Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A mulher entre Bruna e Balzac

No domingo de carnaval (6/3), fui assistir ao filme Bruna Surfistinha, do diretor Marcos Baldini, da produtora carioca TV Zero, na qual já trabalhei. Aliás, curiosamente, quando trabalhava lá, o filme estava na sua fase de captação de recursos, e eu pensava: tanta coisa para virar filme e o que será que a vida de uma prostituta pode ter de tão interessante? Mas assim que comecei a ler e ouvir comentários sobre a produção e a estreia do filme, fiquei com muita vontade de assisti-lo. Especialmente quando li os depoimentos da atriz Deborah Secco, a ‘Bruna Surfistinha’ das telas do cinema.

Ao sair da sala do cinema, percebi o quanto eu estava equivocada, o quanto me deixei levar, na época, pelo senso comum. A história da jovem Raquel Pacheco, que atualmente tem 27 anos de idade, não é nada exemplar, não é um caminho a ser seguido, nem tão pouco a ser sonhado ou desejado. Mas será que alguém desejaria ter uma vida tão infeliz como aquela que ela levava ao lado da sua família até os 17 anos de idade? A falta de compreensão dos colegas da escola contribuiu incomensuravelmente para a infelicidade da menina. Segundo a própria jovem, nunca lhe faltou nenhum bem material enquanto permaneceu ao lado da família adotiva; o que a levou a fugir de casa foi justamente a falta de carinho e diálogo. Estes, sim, são bens preciosos para qualquer ser humano, independente da classe social.

A história de Bruna, nome de guerra da jovem Raquel, é uma história única que retrata o quanto aquela menina foi corajosa e determinada. Fraquezas, temores e hesitações fazem parte das nossas vidas, mas inicialmente Raquel deixou esses sentimentos de lado, pois sabia que aquela vida era dura, que precisava de muita força para alcançar seus objetivos. Objetivos, sim! Pois a jovem sabia o que não queria – e por isso deixou a família de lado até hoje.

Ilusões demais

É claro que a vida de uma prostituta não tem nada de glamour, muito pelo contrário. E por isso, ela comeu em alguns momentos o ‘pão que o diabo amassou’. Foram inúmeras transas – quase sempre sem prazer – com os homens mais diferentes, sofreu humilhações e tornou-se usuária de drogas, talvez para preencher algum vazio ou por acreditar que isso a ajudaria de alguma forma, ou simplesmente por ter se deixado levar por pessoas que só queriam se aproveitar dela.

Mero engano, pois as drogas a levaram à miséria total. Foi neste momento que Bruna se viu sozinha e percebeu que estava tendo uma vida fútil e fugaz e que também não era essa a vida que queria. Então, depois de muito aprendizado, bagagem que carregará para sempre em sua vida, Raquel, mais determinada do que nunca, traçou seus objetivos para alcançar um sonho: a sua vida atual.

A Bruna Surfistinha não faz mais parte da vida da quase balzaquiana Raquel Pacheco. Raquel é hoje uma mulher aparentemente madura, convicta das suas escolhas, talvez uma mulher feliz. No livro A mulher de trinta, Honoré de Balzac afirma que a mulher jovem é curiosa e tem ilusões demais, enquanto a mulher de trinta conhece toda a extensão dos sacrifícios a serem feitos e se detém num sentimento consciencioso. ‘Uma cede, a outra escolhe’, escreveu o autor.

Prostituição sem glamour

Desta forma, após conhecer, através das telas do cinema, a história de vida de Raquel e Bruna, nota-se que determinação e coragem são qualidades importantes, independente da vida que escolhemos levar. E que as mulheres podem ser rainhas, guerreiras, putas, escravas, cozinheiras, executivas e doces meninas. Nós podemos interpretar vários papéis num só dia ou durante todo o ano, mas o que não podemos esquecer é de carregar conosco todo o aprendizado proporcionado pela vivência desses variados papéis.

Por fim, gostaria de ressaltar a qualidade da interpretação da atriz Deborah Secco. Não tenho dúvidas do quanto a escolha do diretor Marcos Baldini contribuiu para que o filme se tornasse sucesso de público logo em suas primeiras semanas de exibição. E Drica Moraes e Fabíula Nascimento também se destacaram nos papéis por elas interpretados. Quanto ao filme, não se trata de condenar a vida de garotas de programas, nem de incentivar que outras meninas façam o que Raquel fez. Muito pelo contrário, mesmo em tempos de celebridades instantâneas, é bom reiterar que a prostituição é definitivamente desprovida de qualquer glamour. Não fosse assim, Bruna não teria saído de cena, para que Raquel pudesse enfim viver…

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Mestre em Comunicação pela UFF/RJ e professora da Uespi