O ano pode até ser novo, mas a história é velha e, dizem os oráculos, sempre se repetirá. Ofereço-lhe um exemplo acabado. O tema deste artigo é o renascimento de um jornal vetusto que se dava por perdido no calendário dos tempos. Fundado em 20 de junho de 1854, pouco mais de quatro décadas e meia depois do surgimento da imprensa no Brasil – por obra de Dom João VI –, o tablóide Correio Paulistano é o mais antigo em circulação em São Paulo. ‘É o segundo veículo impresso a circular diariamente na cidade de São Paulo e participou ativamente da construção da história do país, como um dos principais defensores das causas republicana e abolicionista e também como um dos parceiros oficiais da Semana de Arte Moderna, em 1922’, afirma um jovem que simboliza o novo na roda-viva da história.
Fábio Pereira, 22 anos, é editor do Correio, ao lado do também editor Moacyr Victor Minerbo, 27, o Kiko. Eles, a repórter Denise Oliveira, 28, e a diagramadora Daniela Lima, 25, são comandados pela diretora-geral do jornal, a publicitária e estudante de jornalismo Acácia Gutierrez, 28 anos.
Extinto em fevereiro de 1966, o Correio Paulistano ressuscitou em julho de 2006. Com uma tiragem inicial de 10 mil exemplares, integra a Rede de Jornais Leste, dirigida pelo pai de Acácia, o jornalista e empresário José Carlos Gutierrez. O grupo também publica o diário Itaquera em Notícias, veículo regional cuja cobertura privilegia a Zona Leste da cidade de São Paulo.
Os jovens que tocam o novo Correio, esse Lázaro redivivo do jornalismo brasileiro, querem reafirmar a história do periódico. ‘O lançamento de um livro sobre o tema, com previsão para ser iniciado ainda este ano, já faz parte dos planos. Em meio a essa busca, são sempre gratificantes as histórias contadas a respeito do jornal, como a que diz que Ignácio de Loyola Brandão, recém-chegado em São Paulo, buscou emprego no Correio e não conseguiu, e aquela sobre os articulistas ilustres, como Olavo Bilac e Menotti Del Pichia’, relata um entusiasmado Fábio Pereira.
A seguir, uma entrevista com o editor do Correio Paulistano.
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Qual foi o primeiro jornal a circular diariamente em São Paulo?
Fábio Pereira – O primeiro jornal diário em São Paulo foi O Constitucional, criado em 1853. Tinha quatro páginas e seu formato era de 35cm por 27cm. Cada exemplar era vendido a 120 réis, e a assinatura semestral custava 5 mil réis. Em 20 de junho de 1854, circulou o primeiro Correio Paulistano, também com quatro páginas. Por sinal, já achamos duas pessoas que possuem essa edição. Muitos outros jornais de circulação não-diária surgiram na mesma época e desapareceram. Já naquele tempo, fazer jornal era muito custoso.
Como foi a operação de renascimento do Correio?
F.P. – O feriado de 12 de outubro de 2005 tinha tudo para ser um dos dias mais monótonos. O Moacyr [Victor Minerbo] e eu trabalhávamos em um mesmo departamento de produção de TV. Naquele dia, boa parte da equipe estava de folga, e outra, bem menos numerosa, estava em produção de externas ou em estúdio. Eu havia lido o blog do Moacyr (que é conhecido como Kiko). Resolvi chamá-lo a distância e perguntei: ‘Kiko, você gosta de escrever, não é?’. A partir daí, começamos a desenrolar uma conversa interminável sobre jornalismo e sobre o Correio Paulistano, jornal que eu conhecia por trabalhar junto com a dona dele, a Acácia Gutierrez, em outro projeto. Contei que o jornal estava desativado e só esperando uma equipe disposta a encarar um retorno. No dia seguinte, falei sobre a possibilidade de conversarmos com a Acácia.
‘Anúncios contratados para outro jornal foram publicados no nosso’
F.P. – Disse que poderíamos elaborar um projeto para o jornal. Embora nos encontrássemos em praças de alimentação lotadas ou lanchonetes, a cada reunião nos sentíamos como se estivéssemos em salas reservadas, tamanha era a nossa concentração, nosso comprometimento com o trabalho. Também contamos com a colaboração de outros colegas que não puderem continuar conosco, mas que também acreditaram no projeto. O que a Acácia acabou fazendo foi, na verdade, uma quebra de contrato. Para termos o dinheiro para rodar o jornal, ela decidiu que uma vez por mês não seriam publicados os dez mil exemplares do Itaquera em Notícias. Nessa data, seriam publicados dez mil jornais Correio Paulistano, com toda a publicidade que era para sair no jornal de Itaquera.
