Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Comentário infeliz

É muito importante que todos os professores, principalmente os do ensino médio e fundamental, leiam uma reportagem sobre a reforma da Previdência, publicada pela revista Exame (nº 831, págs. 51 e 52), assinada pelo jornalista Carlos Alberto Sardenberg. Em determinado ponto do texto, o jornalista faz a seguinte afirmação sobre as professoras do ensino médio e fundamental, referência a seu tempo de aposentadoria:

‘É o caso mais flagrante de benevolência, já que dar aulas não é propriamente o trabalho mais penoso e desgastante’.

Qualquer pessoa, minimamente informada sobre as condições do exercício da profissão de professor do ensino médio e fundamental, e não pertencente às classes exploradoras do sofrimento do povo, ao ler esta reportagem deverá ter uma de duas reações possíveis: ou interrompe a leitura da Exame e joga o exemplar na primeira lata de lixo que aparecer, desconsiderando qualquer valor na sua leitura, ou se põe a pensar seriamente sobre a leviandade subtendida nesta afirmação, propondo-se a alguma ação de protesto contra esta covardia com uma classe tão importante para o presente e o futuro de nossa sociedade.

Ou o jornalista está totalmente desinformado sobre a situação dos professores que, para terem uma mínima condição de sobrevivência financeira, precisam dar aulas em várias escolas, sem muitas vezes terem condições de usufruir de uma vida saudável, com um mínimo de lazer ou descanso, comprometendo sua saúde e o bem-estar de sua própria família, ou tem alguma coisa contra a classe dos educadores, por questões de ordem pessoal, predispondo-se a tentar prejudicá-la com esta infeliz colocação, num texto confuso e deturpado.

Parece que o autor não tem a menor noção de que o trabalho de um professor não pára nas salas de aula das várias escolas em que é obrigado a exercer sua profissão para sobreviver. A elaboração de provas e sua correção, sua participação em atividades na escola, a necessidade de reuniões com os pais dos alunos, sua participação em cursos de reciclagem e aperfeiçoamento, entre tantas outras atividades necessárias, representam um desgaste físico e mental muitas vezes maior do que o sofrido por aqueles que vivem passivos e conformados com as ‘chicotadas’ dos patrões nas empresas privadas, por exemplo.

Demonstração de poder

É lamentável que o jornalista não faça julgamento do destino das contribuições previdenciárias ou de sua gestão pública. Os professores deveriam ter direito a uma aposentadoria digna após uma vida de trabalho. Com o valor que recebem, têm dificuldade para pagar seus remédios, além de sofrerem as humilhações de sempre nas filas do SUS, pois os planos de saúde privados lhes cobram preços extorsivos. Este é o fim de vida para milhões de educadores que passaram a vida trabalhando em prol do país.

Antes de criticar os professores, o jornalista deveria se informar sobre nossos políticos, saber como se aposentam, e comparar seus proventos aos salários dos profissionais do ensino público. Estes – apesar de todas as adversidades, do desrespeito e do desdém de que são vítimas, do tratamento que recebem de muitos políticos, de uma parte da mídia, dos governantes e das elites, que olham os menos favorecidos, entre os quais os professores públicos do ensino médio e fundamental, como um inconveniente necessário – ainda insistem em agir com dedicação, ética, honestidade e dignidade na dura profissão que escolheram.

Se nossa categoria não estivesse tão despreparada, por força do covarde ‘trabalho’ dessas elites, para limitar o exercício da consciência política e da cidadania, daria uma grande demonstração de poder queimando em praça pública, em sinal de protesto, algumas centenas de exemplares desta revista, cujos responsáveis permitiram que um jornalista fizesse um comentário tão injusto e leviano. Logo sobre a classe que, mesmo acumulando duro sofrimento pela maneira como sempre é tratada, não pára de dar demonstrações de amor e dedicação às crianças que ocupam sua vida e sua carreira profissional. E isso apesar do extremo sacrifício com que se entrega à causa da educação – o único caminho para tirar nosso país do estado de subdesenvolvimento social, cultural e político em que se encontra.

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Professor, Petrópolis, RJ