Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O egojornalismo

O jornalismo tem uma especificidade pouco vista de forma tão aparente (e, por isso, bizarra) em outras profissões. O culto ao ego, ao profissional, é intenso. É o único caso em que a assinatura de uma matéria é tão somente algo egocêntrico, e não de responsabilidade. Nas demais profissões, no mínimo, essa relação é um misto das duas coisas. Isso é fácil comprovar: o jornalista não pode ser, legalmente, responsabilizado sozinho por aquilo que fala ou escreve em determinado veículo. Porque a empresa vai sempre junto. É aquele também que pode arrumar desculpa para qualquer coisa e usa esses artefatos com primazia.

O maior exemplo é nesse caso de não ter responsabilidade porque é aquilo: o jornalista nunca erra. Se um texto tem qualquer deslize, seja de ordem gramática ou ortográfica, ele põe a culpa no editor ou em algum revisor. Se o caso foi de informação, também, ou culpa a falta de estrutura do jornal em que trabalha ou da fonte que lhe passou os dados. A frase já vem pronta: “Não sei, mas foi isso aí que a pessoa me passou.” Ou seja, o nomezinho junto da matéria só lhe serve em caso de elogio – que são sempre raríssimos, diga-se de passagem – ou para que o familiar pouco informado da profissão se sinta orgulhoso.

Na hora do vamos ver, do debate, poucos são os jornalistas que dão a cara a tapa e assumem certa incompetência. O que mais se vê é aquilo mesmo de que meu texto é melhor que o seu, minha matéria é melhor que a sua e conseguimos “bater” na concorrência. Em Goiás, isso é bem aflorado, ainda mais quando não se trabalha na Organização Jaime Câmara (OJC) – maior veículo de comunicação do Estado – e se consegue, na sua própria avaliação, fazer algo melhor do que ela. A bizarrice é tão grande que a felicidade dos jornalistas é ainda maior quando conseguem fazer algo idêntico ou parecido com a OJC. Se igualar é como dar um tapa na cara por nunca ter ido para algum de seus veículos ou ter sido dispensado, demitido, enfim.

O culto ao erro

Mas tudo isso é relevado, porque, bem, a sociedade é bem idiota e isso de egocentrismo é algo com que se nasce. O pior desta questão é que a “valoração” do jornalismo goiano passa a ser a OJC, ou seja, se é o que eles fazem, é bom. O problema é que não é. Não mesmo. É fácil saber que seus veículos seguem o padrão Globo de jornalismo. Não preciso dizer mais nada. Só que aí os jornalistas pensam que aquilo é bom, especialmente o sensacionalismo, fazer as pessoas chorarem e sofrerem frente às câmeras. E isso se torna um ciclo repetido indefinidamente. Aquela mesma desgraça que as novas gerações copiam sem pensar no que fazem.

Porque o importante mesmo é ter seu nome bem divulgado, falado e comentado, nem que seja na obsoleta coluna “Imprensa” do jornal Opção. Ou que esteja sendo lido, não porque a matéria é, de fato, jornalística, mas porque repercutiu. Só que é aquilo: fofoca e escatologia são o que mais se repercute na vida das pessoas. Mas no jornalismo você é nada se não é conhecido, se não tem quem te indica ou não criou nada sensacionalista para ter chamado a atenção. Para que alguém se lembre de sua existência. O egojornalismo é o culto ao erro, do que há de mais soberbo na humanidade, daquilo de ser melhor, mesmo que se escreva sobre um discurso de igualdade, desprendimento, respeito às leis e, até, religião.

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[Vandré Abreu é jornalista, Goiânia, GO]