Funcionou assim: os anunciantes fecharam pacotes mensais para veicular no Itaquera em Notícias. Aí chega a Acácia e diz para eles que em determinada semana o anúncio não sairia no jornal previsto, mas sim em um veículo com outro nome, a ser feito por outra equipe, e que teria a distribuição diferente. Além da Zona Leste, estaria em outras localidades. Que eu saiba, não houve problema com nenhum anunciante.
Qual é o perfil predominante do leitor?
F.P. – É o leitor que se interessa pelos problemas da cidade e quer vê-los debatidos. Já falamos sobre infestação de ratos, sobre greve de professores e tantos outros problemas que afetam a vida da população. No mais, o Correio Paulistano fala de cultura paulistana e é engajado em discutir jornalismo. O nosso público é quem busca a informação complementar. Não vamos apostar corrida com nenhum jornalão. Isso é guerra de ego. Nosso jornal tem a distribuição gratuita e é, portanto, acessível. Não precisa ser comprado. O leitor continua com a sua assinatura, com a sua compra em banca. O que ocorre é que fatos complementares, que não estão na grande mídia, podem ser encontrados em nossas páginas. Um exemplo: visitamos com exclusividade a Febem da Vila Maria, hoje desativada. Entramos na unidade Uirapuru, que foi até um tempo atrás alvo de denúncias. Entramos lá em uma época que a Febem já não estava tanto em pauta e fomos em busca de um enfoque diferente: lá, entramos onde nenhuma reportagem entrou. Fomos ao pátio com os internos e demos voz a funcionários. O tema principal da matéria era de que as pessoas aqui de fora têm mais medo da Febem do que os que estão lá dentro, convivendo com os encarcerados.
A mídia induz a sociedade a sentir medo e acusa aqueles jovens presos de nunca poderem ser reintegrados. A unidade Uirapuru era composta por reincidentes graves, e os funcionários de lá tinham esperança. Um psicólogo afirmou que, a cada dez internos que ganhavam liberdade, provavelmente oito voltariam a cometer crimes. E ele trabalhava justamente por causa daqueles dois que não aparecem nas estatísticas otimistas. Nenhuma reportagem de denúncia ouviu aquela gente. Nenhum jornalista quis saber como eram e como viviam os cidadãos que trabalhavam lá. O Correio Paulistano os ouviu e complementou o cenário noticioso.
‘Nem nos passou pela cabeça publicar um jornal de bairro’
Por que o jornal não se pretende regional?
F.P. – O nosso foco é a cidade de São Paulo. Nem nos passou pela cabeça publicar um jornal de bairro. Não que isso seja um desprestígio. A segmentação, quando bem-feita, é útil e, principalmente, bem aceita pelo leitor. O caso é que o próprio título Correio Paulistano ultrapassa os limites de qualquer bairro, de qualquer zona da cidade, seja ela periférica ou central. Agora, é óbvio que um jornal com um título desse, que abrange uma cidade como São Paulo, deve ser distribuído de maneira estratégica. Nós, até pelo limite de tiragem, dez mil exemplares inicialmente, procuramos distribuí-lo em grande número em lugares próximos a estações do metrô, pois são intersecções de linhas por onde passam milhares de pessoas ao dia, indo e vindo de toda a parte e para toda a parte.
O que fazer para atingir toda a cidade?
F.P. – Nós, hoje, temos a tiragem de dez mil exemplares. É o que as condições econômicas permitem. Nem um jornal a mais. É claro que não conseguimos atingir, atualmente, uma grande relevância em uma cidade que tem para lá de dez milhões de habitantes. Até mesmo porque a nossa cultura é televisiva. Dificilmente alguém diz: ‘Olha, eu li tal coisa no jornal e fiquei espantado’. Não. É bem mais comum alguém dizer: ‘Olha, eu vi tal assunto na TV e fiquei chocado’. E tantas vezes essa notícia foi um furo de jornal impresso. Quer dizer: o jornal impresso fez a notícia vir à tona primeiro, mas é a TV que sistematicamente a torna pública, que a dissemina. Diante disso, penso que, primeiramente, atingir não é distribuir, apenas. Atingir, para mim, é deixar marca. É ser lido e comentado.
