Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De mensageiros a leões-de-chácara

Com o enxugamento das redações promovido por veículos de comunicação de todo o país, a cada dia surgem novas empresas de assessoria de imprensa que, a princípio, teriam o encargo de servir de ponte entre entrevistador e entrevistado. O papel do profissional de assessoria seria, então, o de aproximar a fonte – no caso, seu cliente – dos produtores de noticiários, que são os repórteres.

Porém, isso não vem acontecendo. Sem querer generalizar – sim, porque existem profissionais e empresas nesta área que merecem todo o nosso respeito –, o processo jornalístico vem sendo interrompido por alguns assessores que, alheios à ética profissional e aos interesses da sociedade, fazem de tudo para impedir o acesso do repórter às informações.

Esses profissionais, em sua maioria frustrados por não terem obtido sucesso em suas empreitadas nas redações, estão passando por uma metamorfose assustadora: de simpáticos mensageiros de suas fontes a ferozes leões-de-chácara de porta de boate.

E a boate pode ser qualquer empresa, órgão público ou entidade cuja influência econômica se sobreponha aos interesses jornalísticos dos veículos de comunicação. Um ciclo vicioso que vem se repetindo diariamente, diante de narizes que já farejaram torturas de presos políticos em delegacias e denunciaram esquemas fraudulentos de grandes companhias.

Por preguiça, despreparo ou pura vingança por causa dos baixos salários pagos nas redações, o fato é que os repórteres estão começando a se habituar ao jornalismo de notas oficiais. E essa epidemia já começa a afetar quem dá acabamento às peças jornalísticas: os editores.

Planos niilistas

Falar hoje com um secretário de estado sobre problemas graves que afetam setores importantes de uma cidade ou região, como saúde, transporte ou habitação, é praticamente impossível. Os assessores, algozes da informação sem distorções, conseguem impedir o acesso pessoal, telefônico e até via e-mail informando que seu cliente ou chefe só se pronunciará sobre o assunto pela controversa ‘nota oficial’.

Mas quando o assunto é divulgar ações políticas de seus clientes, esses mesmos profissionais entopem nossas caixas postais, deixam recados nos celulares e até nos convidam para almoços e jantares de confraternização com a imprensa. É o marketing como mola propulsora do jornalismo.

Muitos veículos, por sua vez, passaram a ser coniventes com esse tipo de atuação, optando pela manutenção do jornalismo oficialesco, marqueteiro e aviltante. Onde está o direito do jornalista de fazer perguntas ao entrevistado? Até quando teremos que engolir as regras desse jogo em que o assessor escolhe o que será indagado e o que será esclarecido?

Será que o jornalismo está fadado a se tornar uma extensão dos planos niilistas do marketing e suas reprogramações neurolinguísticas? Será que os estagiários contratados para substituir profissionais formados e experientes em diversas redações do país têm conhecimento de quantas pessoas deram suas vidas durante a ditadura para que a liberdade de imprensa pudesse existir nos dias que correm?

Filtro poderoso

Há de surgir um movimento de conscientização entre os jornalistas, para que voltem a pensar com as mentes libertas e sem a influência nefasta de facções religiosas ou preconceitos morais e sociais. E, se tem que haver um início, que seja agora! Que a reportagem volte a ter seu lugar de honra nas redações. Que o jornalista volte a ser visto pela população como um mensageiro, como aquele que traz as notícias sem palavras riscadas a tinta, sem transcrições psicográficas de assessores que falam em lugar de seus clientes.

De que adianta discutir ou criticar a criação de um conselho nacional para acompanhar o trabalho jornalístico se os profissionais da área já criaram uma forma muito mais agressiva – e bem disfarçada – de censura? Se não abrirmos os olhos, os jornais continuarão estampando manchetes com a prisão de um ou dois marginais desconhecidos, ou então com inaugurações de empresas que geram algumas centenas de empregos em regiões com milhões de habitantes.

É o jornalismo a serviço da marginalidade, dos políticos, das religiões, dos empresários, dos comerciantes, das universidades… e tudo isso com o poderoso filtro das assessorias produtoras de notas oficiais.

E a sociedade, onde fica nessa história? Catando as migalhas dos brioches mastigados por repórteres, editores e pauteiros das redações do país.

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Jornalista