Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O deputado e a ‘agenda setting’

Alguns jornalistas mais antigos dizem que, numa época não tão distante, era mais fácil entender e fazer jornalismo. As regras e as relações eram mais bem definidas. Nós, jornalistas, escrevíamos. Vocês, leitores, apenas liam. Essa lógica é tratada em uma teoria do jornalismo chamada agenda setting, que, resumidamente, pressupõe que as notícias são como são porque os veículos de comunicação nos dizem como pensar e o que pensar sobre os fatos noticiados. Porém, hoje os leitores encontram na internet uma forma não só de checar e debater o conteúdo publicado na grande mídia, mas também uma ferramenta alternativa para divulgar informações de seu próprio interesse.

Entretanto, assim como é um exagero pressupor que o que é publicado nos jornais não passará por um filtro do próprio leitor, devemos nos perguntar até que ponto o jornalismo deve abandonar seu papel de pautar os debates da sociedade. Ou melhor: até que ponto a população deve ter autonomia para realizar essa seleção?

Um caso interessante e que ganhou uma grande repercussão – tanto na mídia quanto nas redes sociais – é sobre o atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Marco Feliciano (PSC), que, semanalmente – e sem falhar uma só vez – dá declarações polêmicas e desnecessárias sobre temas que vão desde pobreza na África até a participação de Deus na morte de John Lennon. Diante de tudo isso fica a dúvida: neste caso, o jornalismo está pautando a sociedade, ou houve uma inversão, e a sociedade passou a pautar o jornalismo?

Um belo bode expiatório

Capa da revista Veja, manchete no Correio Braziliense, entrevista no programa Agora é Tarde, da Band. Isso sem falar de trending topics no Twitter e um dos assuntos mais compartilhados no Facebook. Feliciano é o ser que todos amam odiar. Em meio a toda essa discussão, o falatório do deputado vai abafando outros assuntos mais importantes. Ou será que este é o problema mais importante a ser tratado no país? O dinheiro investido pra Copa do Mundo e Olimpíadas não deve receber espaço maior? A péssima qualidade da educação básica não merece também protestos nas ruas? O fato deJoão Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoíno (PT-SP), condenados pelo mensalão, integrarem a Comissão de Constituição e Justiça não choca ninguém?

E, enquanto o jornalismo vai seguindo modinhas, Marco Feliciano, como deputado, está se saindo um belo bode expiatório.

******

Danilo Pessôa é jornalista, Campinas, SP