Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Correio Popular



CRISE POLÍTICA
Raquel Lima

Lula é craque em enrolar, diz Maklouf

‘Leia abaixo a entrevista que Maklouf concedeu à Agência Anhangüera de Notícias (AAN), a 15ª da série que analisa a atual crise política no Brasil, publicada aos domingos pelo Correio Popular.

Correio Popular – O seu mais recente livro traz uma compilação de reportagens negativas sobre Lula e também sobre o PT entre 1984 e 2005. A atual crise política o surpreendeu de alguma forma?

Luiz Maklouf Carvalho – O livro traz um conjunto de reportagens sobre Lula e o PT. Acho que são informativas, e que parte delas, usando o critério da pergunta, não tem conotação negativa. Tem um perfil com o Lula feito na casa dele. Tem entrevista exclusiva com o próprio. Até as matérias sobre a Lurian e a família Lula da Silva não tem conotação negativa. Existe um equívoco generalizado a respeito desse trabalho que está no livro. Qual seja: a maioria das pessoas atribui os ataques da direção lulista do PT a mim à revelação da existência da Lurian. Mas não é verdade, como fica claro no livro. Depois da Lurian, fiz exclusivas com Lula e outros dirigentes do PT, e outras matérias, sem problema nenhum. Os problemas começaram, e só começaram, quando comecei a publicar denúncias de corrupção dentro do PT. Mesmo sem grandes ilusões, me surpreendi sim (com a atual crise). Não imaginava que chegassem onde chegaram, nem que a sede fosse tão desértica.

Se o Brasil já viu esse filme, de quem foi a culpa para que essa história se repetisse?

Não sei distribuir as culpas e nem seria o caso. Mas acho que em determinados momentos importantes, quando houve denúncias de maior gravidade, minhas e de outros jornalistas que nunca tiveram medo do PT, a simpatia petista prevalecente em algumas áreas de algumas redações, prejudicou um aprofundamento das investigações. Às vezes, o alvo passou a ser o jornalista que fez as reportagens, e não as informações que elas traziam. Quando digo alvo, é alvo mesmo, no sentido bélico, porque é assim que eles acham que se joga o jogo.

No mesmo período em que você trabalhou em diversas reportagens críticas sobre Lula e o PT, muitos jornalistas trilharam o caminho inverso. Grande parte das redações era formada por jornalistas de esquerda, que ajudaram a sustentar a imagem do atual presidente. Sofria algum tipo de represália?

Em países politicamente democráticos, não acho que jornalistas de esquerda, por o serem, e assim me entendo, devam esconder informações, ainda mais criminais ou perto disso, em função de simpatias políticas ou ideológicas. Sofria e sofro represálias, como outros jornalistas que mostraram essa banda podre antes que ela chegasse lá. Mas, dentro ou fora das redações, procuro manter-me muito bem informado sobre os bastidores e a ocorrência do chamado trabalho de sapa (ação oculta ou conspiração contra alguém), já famoso e às vezes até divertido, de tão mal ajambrado. Há panelas bastante ativas. Solidariedades irmãs em torno de supostas vítimas demitidas por censura ou incompetência, que preferem passar por ‘vítimas do Maklouf’, coitadinhas, etc. etc. etc. Como diz o Tutty Vasques: ‘Ô raça…’. Mas seguimos em frente.

Suas reportagens contra Lula e o PT resultaram, inclusive, no veto de seu nome por Lula para uma entrevista ao programa Roda Viva, em 1999. Ali o petista demonstrou intolerância em relação à liberdade de imprensa?

Já disse e repito que Lula, como qualquer cidadão, teve e tem todo o direito de não querer dar entrevista para quem não queira. É da democracia. Pode-se questionar, mas é saudável que seja assim. O problema maior, no caso, foi a TV Cultura ter aceitado o veto daquela forma tão acachapante, como se o Lula mandasse e desmandasse lá. O Lula deu lá os motivos dele, dos quais discordo. Eu acho que ele foi pessimamente orientado por uma assessoria incompetente e medrosa, e teve receio de responder eventuais perguntas sobre questões até hoje não esclarecidas, como a história da compra do apartamento em que mora em São Bernardo do Campo (no ABC paulista). Meses, antes, na Folha de S. Paulo, eu havia feito uma matéria mostrando que parte da explicação do hoje presidente para a compra do imóvel não era verdadeira. O mistério continua.

Como você analisa o desempenho do presidente no programa número mil do Roda Vida? Sentiu sinceridade nas respostas?

