Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Enzo Biagi deixa a vida e passa a ser história

A imprensa italiana foi marcada, no século passado e início deste, por dois jornalistas Indro Montanelli e Enzo Biagi.

Ambos noticiaram a história da Itália desde o período eufórico do fascismo, passando pela Segunda Guerra Mundial, o assassinato de Mussolini, a destruição material e moral do país, o retorno a uma democracia consolidada, até o milagre que colocou a nação entre as sete maiores potências econômicas do planeta.

Montanelli partiu para sua viagem sem retorno no dia 23 de julho de 2001 e cinco dias antes escreveu seu epitáfio: ‘Quarta feira 18 de julho, a 1:40h da manhã. Chegou ao término de sua longa e atormentada existência, Indro Montanelli (Fucecchio 1909, Milão 2001) pede desculpas aos seus leitores, agradecendo o afeto e a fidelidade com que o seguiram. As suas cremadas cinzas serão recolhidas em uma urna fixada na base sobre a tumba de sua mãe Maddalena, na modesta capela de Fucecchio. Não serão bem vindas cerimônias religiosas, nem comemorações cívicas’.

60 anos de sucesso

Dessa forma restou Enzo Biagi, que começou sua carreira aos 17 anos passou a ser o rei dos jornais e da televisão – nesta ele organizou o telejornal da estatal RAI 1, que se tornou o mais importante do país. Ficou anos como diretor, até ser despedido (18/4/2002) de forma indigna por uma vingança mesquinha do então presidente do Conselho de Ministros Silvio Berlusconi, que o tachou de ‘criminoso da televisão’.

O fato o acabrunhou, haja vista que depois de 60 anos de sucessos pagou o preço de ter dito ‘não’ aos políticos. No dia 6 de novembro ele adormeceu serenamente e, aos 87 anos, foi a sua vez de ir embora. A Itália inteira se curvou ao cronista do novecentos, sucederam-se os elogios ao jornalista, sendo o que mais calou fundo, certamente o do ex-presidente da República Carlo Azelio Ciampi: ‘Uma grave perda para o País, um agudo sentido de mutilação para mim. Nas minhas reflexões ao saber de sua morte conclui que com ele, de fato, além de um mestre do jornalismo vai também um pedaço de minha própria vida, dado que éramos amigos de muitos e muitos anos. Ambos nascemos em 1920, passamos através das mesmas experiências: a ditadura, a guerra, a luta pela liberdade sob a bandeira do Partido de Ação, a ansiedade por essa nossa Itália que foi crescendo, mesmo entre mil dificuldades.’ E termina: ‘Seu jornalismo foi marcado pela honestidade, o rigor, a simplicidade e a clareza. Dotes que Biagi veio trazendo consigo desde sua estréia e cultivou até o final e que foram o segredo de seu grande e constante sucesso. Dotes que emergiam seja quando escrevia um artigo ou um livro, seja quando trabalhava nas suas transmissões televisivas. Fará falta a todos. E a mim muitíssimo.’

Seria um lugar comum dizer que com ele finda uma parte da história da imprensa italiana. Felizmente não aconteceu assim, seja Monatnelli, seja ele, usando da firmeza de seus caráteres ilibados, deixaram herdeiros para continuar o que cada vez se torna mais raro: o bom e correto jornalismo.

Também Enzo Biagi deixou o sei epitáfio, mas escrito há 26 anos: ‘Atrás de mim não existe mais nada que a minha consciência : nos meus programas futuros somente a sepultura. Que quero, é óbvio, que chegue o mais tarde possível e com uma lápide: ‘escreveu aquilo que podia, jamais o que não queria’. Amém’.

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Jornalista