‘Queremos transformar o Correio em um jornal grande’
F.P. – Então, eu digo que são necessárias duas coisas para expandirmos: um parceiro investidor ou até mesmo um grupo de investidores. Isso resolveria o problema de estrutura na distribuição e de tiragem. E o outro passo seria a condução editorial do Correio Paulistano. Para mim, a condução ideal seria esta: ser um jornal de distribuição gratuita e semanal, o que nos traria um diferencial entre os grandes periódicos gratuitos paulistanos, que hoje são diários e de hardnews. Com essa circulação semanal, seríamos um jornal com tratamento noticioso de revista, com prognósticos, matérias menos superficiais. Aliado a isso, um texto simples e que não se delongasse. Para encerrar, umas pitadas de boas imagens, com ilustrações, gráficos e fotos, daria o tempero perfeito. Jornais gratuitos estão fazendo um sucesso vertiginoso na Europa, e aqui também vai ser assim. Nós queremos transformar em jornal grande um veículo com mais de 150 anos. E tablóide. Ninguém precisa acotovelar ninguém no transporte público para poder ler o Correio Paulistano.
Quais são as maiores dificuldades dessa expansão?
F.P. – Posso citar como exemplo o fato de que há muitos eventos noticiosos acontecendo em uma cidade como São Paulo. Chegamos a ter até quatro pautas completamente diferentes para o mesmo dia e horário. É injusto não atender a tudo o que é interessante. Surge a dificuldade de não se ter uma equipe maior. A outra questão é que a tiragem ainda é pequena, mas sei que vai aumentar. No mais, apesar de ainda termos uma equipe reduzida e uma distribuição discreta, considero que o projeto caminha bem. Basta analisar que em dez meses tiramos do papel o projeto de retornar um jornal desse e, a partir desse tempo, estamos sempre aumentando os pontos de distribuição. Já a partir deste mês de janeiro estaremos distribuindo em pelo menos mais três pontos da cidade que são definidos como espaços com grande volume de pessoas, bem próximos a estações do metrô. Entendo que, para uma expansão maior ocorrer, precisamos de um investimento maior, apesar de o jornal se manter bem e reconhecer a importância dos atuais anunciantes.
‘A equipe é jovem e, principalmente, responsável’
O Correio tem um plano de metas?
F.P. – Temos metas, sim. Muitas já não são mais metas, pois alcançamos. A primeira delas era manter a equipe otimista. Também já temos o site desde o início de 2007, alguns meses depois do relançamento da versão impressa. O site é algo importante de se citar, pois para uma empresa com poucos recursos até site se torna algo caro. O site reproduz o conteúdo do jornal impresso. Recebemos, em média, quinhentos e-mails por dia [para os endereços cpaulistano@gmail.com e correio.paulistano@gmail.com]. Conquistamos também bons colunistas. Todos eles são rigorosamente aplicados e especialistas no que escrevem. Em médio prazo, temos como meta melhorar ainda mais a distribuição. Uma novidade em nossos planos é investir esforços cada vez mais em vídeos por internet. E a idéia excelente foi do Moacyr. O Correio Paulistano está fazendo do YouTube, esse grande servidor mundial de vídeo, um arquivo de registros audiovisuais. Ainda é um trabalho inicial, com um equipamento bem simples e nenhum tratamento de edição para as sonoras e imagens. De qualquer forma, basta acessar o YouTube e digitar Correio Paulistano. Na redação, notamos que, em duas semanas, os vídeos já receberam mais de duzentas visitas. Acredito que o YouTube é um rico espaço.
Em longo prazo, sabemos que o Correio Paulistano precisa sempre ser marcado na história por pensar de maneira futurista. Afinal, ele defendeu a causa republicana em plena monarquia. Estamos atentos sempre às tendências e procuramos nos informar sobre o futuro dos impressos. Certa vez, Marco Antônio Rocha [do Estado de S.Paulo] comentou com o Moacyr: ‘Quem lê tudo isso que está no site da Agência Estado?’. Ouvindo isso, tive um dos momentos em que respirei aliviado e disse para mim mesmo: ‘A quantidade limitada de páginas do jornal impresso pode ser a salvação dele. Não queremos tudo a todo instante, como na internet. Queremos bom conteúdo’.