O presidente é craque no domínio espetacular da claque, bom de povão, de palanque, de discurso, e de enrolar jornalista que não faz réplica nem tréplica. Essas comezinhas obrigações da imprensa (obrigações primárias) – comezinhas em relação ao que deve ao público, que é principalmente a informação honesta – passou a ser vista, na imprensa brasileira de maneira geral, como uma coisa agressiva, mal-educada, fora do tom, incomodativa. Nesse ponto vamos mal. Quase tão mal quanto no abuso de aspas em declarações off the record. Jornalismo sem réplica e tréplica, sem presidente da República ser colocado na parede das contradições entre os fatos e o discurso é jornalismo chapa-branca. No caso do Roda Viva número mil, acho que os colegas foram bem e que houve esforço de fazer as perguntas digamos difíceis. O problema é que as respostas tortuosas do presidente, especialmente no caso do negócio de seu filho com a Telemar – a meu ver absolutamente injustificável, sob qualquer ponto de vista – não tiveram as réplicas necessárias e devidas ao público. Mas foi só um programa, enfim.

Diante do histórico do presidente e do PT, é possível concluir que Lula e as principais lideranças petistas sabiam dos atos de corrupção apontadas no governo e o esquema de caixa dois na campanha eleitoral?

Pessoalmente, até por achar já ter visto esse filme, não tenho nenhuma dúvida que o esquema de arrecadação de valeriodutos e que tal era e é de conhecimento do presidente Lula e da ‘ex’-direção do PT. Mas não sou analista político, e nem pretendo sê-lo, de forma que essas opiniões devem ser vistas como pessoais, não mais que do isso. No Já Vi Esse Filme, evitei, deliberadamente, ficar dando opinião de hoje sobre as reportagens de ontem. O livro é mais documental: junta uma centena de reportagens sobre Lula e o PT, mostra o outro lado, incluindo as cacetadas que levei, e deixa a conclusão para o leitor . Evitei fazer paralelos diretos entre o ontem e o hoje. Meu entendimento geral é que esse filme se reproduziu em escala muito maior com a chegada ao poder, meio naquela base de quem nunca comeu melado quando come se lambuza e Mateus, primeiro os meus, depois os teus, coisa que já se vinha vendo de longe. Atrevo-me a dizer que há muitos momentos hilariantes, tal a desfaçatez.

Na sua opinião, o mensalão e a existência de caixa dois estão comprovados?

Faço o mesmo prólogo da pergunta anterior. O caixa dois já está confessado, provado e comprovado. No caso do mensalão, não vejo evidência mais forte de que o esquema funcionava como o deputado Roberto Jefferson (deputado federal do PTB, cassado) o denunciou. Mas não acho que isso possa fazer mudar a qualidade do lixo.

Qual a sua análise sobre a cobertura da imprensa à atual crise política? Foi pautada por personagens como Roberto Jefferson e pelos trabalhos da CPI ou foi ela quem pautou os passos dos envolvidos?

É complicado fazer uma análise geral – tais as diversidades entre os veículos e os interesses em jogo. Acho que foi melhor quem menos se deixou contaminar pelos interesses eleitorais em jogo.

A imprensa errou ao não perceber a movimentação de personagens como o publicitário Marcos Valério?

A imprensa ignorou a movimentação do valerioduto deste o governo tucano de Minas Gerais. Não quero afirmar que tenha ignorado deliberadamente, mas ignorou. Se houve exceções, foram pontualíssimas. À época, um deputado estadual do PT mineiro, Durval Ângelo, hoje presidente da legenda no Estado, publicou até um livro denunciando as relações incestuosas entre o governo mineiro, o caixa dois da campanha e a turma do Marcos Valério. O deputado me contou que 20 mil exemplares foram distribuídos, a maioria deles para dirigentes e parlamentares do PT! Já no governo Lula, se a memória não me falha, o jornalista Carlos Chagas tem o mérito de ter levantado primeiro a ligeireza de lebre. Mais importante que chorar sobre o leite derramado é vigiar o que ainda vai ferver.

A partir da crise atual, qual a expectativa para a cobertura das eleições do ano que vem? Deve haver mudanças significativas no comportamento dos meios de comunicação?

Acho que uma separação rigorosa entre o espaço editorial – o da opinião dos donos das empresas, que a ela tem todo o direito – e o espaço noticioso, informativo, é algo minimamente salutar.

Ainda há espaço para a esquerda no Brasil? Qual a sua análise sobre o PSOL, por exemplo?

Há esquerda no mundo e no Brasil, felizmente. Ativa, produzindo seus intelectuais, discutindo seus caminhos, seus erros, suas perdas, seus crimes, seus acertos, suas contradições, seus impasses e a manutenção do horizonte que o marxismo traçou, cujas linhas essenciais, com muro ou sem muro, nunca deixaram de estar postas. Não me sinto em condições de fazer uma análise do PSOL e partidos assemelhados. Só acho que alguma coisa está muito errada quando suas críticas ao atual governo e à figura do presidente em particular, se assemelham e até ultrapassam as da direita, inclusive a raivosa, com suas raízes na ditadura militar.

Você crê numa reeleição do presidente Lula?

Nas condições de hoje, acredito que o presidente Lula ainda seja um forte candidato à reeleição.’



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