Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa televisada ou teledesavisada?

Há quase três semanas, as redes de TV se concentram na cobertura do caso Nardoni. Por falta de novidades, apesar do esforço dos âncoras, as matérias bombásticas estão ficando cada vez mais repetitivas e mornas. A Rede Globo, que tem se destacado pelo seu auto-elogio em horário nobre, está produzindo um jornalismo tão enfadonho quanto os programas evangélicos de suas concorrentes. Em razão de sua insistência em transformar a morte da menina num episódio novelesco, o Q de qualidade da Globo já está virando Q de ‘Quem matou Odete Roitman?’.

Mas não é sobre o que as redes de TV estão mostrando que pretendo falar. Afinal, o que elas estão escondendo dos telespectadores com o caso Nardoni é bem mais interessante.

Já faz dias que a Folha de S.Paulo fez uma denúncia grave envolvendo a administração do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A matéria, publicada no blog de Frederico Vasconcelos, já estava na internet quando a Globo entrevistou o desembargador que soltou os suspeitos da morte da garotinha. O entrevistador global perdeu, inexplicavelmente, a oportunidade de questionar o mesmo sobre este assunto relevante e do interesse dos cidadãos.

Nenhuma rede de TV fez a cobertura do fato noticiado pela Folha de S.Paulo. A CBN noticiou, esta semana, que o contrato de locação do prédio será desfeito. Segundo a CBN, o TJESP está tentando minimizar o estrago. Contudo, o tamanho do estrago é considerável e merecia ganhar espaço nas telinhas luminosas.

Silêncio obsequioso

Segundo o jornalão paulista, que merece elogios em razão de ter furado a concorrência e mexido no vespeiro togado, o antigo Hilton foi locado pelo TJESP em julho/2007 por um prazo de 54 meses ao custo mensal de 36 milhões de reais (ver aqui). Desde que foi alugado, o imóvel não foi ocupado, nem utilizado. Dez meses e 360 milhões depois, o vetusto Tribunal de Justiça resolveu devolver o imóvel.

Em razão do ocorrido, os contribuintes paulistas, que sustentam o estado e o Tribunal de Justiça com seus impostos, têm todo direito de perguntar: quem vai devolver aos cofres públicos os recursos escassos que suas excelências colocaram inutilmente nas mãos dos locadores?

O Judiciário é um dos três poderes. É uma parcela indissolúvel do Estado. Quando praticam atos administrativos, os desembargadores também devem obedecer fielmente aos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência administrativas prescritos no art. 37, da CF/88. Suas excelências também respondem pessoalmente nos casos de improbidade.

Em razão do espaço que foi dedicado à cobertura da improbidade administrativa do reitor da UnB, dá para até para suspeitar do silêncio obsequioso da imprensa televisada em relação ao que ocorreu na Corte paulista. Afinal, o Timothy Mulholland gastou, em Brasília, com objetos de luxo apenas 10% do que alguns desembargadores jogaram pela janela no estado de São Paulo.

Maior prejuízo, menos atenção

A excessiva cobertura do caso Nardoni, a visibilidade da improbidade administrativa do Timothy Mulholland e o silêncio da mídia em relação ao desperdício de recursos públicos no caso da locação do Hilton pelo TJESP provam que Arbex tinha razão ao afirmar em seu livro Showrnalismo que:

‘… A `opinião´ divulgada pela mídia interfere no curso dos acontecimentos, dando a ilusão de que o público foi levado em consideração. Na realidade, os indivíduos permanecem isolados, espalhados pelas mais distintas cidades, regiões, estados e países, sendo virtualmente ‘unificados’ pela mídia, mas sem terem exercido qualquer interlocução. É a `ágora eletrônica´ que simula a antiga polis, onde tudo se debatia. As megacorporações simulam a ágora que legitimará suas próprias estratégias de dominação e controle’.

É realmente difícil entender o critério que foi empregado pelas redes de TV nos casos citados. Mesmo sendo trágica, a morte da criança não causou considerável prejuízo financeiro para os contribuintes paulistas. O reitor da UnB causou prejuízo aos contribuintes brasileiros, mas em menor escala que o da locação do Hilton. As redes de TV, sempre gananciosas quando cobram seus anunciantes e modestas ao realizar despesas, parecem não saber fazer contas. Para as mesmas, o maior prejuízo público merece menos atenção televisiva.

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Advogado, Osasco, SP