Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A praga das assessorias

A respeito do tal blog da Petrobras, escreveu-se neste espaço que:


1. Ao publicar perguntas de jornalistas e as respostas oferecidas antes que os veículos publiquem as suas matérias, a Petrobras não descumpre nenhum princípio de relacionamento com a imprensa.


2. Contudo, como a Petrobras precisa da imprensa por causa de suas relações com o mercado, não creio que a atitude durará. É provável que a empresa volte atrás.


3. A Petrobras deveria continuar a publicar perguntas e respostas após a publicação das matérias correspondentes pelos veículos, pois isso pode ajudar a melhorar a qualidade da produção de jornalistas e de jornais.


Observo que a prática poderia ser adotada por outras empresas e organismos do Estado.


Muito bem, abordada a questão sob o ponto da cobertura jornalística, vejamos agora o ‘outro lado’, a saber, o que o blog da Petrobras mostra a respeito da… Petrobras. Decerto não era essa a intenção dos dirigentes da Petrobras ao desencadear a iniciativa, mas uma consequência direta é também mostrar como a empresa não responde a perguntas.


Sem respostas


O blog tem uma categoria de notas intitulada ‘Respostas da Petrobras’, em que se exibem as tais perguntas e respostas. É instrutivo examinar esse material.


Tomo dois ou três exemplos. Em vermelho, perguntas que não são de fato respondidas, mas embromadas. (Não são todas assim, mas uma quantidade demasiada é. Convida-se o eventual visitante a verificar por si mesmo.)




Folha de S. Paulo, 4/6/2009:


Pergunta – A Aepet reclama ainda da grande quantidade de dirigentes da FUP ocupando cargos de gerência ou assessoramento na Petrobras e também na Petros.
Resposta Na Petros, todos os profissionais são capacitados tecnicamente para a função que exercem, inclusive na Direção, onde a lei exige experiência profissional e curso superior.


Pergunta – Qual a explicação da Petrobras para a nomeação de sindicalistas para cargos de gerência ou direção na companhia?
Resposta Todos os gerentes e diretores da Petrobras são empregados concursados, atuaram em diversas áreas e têm no mínimo 10 anos de empresa.


O Globo, 1-2/6/2009:


Perguntas – Como é a estrutura de comunicação da Petrobras? Detalhar essa estrutura. Está ligada direto à presidência? Quantos profissionais ao todo trabalham na assessoria de imprensa? Desses, quantos são funcionários concursados, e quantos são contratados? Especificar quantas trabalham na assessoria, seja em atividades internas como site, etc., seja para atender imprensa, etc. Qual é a estrutura nas diretorias e subsidiárias (tem diretoria que publica boletins internos, e tem assessores específicos como na diretoria de Gás, Engenharia, E&P, além dos assessores diretos da presidência, etc.). Por que a Petrobras contratou a CDN? O pessoal próprio já não seria suficiente para atender a demanda da CPI?


Resposta A Petrobras possui várias gerências de comunicação tanto na holding quanto nas subsidiárias. Na sede, além da Comunicação Institucional ligada ao presidente, existem gerências de comunicação ligadas às diretorias de Exploração e Produção (E&P), Abastecimento (ABAST), Gás e Energia (G&E), Serviços (SERV), Financeiro (FIN) e Internacional (IN) que atuam de forma independente para atender suas necessidades.


Além destas gerências corporativas na sede ainda existem as regionais que cuidam das comunidades vizinhas às instalações da Companhia. São nove unidades de negócio do E&P (áreas de produção de petróleo e gás) espalhadas pelo país, 16 refinarias e 3 fábricas de fertilizantes do ABAST, e os empreendimentos da engenharia (SERV). A área internacional (IN) possui estruturas de comunicação na Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Estados Unidos e outros países, além das subsidiárias Transpetro, com terminais em todo o país e Petrobras Distribuidora, com escritórios nas grandes capitais. No total são cerca de 1.150 pessoas, sendo 400 na Comunicação Institucional e 750 nestas outras áreas da empresa entre empregados concursados e profissionais contratados.


A Petrobras, assim como toda grande empresa, possui um Sistema de Comunicação de Crise com o objetivo de comunicar-se de forma ágil, objetiva e transparente, buscando atender às demandas de informação de seus públicos de relacionamento principalmente em situações de crise. O Sistema foi criado por norma, aprovada pela diretoria em 2002 e desde então atua em todos os momentos mais importantes como acidentes, greves ou outros assuntos de maior relevância que em, muitos casos, exigem a contratação de agências externas de forma a garantir o pleno atendimento a todas as demandas de comunicação.


Como se percebe nesses exemplos, a publicação das respostas da Petrobras ajuda também a perceber que a empresa procura esquivar-se de questionamentos que lhes são dirigidos e para os quais não tem ou não quer dar as respostas. Saber isso é também útil para a informação do público.


