Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As portas de São Paulo

Fiquei estupefato com uma manchete do Jornal da Tarde de quarta-feira (27/8), um dos três principais jornais que cobrem São Paulo, e acordei com um helicóptero de uma emissora de TV ou de rádio estacionado acima de minha casa, filmando o trânsito na Marginal.

A manchete do JT diz que piratas oferecem filmes em catálogo para evitar fiscalização. Pasmem! Tá aí uma coisa que os ossos de todos os paulistanos já sabiam. Basta andar nas calçadas da cidade e, principalmente, no centro do contrabando da informação e entretenimento digitalizado, a Rua Santa Efigênia.

Uma passagem pelas abas de “Cotidiano” e “São Paulo” dos sites da Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo mostrou que São Paulo é quase uma cidade sem notícia.

Temas em destaque: assassinato duplo na Rua Oscar Freire (com foto de um modelo metálico envolvido); estacionamento a R$12; problemas na recarga do bilhete único; a Folha traz um interessante, mas velha, matéria sobre uma investigação na Rota de 2010; e a cobrança de explicação do prefeito de São Paulo e de sua vice pelo alto reajuste de salário, denúncia de esgoto a céu aberto etc.

Nesse dia os sites noticiosos estavam melhores em conteúdo, mas grande parte da cobertura de cidades em São Paulo, em qualquer dia, é trânsito e crime, nesta ordem de importância. Além de temas obscuros como listas de Previdência e tabelas de Pis-Pasep, como mostrou a manchete do Agora São Paulo, do Grupo Folha.

Soluções erradas

Bastou uma rápida busca nos sites oficiais (Assembleia Legislativa, Câmara Municipal e site do governo do estado) que “descobri” matérias potenciais mais interessantes. Em primeiro lugar, naquele dia o governador iria sancionar uma lei que cria a primeira “aglomeração urbana” em torno de Jundiaí; a exoneração dos envolvidos nas fraudes dos hospitais públicos em Sorocaba; também descobri que a Câmara Municipal fez um seminário sobre reuso de água na cidade. Todos temas de importância para cidade.

Nos blogs existia mais informação, como uma recorrente cobrança de efetiva investigação na Sabesp, seguindo ações da Polícia Federal (Operação Castelo Areia), e investigação do Ministério Público Estadual sobre corrupção na estatal.

Poderia ter ido mais longe e aprofundado minha pesquisa, mas como acompanho com frustração (e irritação profunda na TV) o noticiário local, achei que bastaria para dar o exemplo para este comentário.

A cobertura de cidades é falha e preconceituosa. Fixa-se em temas sensacionalistas. Cria-se uma percepção de caos. Talvez seja uma interiorização de um sentimento de desolação com tudo que acontece, mas fica claro que não é só isso. É uma falha na pauta, um distanciamento dos jornalistas da cidade, tudo com uma dose de agenda setting a favor do governo do estado.

É bom registrar que as denúncias sobre a Sabesp foram levantadas pelo JT, no entanto, como acontece com os escândalos que atingem o governo Geraldo Alckmin, os editores são rápidos para os esconder nas páginas internas.

Além disso, há um preconceito dos jornalistas com a política, principalmente a local. Só se presta atenção nos jogos partidários e eleições. A Política, com P maiúsculo, não é coberta. Fica, então, para a população, a sensação que política é algo sujo – o que leva a coisas absurdas como a declaração de um deputado estadual do PP, assaltado, que se disse médico e não deputado para os ladrões, por temer o preconceito contra políticos instigado pela mídia.

É preciso também lembrar que nossos jornais e empresas de mídia estão acostumados a escrever para uma população de classe A e B, que também compõe a maioria da população nas redações. Hoje, jornalistas e dirigentes das empresas jornalísticas discutem uma linguagem para atingir a ascendente classe C para fazê-la gastar dinheiro em jornais.

Mas as soluções me parecem erradas. Como disse Roberto Civita, dono da Editora Abril, em uma palestra, que nunca se pergunta para o leitor o que ele quer ler.

Contra o juramento

Como jornalistas, recai sobre nós a decisão de triar, selecionar, contextualizar e oferecer a informação que mais tenha interesse público para o público em questão. São várias as forças que movem estas decisões, mas as duas principais são o interesse público e a meta de atingir o máximo de pessoas possível.

Geroge Monbiot, colunista do jornal britânico The Guardian, escreveu uma introdução (“Tentativa de estar menos errado”) para seu blog dizendo que uma das funções de um jornalista é dizer coisas que as pessoas não querem ouvir. Além disso, em um comentário pós-caso Murdoch, ele sugeriu que uma outra função é cobrar dos poderosos, sejam eles políticos, empresas, criminosos, personalidades e até os próprios patrões.

Monbiot sugere um “Juramento hipocrático para jornalistas“. Bem interessante. Versa sobre as questões com que nos batemos todos os dias: independência, liberdade, poder, ética etc.

A cobertura de cidades e, principalmente, da cidade de São Paulo, parece ir contra esse juramento. E, no final, reflete uma profunda crise no jeito de fazer jornalismo no Brasil. A cobertura de cidades também fala o que as classes A e B querem ouvir.

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[Alexandre Spatuzza é jornalista, escritor e pesquisador]