Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Mais do mesmo na cobertura jornalística

Nas palavras do comentarista esportivo Leonardo Miranda (e de muitos torcedores), “é necessário repensar o futebol brasileiro”. A afirmação não é nova e ganhou força especialmente após um fatídico 8 de julho, data da eliminação do Brasil nas semifinais da Copa do Mundo de 2014, ainda fresca na memória de muitos brasileiros. Após quase um ano, no sábado (27/6), a eliminação da seleção canarinho nas semifinais da Copa América mantém a questão exatamente da mesma forma, sem uma vírgula a mais ou a menos, para a maioria dos ainda admiradores do futebol no país. Como exceção, está o pensamento dos dirigentes de uma significativa instituição, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Após a derrota para o Paraguai, duas declarações parecem indicar que para a CBF os objetivos com a Copa América foram cumpridos. Em entrevistas concedidas ao Globo Esporte, o técnico Dunga avalia a participação do Brasil no torneio como “ótima”; e o secretário-geral da Confederação, Walter Feldman, considera que “Dunga está completamente seguro, prestigiado”.

Não se pretende aqui julgar o trabalho do treinador por conta de uma eliminação. Mas daí ao patamar de “ótimo” e “prestigiado” existem alguns degraus a serem calcados, passando pela consideração de um talvez desempenho “satisfatório”. Fosse o caso de um time em ascensão no futebol, talvez coubessem tantos elogios de reconhecimento, mesmo diante de uma eliminação nas semifinais. Pergunta-se: apesar do histórico que possui, teria a seleção brasileira chegado tão a fundo no poço a ponto de endossar desta maneira a performance que teve nesse torneio? Ou, então, para que os elogios dos representantes da CBF façam sentido, que objetivos a instituição traçou para sua seleção na Copa América? Uma das justificativas do técnico para o resultado foi a falta de experiência no grupo. Porém, até que ponto é aceitável que uma seleção do porte da brasileira justifique suas derrotas com falta de experiência?

Outro contexto

Essas são algumas das intrigantes questões que não costumam aparecer na cobertura do assunto que talvez seja o que mais vende jornal no Brasil – o futebol, fonte de inúmeras pautas jornalísticas diárias. Nas 21 notícias publicadas por dois dos maiores canais esportivos no país, Globo Esporte e SporTV, desde o fim de jogo de sábado até as 24h do dia seguinte, estão as corriqueiras pautas com as opiniões dos jogadores e coletivas com os técnicos sobre a partida, desempenho, lamentações, embarque e desembarque em aeroportos, data dos próximos jogos, além de uma “polêmica” virose dos jogadores (não tão polêmica, visto que todos eles admitiram que tal fato não afetou em nada o desempenho em campo), e o desfalque do atual craque Neymar. No tratamento das informações, gritos de “Fora, Dunga” e “Firmino mercenário” não passaram de manifestações da torcida, revoltada.

Muito menos holofotes midiáticos que Neymar da Silva Santos Junior tiveram os jogadores Roberto Firmino e Douglas Costa. Entretanto, para estes últimos a Copa América resultou em muitos mais sorrisos que para o atual ponta esquerda do Barcelona, penalizado pela Conmebol e impedido de participar do restante do campeonato. Ocorre que, como divulgou o jornal Extra, o passe de Douglas foi vendido pelo clube ucraniano Schakhtar para o alemão Bayern de Munique por 35 milhões de euros (aproximados R$ 120 milhões). Já o Globo Esporte, que costuma usar como fonte outros jornais, informou que o passe de Firmino custou para o Liverpool, da Inglaterra, algo entre 25 milhões de euros (cerca de R$ 86 milhões), conforme “algumas publicações da imprensa inglesa”, e 29 milhões de libras (cerca de R$ 140 milhões), “segundo o jornal The Guardian e a BBC, da Inglaterra”.

A seleção brasileira é uma das maiores vitrines do futebol mundial. Fortunas são criadas a partir de uma convocação. Nada impede a convocação de jogadores menos conhecidos, entretanto um pouco dos motivos de tais convocações poderiam trazer algumas respostas que satisfizessem os torcedores. Mas, para isso, onde estão as perguntas? Outra coincidência infeliz, que somada ao assunto enaltece tais questões, está no fato de o atual diretor de futebol da CBF, Gilmar Rinaldi, ter atuado, até o dia em que assumiu o cargo na Confederação, como agente/empresário de jogadores.

Ainda entre as curiosidades relacionadas à Copa América e não levantadas pela grande mídia, inclui-se o porquê do atual presidente da CBF, Marco Polo del Nero, não ter acompanhado a delegação ao Chile, como seria a praxe. Limitações no orçamento? Algo mais importante a se fazer por aqui? Por que na cobertura do assunto que talvez seja o que mais vende jornal no Brasil – o futebol, fonte de inúmeras pautas jornalísticas diárias, um dos maiores bens culturais do país – não se apuram e pouco se abordam questões básicas que implicam a prática do esporte que se tornou um negócio milionário? É interessante notar que a maior investigação de corrupção na história do futebol, que gerou a prisão de sete membros da FIFA, entre eles o antigo presidente da CBF, José Maria Marin, na Suíça, no dia 27 de maio deste ano, tenha partido da investigação de uma instituição (FBI) de um país que não prioriza esse esporte. De uma certa forma, os Estados Unidos o secundarizam, chamando inclusive este tipo de futebol de soccer, uma vez que para os americanos football é outra coisa.

A notícia esportiva investigativa divulgada pela mídia nacional vem do que é investigado e divulgado fora daqui. Algumas denúncias contra a FIFA, que vieram à tona graças ao trabalho do FBI, já haviam sido levantadas pelo jornalista britânico Andrew Jennings, em 2006, no documentário The beautiful bung, para a BBC de Londres. Enquanto isso, o jornalismo esportivo brasileiro se ocupa demasiadamente das informações técnicas de como o time vai jogar com ou sem o craque da vez. Enquanto isso, o jornalismo aqui veste a camisa das Federações, mantendo-se refém das fontes oficiais, reproduzindo discursos diante dos fatos, muitas vezes em um pacote embrulhado com linguagem poética que tem feito com tamanha qualidade como nenhuma outra especialidade do Jornalismo. Por outro lado, de 1970 para cá o desenvolvimento do futebol, que já teve o Brasil mundialmente reconhecido como seu país-lar, parece sugerir um novo contexto em que o Brasil marca um gol enquanto outros países marcam sete.

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Elaine Manini é mestranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS