Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Brutalidade e omissão

Os telejornais brasileiros até noticiam a repressão ao movimento “Ocupe Wall Street”, mas não o fazem com a mesma intensidade e frequência como ocorreu no caso de outros fatos politicamente menos relevantes (como o vazamento de óleo da BP no Golfo do México, por exemplo). No país líder da civilização ocidental, o pau está comendo solto. Milhares de pessoas do movimento “Ocupe Wall Street” estão sendo presas, centenas foram espancadas e pelo menos um ativista foi morto a pauladas pelos policiais. A notícia fresca ignorada pelos telejornais brasileiros, entretanto, é ainda mais preocupante. O FBI passou a tratar ativistas e descontentes em geral como terroristas (ver aqui).

A tática de considerar terrorista todo e qualquer ativismo político que não seja controlado pelos partidos políticos “autorizados” é uma velha conhecida dos brasileiros. O terror de Estado foi largamente utilizado durante a ditadura brasileira. Suas vítimas são todas conhecidas: militantes de esquerda, padres que lutavam pelos direitos humanos, sindicalistas, estudantes, operários em greve e familiares de comunistas (além dos inocentes, que estavam no lugar errado, na hora errada). Alguns agentes da repressão daquele período ficaram tão viciados e paranoicos que ainda hoje caçam terroristas trollando na internet.

O estrito respeito ao princípio da “autodeterminação dos povos” não nos permite intervir nos EUA. Mas isto não deve impedir a imprensa televisada de perceber e registrar a ironia. Justamente o país que diz fazer “intervenções humanitárias” está naufragando na bestialidade da repressão política que certamente demandaria algum tipo de intervenção do Oriente (isto, se o Oriente se rebaixasse ao mesmo tipo de imperialismo praticado pelo Ocidente).

Torturadores testados e aprovados

Como brasileiro que sofreu as consequências de uma ditadura e se interessa pelo fenômeno da comunicação, só posso lamentar as omissões dos telejornais brasileiros. Confesso, entretanto, que ao ver estas notícias na internet fico com vontade de rir. Afinal, há uma certa “justiça poética” em ver que os norte-americanos estão agora sendo obrigados a sentir o gosto amargo do mesmo veneno que fizeram os latino-americanos engolir no passado. Agora é a vez deles, norte-americanos, sofrerem, suarem, lutarem, baterem e apanharem para domesticar seu regime político. E nós, brasileiros, só poderemos assistir o drama deles; ou melhor, poderemos assistir o drama deles se os telejornais brasileiros deixarem de ser omissos. Os americanófilos terão que rebolar bastante para tentar explicar o que está ocorrendo nos EUA. A contradição entre o que se diz (defesa da democracia) e o que se faz nos EUA (repressão política) é evidente e não deveria ser escondida dos brasileiros.

Há mais una notícia explosiva que os telejornais brasileiros escondem do honorável público. O Congresso norte-americano discute a aprovação de uma Lei segundo a qual qualquer norte-americano que participe de qualquer ação contra os EUA poderá perder a nacionalidade norte-americana e ser expulso do país (ver aqui). Durante a ditadura imposta aos brasileiros, o governo militar fez uma campanha na TV com o seguinte conteúdo:”Brasil, ame-o ou deixe-o.” Imagino que se o tal projeto de Lei for aprovado e sancionado, em breve poderemos ver nos aeroportos e TVs norte-americanos: “USA, love it or leave it”.

Adorável, não? A Casa Branca nem precisa inventar o mote publicitário. Poderá copiar tudo da ditadura brasileira. Quem sabe, até o Pentágono e a CIA, num ato de reconhecimento aos serviços prestados, resolva dar emprego aos torturadores brasileiros que foram treinados nos EUA durante a ditadura. Afinal, alguns deles são “torturadores seniores”, experimentados, testados e aprovados pela ditadura brasileira, mas ficaram sem atividade aqui depois da promulgação da CF/88.

***

[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]