Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Coelhos que não gostam de cenouras

Já há algum tempo tenho acompanhado através dos noticiários o aumento da violência homofóbica decorrente, sobretudo nas grandes cidades.

Outro dia assisti a um programa de TV onde um bispo de uma dessas igrejas neo-pentecostais criticava como ‘excrescência’ a lei da homofobia que ampara a liberdade de expressão de um grupo marginalizado e fiquei a perguntar-me se Deus poderia assumir a intolerância de um representante seu.

Também tenho visto algumas barbáries cometidas pela Igreja de Roma. Penso que a dignidade da pessoa não possa ser julgada pelo exercício de sua tendência sexual.

Acho que Deus seria um déspota cruel se estabelecesse como critério de salvação a prática da inclinação sexual de cada qual. E o homem, pelo fato de participar de Sua inteligência, constituindo, assim, Sua imagem e semelhança, segundo os textos sagrados da santa mãe Igreja, manteria uma venda nos olhos que o impediria de enxergar as atuais teorias científicas. Também não consigo conceber a idéia de um Deus cego! Seria uma afronta imensurável despojá-Lo de sua onisciência.

Um estudioso da psique humana, intitulado Pai da psicanálise, sugeriu o resultado das dimensões da pessoa como sendo fruto da interação de sua bagagem genética com o meio. Todos somos tudo em potencial. Inclusive homossexuais, se houverem condições que propiciem o enveredar da dimensão sexual para tal, segundo ele.

A riqueza da diversidade

E Deus disse: ‘Antes que te formasses no seio de tua mãe, eu já te conhecia’ Jr 1,5. Penso que Deus conheça a Obra de suas mãos e conheça suas inclinações no mais íntimo de seu ser. Não pode haver erro quando não há escolha. E só um masoquista optaria por experimentar as discriminações sem fim, vivenciadas pelo fato de se ser diferente. Em sua origem grega, a palavra ‘pecado’ significa ‘errar o alvo’. Não acredito que se possa errar o alvo sem, ao menos, haver a chance de mirá-lo.

No artigo 2.358 do catecismo da Igreja é reconhecida a inerência da tendência à homossexualidade observada sob um ponto de vista um tanto preconceituoso. Paradoxalmente, o indivíduo deve ser acolhido no meio cristão sem qualquer espécie de discriminação; no entanto, afirma-se que para atingir a perfeição cristã, é necessário repudiar a vontade intrínseca da prática sexual canalizando-a no exercício da castidade. Não pensei que fosse necessário transformar o ‘ego’ em ‘super-ego’ para viver segundo a vontade de Deus expressa nas leis redigidas por seus ‘juízes’. Pensei que o que vogasse fosse ser feliz.

Lastimo quotidianamente a incompreensão do homem do século 21. Coelhos que não gostam de cenouras ainda são vistos como aberrações da natureza. É a sociedade quem dita as maneiras de amar. E os indivíduos ainda pensam por Deus e classificam como natural a convenção de uma idéia determinando o que vem a ser moral ou imoral. Acredito que todas essas misérias seriam curadas quando fôssemos capazes de compreender que a beleza da existência consiste na riqueza da diversidade.

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Estudante de Enfermagem, São Paulo, SP