Como é a rotina de uma redação jovem, considerando-se o valor histórico do jornal? De que forma isso mexe com a cabeça da equipe?
F.P. – O pessoal é, realmente, jovem e, principalmente, responsável. Talvez cada um tenha, vez ou outra, algum conflito interno, e pode ser que pese a responsabilidade de tocar um periódico que foi abolicionista, republicano, apoiador da Semana de 22… O pessoal deve pensar algo do tipo: ‘Puxa, eu sabia que aquelas aulas de história iam servir para alguma coisa, mas, na época, nem quis freqüentá-las por não saber a real importância’. Mas nós na redação vivemos essa maravilha do descobrimento a todo o instante. Não somos figurões do jornalismo, nem temos um currículo com prêmios e, muito menos, extensas coberturas de guerra. Somos jovens comunicadores. Queremos fazer abordagens diferentes, que fujam à regra. O Moacyr e eu estamos agora compilando dados e em busca de depoimentos sobre a história do Correio Paulistano. Já temos entrevistas agendadas com jornalistas de quase cem anos de idade. Vamos em busca dessa história por nós e por todos os interessados em história da imprensa e do Brasil.
‘Falta profissionalismo nas redações pequenas’
O jornal tem buscado apoio para se bancar, entre setores da sociedade que reconheçam o seu significado histórico?
F.P. – Além do trabalho realizado pelo departamento comercial, também vejo um enorme esforço da equipe inteira em sempre apresentar o Correio Paulistano a todos como um veículo interessante, que seja diferenciado e bom para se anunciar. E há o interesse por setores da sociedade, sim, em ajudar a marca a se firmar. A ajuda não vem sempre em forma de anúncio, mas isso não quer dizer que não seja um estímulo importante. Não foram em uma ou duas oportunidades, mas dezenas de vezes em que pessoas diversas, fossem de grandes empresas ou não, perguntaram a alguém da equipe: ‘Quanto custa anunciar?’. Ou então: ‘Não é este jornal que liam na novela Terra Nostra?` (e é o Correio Paulistano que aparecia na novela, sim). Muitos também afirmam: ‘Já ouvi falar no Correio Paulistano. O meu avô lia esse jornal’. E tudo isso é muito bom. Ver tantos paulistanos interessados significa não só algo bom para o anunciante interessado, mas também significa que o leitor está atento à marca.
No início da sua história, o Correio Paulistano não era um jornal lido pelo povo, até porque o número de analfabetos era bem maior que os nossos índices atuais. No início do século passado, o jornal passou a ser mais conhecido pelo povo graças ao papel importante exercido no século anterior, como defensor das causas republicana e abolicionista.
Você assina uma coluna sobre mídia. Quais são, a seu ver, os maiores equívocos jornalísticos dos veículos menores?
F.P. – Nas redações pequenas que conheço observo a falta de profissionalismo e, principalmente, do bom texto. Aliás, pode reparar: qualquer um escreve em jornal pequeno. As opiniões de qualquer ‘senhor-ninguém’ podem ser consultadas nas páginas da imprensa nanica. E isso, posso dizer com a consciência tranqüila, não é democratizar a mídia. Isso é acabar com a mídia. Não tenho nada contra o que pensa o senhor fulano dono da farmácia e muito menos quero podar a opinião do senhor sicrano gerente da padaria. Eles devem ser ouvidos. Todos devem ser ouvidos. Mas nessa farra de ouvir a todos, existem jornais pequenos concedendo espaço a esses cidadãos para que virem, por exemplo, colunistas políticos ou os credenciando em eventos sociais para que registrem em fotos e façam matérias. Isso viabiliza a custo baixo a produção de conteúdo, mas acaba com a qualidade.
É claro que há pessoas não-formadas e que têm talento admirável para escrever e publicar matérias. Mas isso é raro de ver em vários jornais pequenos. Fora isso, vejo jovens jornalistas que conseguem seu primeiro emprego nos jornais pequenos e, simplesmente, se acomodam. Não lêem mais livros sobre a área, perdem o senso crítico, parecem incapazes de desejar crescer na profissão. Acho que a solução seria ter uma associação de jornais de bairros forte e realizadora que concedesse palestras e seminários de gerência para donos de veículos e cursos de reciclagem para os jornalistas desses veículos.
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Jornalista