Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Uma abdicação questionável

Tempe Sede Vacante. O período do trono vazio. Sem ataques cardíacos melodramáticos no ínterim da madrugada ou atentados a tiros por inimigos na Praça de São Pedro. Nada disso. Bento 16, sumo pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana, pastor de bilhões de almas esparsas e chefe do executivo, legislativo e judiciário do menor Estado do planeta, renunciou ao posto máximo do catolicismo romano no dia 11 de fevereiro de 2013 após um breve discurso ao consistório que presidia. Na mesma manhã, momentos após a simbólica retirada da mitra pontifícia e encostar a cruz forjada com o ouro dos papas de outrora, rapidamente emergiram questões já esquecidas e problemáticas, capazes de agitar ainda mais uma das instituições mais influentes e antigas do ocidente, que atualmente – e após a abdicação de Ratzinger – evidencia uma fraqueza totalizante.

Afinal de contas, todas as tribulações enfrentadas pelo pontífice nos últimos dois anos refletiram na sua decisão? Casos endêmicos e intermináveis de abusos sexuais por sacerdotes do baixo clero católico – e acobertamento de tais casos através das diretrizes institucionais do Vaticano, tais como o Crimen Sollicitationis e o Sacramentorum Tutela –, as intrigas políticas entre os ilustres membros do Sacro Colégio visando à sucessão pontifícia e os últimos escândalos envolvendo o ex-mordomo do papa, Paolo Gabriele, juntamente com o lançamento do ácido livro do jornalista italiano Gianluigi Nuzzi abalaram os pilares morais e deixaram um rastro de desconfiança pelos corredores do Palácio Apostólico.

Perante isso não há dúvidas, pois o catolicismo (tradicionalmente conservador, e certas vezes, radical) vem perdendo força em um mundo cada vez mais crítico e em constante transformação. Nota-se, entretanto, que seu poderio administrativo-financeiro perante as massas e lideranças internacionais, por mais decadente e instável graças a uma trajetória histórica tortuosa, permanece enraizado e pulsante. O Vaticano ainda é dono de imóveis caríssimos em bairros nobres da capital inglesa, em Paris e na Suíça. Imóveis que superam o valor de 680 milhões de euros, segundo recentes reportagens do The Guardian. Seus embaixadores e diplomatas (núncios apostólicos) estão encrustados nos mais opulentos centros de poder, já sua riqueza artístico-simbólica e influência ideológica podem ser observados em todos os cantos de ambos os hemisférios, nas esquinas, casas, prédios e nos templos.

Seria uma hipótese que sua difícil decisão não coubesse apenas à debilidade e idade avançada, mas a pressões internas dos próprios integrantes da Cúria? Portais de notícias vasculham agora o passado da monarquia papal, incrivelmente controversa. O último papa a abdicar o cargo, no início do século 15, se autodeclarou Gregório 12. Renunciou em meio a grave crise religiosa conhecida pelos historiadores como o Grande Cisma do Ocidente. Outros três o antecederam em suas renúncias: Celestino 5 (1294), Bento 9 (1045) e Marcelino 1º (305). Por mais que os tempos sejam outros, abdicação em meio a crises políticas e institucionais não é nenhuma novidade. “Penso em particular nos pecados contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo eclesial”, afirmou Bento XVI na última missa em público de seu pontificado, rezada três dias depois de suas surpreendentes palavras de abdicação.

“Astúcia política”?

De acordo com o Diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, o jesuíta Federico Lombardi, a Sé Vacante começará oficialmente no dia 28 de fevereiro, às 20 horas (horário de Roma). Iniciam-se, antes do conclave, como é historicamente costumeiro, olhares mais atentos, acenos de cabeça discretos e uma batalha silenciosa nos bastidores da Igreja Romana, com o propósito único de conquistar o sólio reluzente do primeiro papa, tradicionalmente conhecido como Pedro, o Apóstolo. Setores conservadores e modernizantes desenham estratégias e orquestram delicados movimentos no atordoante tabuleiro de xadrez que se mostra a Igreja pré-conclave. As chances de um cardeal europeu ser novamente escolhido são grandes. Por outro lado, progressistas almejam um latino-americano ou um africano. Chances pífias face aos grupos e facções de cardeais italianos extremamente poderosos – grupos favoráveis ao secretário de Estado, Tarcísio Bertone. Também há apostas dos mais variados observadores e vaticanistas que o influente arcebispo de Milão, o filósofo e teólogo italiano Angelo Scola, seja um dos “papáveis” mais cotados para o cargo.

Ao redor do mundo, fiéis devotos agradecem a Bento 16 pelo árduo trabalho espiritual e teológico frente à instituição e alguns analistas afirmam que sua renúncia se concretiza como uma espécie de “astúcia política”. E como um sereno teocrata que se faz transparecer, não poderiam os pesquisadores pensar diferente. “Agora, confiamos à Igreja o cuidado de seu Sumo Senhor”, afirmou Ratzinger em seu discurso, descendo de seu pedestal.

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[Luís Felipe Machado de Genaro, estudante de História, Ponta Grossa, PR]