Assessorias de imprensa


Outra peculiaridade interessante diz respeito ao título desta nota: a praga jornalística de aceitar que assessorias de imprensa funcionem como fontes legítimas de informação.


Ao apresentar as perguntas dos jornalistas e as respostas que produz, o blog da Petrobras abre informando que ‘Em x/x/2009, o jornal Y entrou em contato com a assessoria de imprensa da Petrobras para produção de uma matéria sobre o assunto Z. As perguntas do(a) jornalista e as respostas da Petrobras estão disponíveis a seguir’.


No que se constata que jornalistas entram em contato com a assessoria de imprensa da Petrobras para formular perguntas, mas as respostas não vêm dos funcionários da empresa que de fato são responsáveis por algo objetivo e sim da própria assessoria de imprensa.


As afirmações constantes das respostas não são atribuíveis a ninguém, mas ‘à Petrobras’. (Quando se lê esse tipo de coisa, aprenda o eventual visitante que quem forneceu as informações não foi alguém que faça algo de relevante nas empresas e ministérios e secretarias etc. etc., mas um assessor sem responsabilidade sobre coisa nenhuma.)


No material que a Petrobras publica em seu blog não há uma única menção a respostas fornecidas por pessoas que efetivamente exerçam responsabilidades concretas na empresa – nem mesmo no caso de um gerente (Wilson Santarosa, que ao que parece é o czar da ‘Comunicação Institucional’ da Petrobras) nominalmente mencionado em perguntas como ‘escalado’ para a tropa de choque anti-CPI. Quem responde a perguntas sobre o sr. Santarosa não é o sr. Santarosa, mas algum assessor de imprensa que permanece anônimo.


Essa prática, de assessores de imprensa assumirem papéis que não lhes cabem, desvirtua a função da assessoria de imprensa. A principal responsabilidade por esse desvirtuamento é da imprensa, ao aceitar que esses intermediários assumam papéis que não são deles.


Responsável pela embromação


A justificativa de existência de assessorias de imprensa em organizações grandes deriva da necessidade de direcionar internamente as demandas que vêm da imprensa. Um repórter não sabe necessariamente quem na empresa responde por isto ou aquilo. A assessoria de imprensa serve, em princípio para isso.


Outras atividades que assessorias de imprensa oferecem a seus clientes incluem ‘cavar’ matérias, arranjar almoços de executivos com jornalistas, pressionar editores em nome da empresa ou órgão público e outras intermediações desse tipo.


Alguns assessores de imprensa limitam a sua atividade à função primordial, que justifica a sua existência. Muitos, porém, são na prática lobistas, atravessadores, traficantes de influência.


Embora apresentadas como ‘facilitadoras’, grande parte das assessorias de imprensa contratadas por empresários e por burocratas do Estado na verdade tem a função de erigir uma barreira entre o fulano e a imprensa. Não trabalham em favor do fluxo de informações, mas no sentido oposto.


Tome-se um só dos exemplos replicados acima. Se a resposta embromatória à pergunta ‘Qual a explicação da Petrobras para a nomeação de sindicalistas para cargos de gerência ou direção na companhia?’ proviesse de Fulano de Tal, diretor da área Sicrana da Petrobras, o jornal lascaria lá, com toda razão: ‘Perguntado, o diretor Fulano de Tal não quis responder’. (Na verdade, o que passa por objetividade jornalística hoje em dia proibiria usar o verbo ‘querer’, pois ‘querer’ é subjetivo. Escreveriam, em vez, ‘não respondeu’.)


Frente a tal possibilidade, é de se duvidar que a Petrobras (ou qualquer outra empresa, estatal ou privada, ou burocrata governamental) tratasse certas demandas da imprensa como trata. Alguém seria responsável pela embromação, e esse alguém teria de responder a seus pares, chefes, acionistas etc. pelo que tivesse deixado de declarar ou informar.


Problemas a encarar


Observe-se que o estado de coisas vigorante poderia ser facilimamente neutralizado pelas empresas jornalísticas. Bastaria a elas recusar-se a aceitar que suas perguntas, questionamentos, solicitações de dados e assim por diante fossem atendidas por assessores de imprensa.


Empresas e burocratas poderiam continuar a contar com essas assessorias, mas agora colocadas no seu lugar devido, a saber, o de identificar quem na estrutura da empresa ou do órgão público melhor poderá responder às demandas da imprensa e, a partir daí, tirar o time de campo.


Observo que assessores de imprensa não falam em noticiosos de televisão ou rádio: quem fala é alguém responsabilizável. Por que jornais impressos e noticiosos de internet aceitam o que as TVs não aceitam?


O diabo seria lidar com as relações de dependência mútua que se criaram nas redações entre muitos repórteres e os assessores de imprensa das áreas que cobrem. Um jornal que adotasse a prática de eliminar assessores de imprensa como fontes de reportagens enfrentaria uma penca de problemas internos.


Ainda assim, valeria a pena. Os leitores agradeceriam.

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Jornalista, diretor executivo da Transparência Brasil