídia, a cirurgia foi um tiro certeiro. Porque se há uma coisa que deixa os jornais excitados é saber que uma celebridade – seja artista, político, empresário – mudou o visual e pagou caro por isso.

Não vai demorar muito para os jornais e revistas especializadas divulgarem ‘a dieta da Dilma’, que resultou em 10 quilos a menos num período de tempo tão curto. Ah, sim, falta contar também a marca das lentes de contato, o nome do cabeleireiro e, é claro, a marca e a cor da tintura usada para deixar o cabelo da ministra tão jovial.

Vaidade natural?

Esses detalhes certamente ficarão para as revistas femininas, que em suas matérias de beleza vivem pregando a manutenção da juventude como uma obrigação das mulheres. Enquanto a pauta não chega às revistas femininas, semanais como Veja comentam o assunto, usando como desculpa o fato de a ministra estar agindo por motivos políticos:

‘Dilma Rousseff deu uma esticada? Nada mais comum. Nestes tempos de recursos estéticos que aos poucos vão acabando com a imagem do político feio, todo mundo quer ficar bem na foto. Submetidas a um escrutínio maior, as mulheres de grande visibilidade na vida pública enfrentam duas demandas em constante interação: se mexem muito no visual, passam a imagem de frivolidade e, por associação, de deficiência na capacidade de comando; se não se cuidam, transmitem a impressão de desleixo ou de pouca vitalidade’ (Veja nº 2096, de 21/1/2009).

Com a desculpa de que uma cirurgia plástica, quando feita por uma pessoa de notoriedade, é notícia, e não mera fofoca, os jornais explicam o interesse na cirurgia da ministra justificando que é assunto político.

Mas o que ninguém teve coragem – ou lucidez – para dizer foi colocado pelo articulista Leôncio Martins Rodrigues na página 2 do Estado de S.Paulo (17/1/2009):

‘Mas pode ser que estejamos inteiramente equivocados. O novo visual da ministra pode ser apenas resultado da vaidade natural dos seres humanos e nada tenha a ver com 2010.’

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Jornalista